Comecemos pela página 14, que este é um daqueles livros que podemos ler da primeira à última página ou da última à primeira página, mas também ir abrindo ao calhas ou com o critério que bem nos aprouver: “Os leitores medem-se aos palmos. Há-os de oito anos capazes de ler grandes livros – são os de muitos palmos; há-os de 80 anos que nunca conseguiram ir além de umas linhas – são os de poucos palmos. E vice-versa.” Em De Umas Coisas Nascem Outras, editado agora pela Caminho, João Pedro Mésseder (nome com que assina os livros infantis, de poesia e de histórias o professor catedrático e crítico literário José António Gomes) e Rachel Caiano voltam a juntar-se para criar um livro difícil de definir, mas bastante bom de se ler. Já o tinham feito com Pequeno Livro das Coisas (2012, Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância) e depois com Tudo é Sempre Outra Coisa (2013) e voltam a fazê-lo com De Umas Coisas Nascem Outras: é prosa e poesia ao mesmo tempo, são micro-contos e curtos diálogos, que nos chamam a atenção (e tantas vezes andamos distraídos) para como, à nossa volta, de forma natural, “de umas coisas nascem outras”. E, nalguns casos, é como se fosse mesmo a primeira vez que nos damos conta disso. Como aqui: “O que vale aos números, para não se sentirem prisioneiros, é estarem sempre do lado de cá do papel quadriculado.” Ou aqui: “À noite, os postes de iluminação pública têm sempre um ar solitário, apesar de acompanhados por outros.”
Ao longo das páginas, sucedem-se as frases de João Pedro Mésseder, agrupadas e sempre acompanhadas por uma ilustração de Rachel Caiano, quase só em tons de preto, cinzento, azul e vermelho. E imaginamo-las a sair do caderninho preto de ideias do escritor e a aterrarem ali, como pensamentos que se podem ler de um trago só ou aos poucos, para melhor saborear. E se formos à primeira página, tudo começa com uma sementinha. “Era uma vez uma semente de trigo que um dia se descobriu pão. Era uma vez um pedaço de barro que um dia se descobriu cântaro. (…) Era uma vez uma menina que um dia se descobriu namorada. Era uma vez um menino que um dia se descobriu namorado. (…) Era uma vez um rio que um dia se descobriu mar. Era uma vez uma menina que um dia se descobriu mãe. Era uma vez um menino que um dia se descobriu pai.” Até chegarmos à última página: “Claro que o dedo indicador não é sempre um anzol, mas muitas vezes é. Um anzol, um ponteiro, uma tempestade, uma arma: o dedo indicador. – Vem cá – parecia dizer o dedo indicador. – Queres ler ou reler este livro?” Sim, voltemos à página 28, por exemplo: “O metro vinha a abarrotar de passageiros. Na estação central, foi a desenchente.”
De Umas Coisas Nascem Outras > De João Pedro Mésseder e Rachel Caiano > Caminho > 40 págs. > €10,90