Acabada de chegar a Lisboa vinda de Londres, Jancis Robinson precisa apenas de uns minutos para se refrescar antes de começarmos a entrevista. Sentada no sofá da luxuosa Sala Luís XVI do hotel Pestana Palace, aceita um chá sem pestanejar, fita-nos com os seus olhos azuis e abre um sorriso. Temos 20 minutos da sua tarde na capital, onde veio apresentar o copo e os dois decantadores que desenhou com Richard Brendon, numa sessão que contará com uma prova de vinhos da Herdade do Rocim.
A Master of Wine, colunista residente da edição de fim de semana do Financial Times e uma das mais conhecidas e reputadas críticas de vinho do mundo há de dizer a determinada altura que gosta mesmo de Portugal. Não é charme da fundadora e editora-chefe do site jancisrobinson.com, muito procurado por entendedores e curiosos de vinhos de todo o mundo. Jancis, 73 anos, conhece bem os vinhos portugueses e tem escrito, com frequência, sobre o assunto. Publicou, inclusive, o livro Prova os Melhores Vinhos Portugueses (editado em 1999 pela Cotovia).
Quando é que descobriu a sua paixão pelo vinho?
Quando estava na universidade. Bebi um tinto da Borgonha muito bom e percebi que o vinho podia ser muito mais do que um líquido e álcool. Tinha história, geografia, uma grande quantidade de prazer sensual mas, também, muito de estimulação intelectual.
Percebeu, logo aí, que também tinha talento?
Fui a primeira pessoa fora do mundo do vinho a tornar-me Master of Wine [em 1984], já eu escrevia profissionalmente sobre vinhos. Por isso, assumi que “se és alguém que escreve sobre o assunto, já sabes o suficiente” e que passaria automaticamente nos exames. Foi só quando outros especialistas de vinhos fizeram o exame e não passaram que pensei para mim: “Hum, se calhar…” [Risos.]
Foi também a melhor aluna no curso do Wine and Spirit Education Trust.
Isso foi antes, em 1978. Creio que foi por causa disso que me convidaram para fazer o exame de Master of Wine.
Mas havia uma preparação para esse exame…
Ah, sim, havia. Hoje em dia é mais complexo porque o mundo dos vinhos também é mais complexo. São precisos três anos, no mínimo, para obter essa distinção. Na minha altura, o mundo dos vinhos era mais simples e o exame, nesse sentido, creio que era mais fácil. Fiz tudo num ano, estava eu grávida do meu primeiro filho [Jancis tem três filhos].
O mundo dos vinhos está mais complexo hoje porque…
Mais países, mais castas diferentes, mais investigação científica, mais descobertas… Nos anos 1980, as pessoas estavam todas a tentar fazer o mesmo tipo de vinho. O vinho da Califórnia sabia a vinho da Califórnia e o vinho da Austrália sabia a vinho da Austrália. Hoje, as coisas não são assim tão simples. Não é que os avaliadores do Master of Wine não queiram que se passe no exame, o assunto é que se tornou mais complexo.
Os vinhos portugueses faziam parte do exame?
Na altura, metade do exame era teórica. Cinco páginas escritas, três de provas de vinhos, e não havia vinhos de mesa portugueses. Portos, sim, absolutamente. A primeira vez que visitei Portugal foi em 1976, se não me falha a memória, para a celebração dos 300 anos da Croft Port. Lembro-me de olhar para a lista de vinhos no bar do hotel e de não me dizer absolutamente nada. À exceção do Mateus Rosé, os vinhos de mesa portugueses não eram vistos lá fora.
Quando é que se dá a mudança?
É uma coisa recente, deste século. 20 e poucos anos.
Escreveu um artigo há pouco tempo, dizendo que os vinhos portugueses costumavam ser a sua dica, agora estão por todo o lado.
As pessoas descobriram quanto o vinho português é bom. E o seu grande valor.
O que é que fez a diferença?
O turismo. Foi assim que os americanos e os britânicos ficaram familiarizados com os vinhos portugueses, os seus nomes, os seus produtores, as regiões… Nesse artigo, eu conto a história do Raymond Reynolds, cuja família tinha uma quinta no Alentejo. Ele fundou uma empresa de importação de vinhos para o Reino Unido nos anos 90 e era muito difícil. Claro que os vinhos também melhoraram imenso. Esse foi o outro fator.
Os nossos vinhos eram…
Muito ásperos e muito duros. Não tinham fruta.
Do que gosta mais num vinho?
Equilíbrio, ser refrescante e interesse. Estas são as três qualidades principais de um vinho.
O que quer dizer exatamente?
Refrescante no sentido de querermos beber outro copo porque não é pesado, é vivo, está vivo. O interesse não tem tanto que ver com a sua história, significa que o vinho em si é interessante, tem mais do que um elemento, tem diferentes nuances.
Com que regularidade vem a Portugal?
Em média, uma vez por ano, o que é menos do que gostaria. Adoro Portugal, o problema é que, neste momento, o meu site tem cerca de 17 colaboradores. Inevitavelmente, alguns deles têm a sua especialidade. A Julia Harding, que também é Master of Wine, é louca por Portugal e acaba por vir muito mais do que eu. Em maio passado, ela foi eleita Personalidade do Ano de 2022, pela ViniPortugal, pelo seu trabalho na divulgação dos vinhos portugueses na Europa. Um prémio justo.
No festival anual do Financial Times [em 2022], apresentou com a Julia Harding, precisamente, seis vinhos numa sessão intitulada Uma Prova de Vinhos Desconhecidos, mas Excecionais de Portugal. O que precisamos de fazer para que lhes seja reconhecido valor?
Essa é uma pergunta difícil. Neste momento, há uma grande disparidade de preços. Alguns produtores estão a ser bastante ambiciosos, ao mesmo tempo que outros ainda vendem os seus vinhos baratos. O aumento da qualidade tem sido maior do que o aumento do preço, parece-me. Neste campeonato, o Dick Niepoort está a fazer um bom trabalho. Ele não subestima os seus vinhos, mas também não lhes põe preços loucos. São produtores como ele que estão a liderar.
Tem de haver um equilíbrio…
Sim. Os consumidores americanos são bastante diferentes dos consumidores britânicos. Para os americanos preço é qualidade, e gostam de pagar um preço alto. Os britânicos não. [Risos.]
Qual é a nossa maior valia, no que ao vinho diz respeito?
A maravilhosa variedade de castas autóctones, sem dúvida. Graças a Deus, Portugal não seguiu o caminho do Cabernet Sauvignon e do Chardonnay. Toda a gente faz esses vinhos. E também um clima que tem boa frescura. Não é demasiado quente.
Há produtores que estão a recuperar a cultura do vinho no Pico, nos Açores, em Porto Santo, na Madeira, no Algarve, com a casta Negra Mole…
Os consumidores gostam de novidade e de descobrir coisas novas. É fácil entender o quão diferentes os vinhos do Pico e de Porto Santo são.
Se pudesse dar um conselho aos produtores portugueses, qual seria?
Acho que estão a ir na direção certa. Estou entusiasmada por estarem a fazer tantos e tão bons vinhos brancos, porque durante muito tempo o mercado esteve dominado pelos tintos. Acho que os vinhos brancos portugueses melhoraram substancialmente nos últimos cinco anos.
Mas é preciso dá-los a conhecer.
Os produtores têm de viajar mais e darem-se a conhecer nos mercados que são importantes para eles. E que são o inglês e o americano. Não o francês – esse é uma perda de tempo.
Integra o restrito Comité de Vinhos da Família Real, que dá conselhos sobre os vinhos que devem ser comprados e os que devem ser servidos aos convidados da família real britânica. O rei Carlos III já vos contactou?
Ainda não fomos contactados diretamente. Esperamos pelo telefonema. [Risos.]
Aceitou o desafio de desenhar aquele que diz ser “um copo para todos os vinhos”. A Riedel não deve ter gostado.
É um copo para brancos, tintos, champanhe, Portos. Não vejo onde está a lógica em haver um copo mais pequeno para os brancos, porque os brancos são tão expressivos e complexos quantos os tintos. Eles merecem um copo grande também. Os produtores de champanhe estão a deixar as flutes. São demasiado estreitas, não conseguimos pôr o nariz dentro. E isto vale também para os Portos – porque é que estes têm de ser servidos num copo pequeno e estreito? Todos os vinhos merecem uma boa taça e o máximo de aroma.
É uma Marie Kondo dos copos?
É preciso destralhar. As pessoas não têm muito espaço de arrumação em casa.
Vinhos naturais, biodinâmicos, biológicos. Sim ou não?
A redução dos agroquímicos é um assunto que me interessa. Orgânico é bom para o planeta, a biodinâmica parece produzir vinhos com mais vida. É impossível dizer qual é a explicação científica, embora tenha notado que, nos últimos anos, os cientistas se têm interessado pela biodinâmica. No início, diziam “isso é tudo um disparate”, agora estão mais tolerantes, sobretudo quando veem os resultados e as diferenças entre uma vinha biodinâmica e outra convencional. Quanto aos vinhos naturais, a proporção dos bons está a crescer lentamente, o que é positivo. Por outro lado, há vinhos que cumprem todos os requisitos de um vinho natural, como o Château Latour, um Bordeaux muito famoso, mas que não são vendidos como tal. Nem querem.
Mas sabem diferente?
Posso dizer que sim. Às vezes, consigo dizer se um vinho foi produzido dessa forma, o mesmo já não acontece em relação a um vinho orgânico.
Nas suas notas, passou a incluir o peso da garrafa do vinho. Porquê?
Não há uma relação direta entre o peso de uma garrafa e a qualidade de um vinho. A produção e o transporte de garrafas são responsáveis pela maior fatia das emissões de carbono deste setor. Uma garrafa de vidro é ideal porque é inerte para um vinho que se quer que envelheça durante anos e anos. Mas isso é apenas 5% da produção total. A maioria do vinho é consumida no imediato. Os produtores estão a tomar consciência disto e a mudar para garrafas mais leves.
Quantos vinhos prova por ano?
Cheguei a provar dez mil vinhos num ano. A pandemia abrandou o ritmo. Não fiz as contas recentemente, mas diria uns seis mil.
Depois de uma semana de provas, ainda lhe apetece abrir uma garrafa e beber um vinho?
Sem dúvida. Há uma grande diferença entre provar e beber. Quando provamos um vinho, além de o cuspirmos, somos muito críticos e não estamos a fazê-lo por prazer. Beber um vinho é prazer e relaxamento.
NOTAS ALTAS
Jancis Robinson e Julia Harding, crítica de vinhos e uma das grandes contribuintes do site jancisrobinson.com, publicam uma lista de 118 notas de prova de vinhos portugueses, ilhas incluídas. Selecionámos os dez mais apelativos desta coleção de verão, entre brancos e tintos
Brancos
Terras de Lava 2019, Picowines, IGP Açores €10,90
Tapada da Fonte 2022, Pista, Alentejo €9,80
Vadio 2021, Bairrada €15,50
Beyra Quartz Reserva 2019, Rui Roboredo Madeira, Beira Interior €7,90
Ideal 2021, Carlos Raposo, Dão €14,90
Tintos
Chão dos Eremitas Vinhas Velhas Tinta Carvalha 2021, Fitapreta, Alentejo €35
Poeirinho Baga 2016, Quinta de Baixo (Niepoort), Bairrada €32
O Estrangeiro 2021, Herdade do Rocim, Dão €31,50
Cinetica 2018, Cizeron, Douro €11
Encostas do Gavião 2021, Quinta do Couquinho, Douro €7,50 (preços de referência)