Da varanda de granito vê-se o jardim, que desce em patamares até ao lago e à piscina exterior aquecida. Em redor, as vinhas estendem-se no horizonte, ouve-se o sino tocar na igreja. O dia amanhece sob um vigoroso céu azul, e o ar puro da Beira Alta envolve todo o cenário.
No recém-aberto Valverde Santar Hotel & Spa, no concelho de Nelas, procura-se dar tempo ao tempo para nos sentirmos em casa. “Puxamos o fio e são histórias que nunca mais acabam”, dirá, mais tarde, Pedro Mendes Leal, diretor do grupo Valverde Living.
A Casa das Fidalgas, uma das mais importantes da vila de Santar, construída no final do século XVII, por Domingos Sampaio do Amaral, acabaria por ser doada ao representante da casa real portuguesa, Duarte Pio de Bragança, e ao seu irmão, Miguel, duque de Viseu, e reconverteu-se num hotel-boutique, rodeado pela tranquilidade e o verde das serras da Estrela e do Caramulo.
Tem 21 quartos, divididos em quatro categorias: clássico, deluxe, júnior suítes e suítes, sendo as últimas uma homenagem aos derradeiros proprietários (o duque de Bragança, Isabel de Herédia e duque de Viseu). O corpo central, onde está a torre medieval, a partir da qual a casa foi crescendo, desdobra-se em salas de estar, e de reunião, onde grande parte dos móveis e pinturas, de origem francesa e holandesa, foi “objeto de um cuidadoso restauro.” José Pedro Vieira, do Atelier Bastir, que com Diogo Rosa Lã, liderou a arquitetura e o design de interiores, sublinha ter procurado “recriar uma casa que seja um hotel e um hotel que seja uma casa”.
Manter o ADN e evocar a memória, com os olhos postos no futuro, é apontado como o maior desafio. A transformação permite o regresso “a uma casa nobre, com história, que poderia ter sido sempre assim”, nota o designer. Na Sala dos Pratos, vale a pena andar de nariz no ar, pois no teto há dezenas de exemplares em gesso, pintados à mão. Invulgar, e do mesmo material, é também o teto, a imitar madeira, na Sala dos Fingidos ou a requintada biblioteca com mais de 600 livros. A traça original mantém-se, mas a recuperação permitiu apagar “a mão que o tempo vai pondo nas coisas”.
A unidade de alojamento, apesar de esboçada sem recurso a novas construções, ajusta-se às exigências de comodidade e luxo, num registo “mais leve, contemporâneo e de grande conforto”, nota José Pedro. É um absoluto descanso dormir com vista para o jardim. Diferentes entre si, cada quarto tem uma organização própria, um traço decorativo, sendo parte do mobiliário oriunda do espólio original. A recuperação manteve as divisões definidas pelas paredes existentes.

Se estiver de passagem, há duas paragens obrigatórias. O spa, instalado na antiga adega da propriedade, dispõe de quatro salas de tratamento (há massagens curativas, de corpo e rosto, com produtos da marca austríaca Vinoble), piscina interior, sauna, banho turco, duche sensorial.
Já o restaurante Memórias, que ocupa um antigo abrigo agrícola, cujos ingredientes chegam da horta do hotel (o pão, de massa mãe, é de produção própria). A ementa, criada por Luís Almeida, é uma homenagem à gastronomia portuguesa. Damos início à refeição com vitela de Lafões DOP, massa tenra e mostarda, seguindo-se robalo de mar e caldeirada. Nos doces, há pudim de queijo serra da Estrela e citrinos e leite-creme de Encruzado e flor de laranjeira. A acompanhar, serve-se vinho Memórias de Santar.
Percorrer os jardins da Casa das Fidalgas, onde está a vinha ondulada, desenhada pelo arquiteto paisagista Fernando Caruncho, e o quiosque panorâmico, em madeira de pinho, é imperativo. Durante as vindimas, poderá ajudar-se no corte das uvas e seguir os trabalhos na adega, sob orientação do enólogo Pedro de Vasconcellos e Souza.
Voltando à varanda e ao pequeno-almoço, pedimos panquecas de alfarroba (embora também existam de xarope de ácer e de frutos vermelhos), pães diversos, fruta da estação, bolo caseiro e sumos naturais. Bom, bom é passar por lá uma tarde, que ficará na memória, tal como tudo o resto, aliás.
Valverde Santar hotel & SPA > Casa das Fidalgas, Av. Viscondessa de Taveiro, Santar, Nelas > T. 232 394 800 > a partir de €450
Seis jardins num só

O projeto Santar Vila Jardim, fundado em 2013, a partir de um desafio da família Vasconcellos e Souza a proprietários de jardins e vizinhos da Casa dos Condes de Santar e Magalhães, nasceu para proteger o património herdado e a vila. Sob a orientação do arquiteto paisagista espanhol Fernando Caruncho, derrubaram-se muros, abriram-se portões e juntaram-se seis jardins neste percurso único no País, onde, desde 2020, todos podem circular. A visita começa na Casa da Lenha, loja do Vila Jardim, avançando depois até à ala privada, aberta recentemente, da Casa de Santar e Magalhães, seguindo-se os jardins de obeliscos, as roseiras em parterres e a alameda de camélias. O percurso inclui ainda os jardins da Casa da Magnólia, dos Linhares Santar e Magalhães, Linhares Ibérico Nogueira, Hotel Valverde e da Misericórdia (a partir de €15/jardins e vila).