O tempo, o modo e o lugar. Tudo palavras que ligam com o espírito da Companhia das Culturas, propriedade agrícola de 40 hectares que também funciona como turismo rural. Falamos de tempo porque aqui o tempo passa ao ritmo das estações do ano e das colheitas que cada uma delas traz (a propósito, as laranjas e os marmelos devem estar a chegar). Acrescentamos- -lhe o modo porque, da arquitetura à alimentação, aqui tudo é feito de acordo com as regras do ecossistema trilhado entre o Mediterrâneo e o Barrocal do Sotavento Algarvio. E juntamos-lhe ainda o lugar porque aqui vive uma família há cinco gerações – e é dessa memória que continuam a fazer-se os dias e as noites da Companhia das Culturas.
A família é a de Francisco Palma-Dias, 75 anos, enciclopédia sobre tudo o que à cultura mediterrânica diz respeito, responsável pelas primeiras aulas de ioga em Portugal e também pela criação de um dos restaurantes mais originais de Lisboa, Os Tibetanos. É ele que fala desse “clima irrepetível” que permite que aqui se deem a banana, a papaia, o abacate e o mamão. E que, quando a conversa avança, discorre sobre o facto de parecer que “a inteligência humana está a regredir”: “A agricultura era monocórdica e, de repente, transforma-se em algo como chuvas e tornados.”
A acompanhar Francisco está Eglantina Monteiro, 62 anos, uma antropóloga nascida na Foz do Porto que quase todos tratam por Tina. “Aqui come-se a paisagem”, diz ela sem quaisquer lirismos. Come-se mesmo: os ovos do galinheiro, a fruta do pomar, os legumes da horta, as beldroegas do verão, as plantas que crescem com as primeiras chuvas, os queijos de cabra e ovelha e as conservas do peixe da faixa que vai da Isla Cristina até Faro. São eles que, além de proprietários, de há dez anos para cá, fazem de anfitriões neste ecoturismo rodeado de pinheiros-mansos, oliveiras, figueiras, alfarrobeiras… E que, quando lhes solicitam ajuda, também sugerem um passeio Guadiana acima, um jantar no restaurante O Fernando, em Altura (“as melhores ostras da região”), uma ida até à Praia Verde (a apenas um quilómetro e meio). Estar na Companhia das Culturas também é isto: conhecer o que nos rodeia e, no fundo, deixar que seja a terra a dizer para onde vamos.
Ao sábado, o dia começa com uma sessão de ioga na Cork Box, uma sala toda forrada a cortiça construída na antiga garagem da máquina debulhadora. E começa devagar, como convém (aviso aos leitores com mais dificuldade em desligar: não há televisão nem música ambiente e o wifi está disponível apenas nas áreas comuns). Depois, o pequeno-almoço faz-se em formato brunch, com petiscos como ovos escalfados, algas e batata-doce. Para beber, um chá de erva-príncipe de que não se esquece. As refeições já não acontecem no pátio ao ar livre, antes na sala de refeições com vista para a propriedade, uma das últimas novidades. Foi projetada por Pedro Ressano Garcia, que tem sido o arquiteto responsável por todas as intervenções. Das 14h às 20h, é aqui que funciona a Tal Qual Petiscaria, com produtos da região, confeção local e cozinha sem concessões a modismos.
Na recuperação da Companhia das Culturas, sempre foram respeitadas as “preexistências”. Um dos quartos (nove, no total) foi montado na antiga cozinha e mantém o chão de mosaico hidráulico. Um dos apartamentos (são quatro: um térreo, para quatro pessoas, e três com dois andares, para seis pessoas) ocupa o lugar do lagar de azeite e, hoje, até a prensa faz parte da decoração. Esta, aliás, tanto se faz de passado como de presente, de velharias e de objetos de design. Das cadeiras aos candeeiros, as peças têm mil e uma proveniências e conjugam-se sem se conjugar.
Como Tina nunca está quieta, a Companhia das Culturas tem, desde o último verão, mais umas quantas novidades: uma piscina de água salgada na zona dos apartamentos, um deck coberto junto à piscina principal, uma sala de reuniões, um programa de retiro a juntar ioga, meditação e hammam. E ainda, com a ajuda de um sistema de GPS, novos trilhos pedestres para caminhar pela serra e pela reserva de Castro Marim. Está mesmo a pedi-los, este outono de temperaturas altas.
Em breve, a Companhia das Culturas terá uma nova linha de amenities (champô, gel de banho e leite de corpo), cuja preparação está a ser feita em parceria com a Pharmaplant, uma fábrica/laboratório fundada por um casal de latino-americanos, em Alcoutim.