OS ALTARES
O trabalho de restauro requer uma minúcia impressionante.
“Retocar as zonas de lacuna com folha de ouro verdadeira, de acordo com a técnica original” levou meses, dias, horas a fio. Nos altares, o principal problema foi “remover a purpurina e o ouro falso.” “Limpar quimicamente a superfície, estabilizar os materiais e reintegrar as lacunas cromaticamente com folha de ouro” foi uma tarefa árdua. Uma das premissas do trabalho de restauro, assegura Luís Campos, passou por não “não iludir o observador”. “Quando nos aproximamos, temos que identificar claramente onde foi feito o restauro”, garante. E há que ter em conta ainda a própria luminosidade natural do local.
DE CIMA PARA BAIXO
Os tetos e os dois grandes sanefões em talha dourada, colocados junto das extremidades da igreja, foram os primeiros a ser requalificados.
A intervenção começou “de cima para baixo”, descreve Luís Campos.
“A folha de ouro, que estava destacada, teve de ser fixada.” O certo é que só o restauro destes dois sanefões demorou seis meses e pôs dez pessoas na nave da igreja, em andaimes situados a 22 metros de altura.
OS ÓRGÃOS DE TUBOS
Há décadas que os dois órgãos de tubos da Igreja não tocavam. Além de terem sido alvo de restauro das caixas, tiveram a intervenção do organeiro espanhol Federico Acitores, oriundo de Palência, que passou oito meses a compor os órgãos. “O ar passava de uma tecla para outra e o som já não era bom”, conta. A partir do dia 12 e até aos Reis, os órgãos vão passar a ouvir-se todos os dias ao meio-dia (lá está o 12 como número mágico), numa parceria com a Universidade Católica e a Associação de Comerciantes do Porto. Também o cadeiral junto aos dois órgãos está recuperado.
“Foi removida uma camada de verniz que tinha sido colocado nos anos 80 e estava a descaracterizar o original.”
A DESCOBERTA
A uma semana da reabertura, um pouco por acaso, foi descoberta uma cripta debaixo da Capela-Mor. Há muito que, por causa de documentos antigos, o padre Américo Aguiar suspeitava da existência de uma cripta subterrânea, onde teriam sido enterradas as pessoas mais importantes da Irmandade. Mas a descoberta renova a expectativa de que os restos mortais de Nicolau Nasoni estejam aqui. “Estava a pôr o soalho e vi que a bucha parecia não ter fim. Comecei a desmontar o chão e fiquei espantado”, descreve João Paulo Santos, o carpinteiro que se deparou com o “achado”.
O RESTAURO
As obras, que seguiram um projeto de recuperação da autoria do arquiteto João Carlos dos Santos, tiveram início no princípio deste ano. A Signinum-Gestão de Património Cultural foi a empresa responsável pelo restauro, orçado em 2,6 milhões de euros. A empresa, sediada em Terras de Bouro, com oficina em Braga, teve 30 pessoas envolvidas no restauro das peças e outras 40 na parte de reabilitação da própria igreja. “Não há um centímetro que não tenha sido intervencionado”, afirma Luís Campos, o administrador da empresa. Há números surpreendentes: foram gastos 200 litros de álcool etílico, 3 500 litros de tinta, 60 quilos de algodão para limpar pequenas zonas e 140 mil folhas de ouro. O Centro de Conservação e Restauro da Universidade Católica recuperou também 18 telas de pinturas (13 das quais de grandes dimensões, com cerca de três metros de altura) pertencentes ao salão nobre, à sala de paramentos e ao cartório.
NOVOS PISOS
A entrada para a igreja e torre passa a ser feita pela Rua da Assunção. Os quatro pisos contam agora com elevador, a pensar nas pessoas de mobilidade reduzida. À entrada, ficará a loja de merchandising, a bilheteira de acesso à torre e uma sala com painéis informativos que se repete em cada um dos pisos com diferentes temáticas (a Irmandade, Nasoni, o Barroco e, por último, a obra de Nasoni no Norte do País). O serviço educativo, o Museu dos Cristos e o Museu da Irmandade (que só devem abrir na Páscoa de 2015), a sala do cofre (onde estará exposta a bula papal e uma escrivaninha do século XVIII) preencherão, gradualmente, os quatro pisos renovados. A abertura destas áreas nunca antes disponíveis permitirá uma visita de 360 graus ao edifício, desde o salão nobre ao cartório. A própria torre foi alvo de intervenções que melhoraram a sua acessibilidade e segurança (nomeadamente a colocação de “guardas” entre os balaústres). O bilhete de subida à torre continua a custar €2, assim como o circuito que inclui a visita aos quatro pisos, no qual o público que não conseguir aceder à torre poderá ter uma imagem virtual da vista da cidade. A igreja passa a estar aberta, diariamente, das 9 às 19 horas, com missa aos domingos, às 21 e 30.
O FUTURO
O padre Américo Aguiar, presidente da Irmandade dos Clérigos, foi um dos impulsionadores da requalificação deste monumento nacional. À boleia da comemoração dos 250 anos da construção da torre, em 2013, a Irmandade dos Clérigos deu conta da urgência da reabilitação da obra de Nasoni. Para o arquiteto João Carlos dos Santos, “o conjunto de novas valências, os espaços de descompressão criados na subida à torre, a preservação o mais possível da igreja”, introduzindo, ao mesmo tempo, “a modernidade necessária neste tipo de edifícios” é a grande mais valia deste projeto. O padre Américo Aguiar lembra ainda que “a decisão de não fazer a obra por fases” acabou por ser “uma aposta acertada”. Em 2015, serão lançadas duas novas publicações sobre os Clérigos: um guia prático, de bolso, da autoria de Germano Silva, e um livro sobre o arquiteto Nicolau Nasoni, por Manuel Montenegro.
A CAPELA-MOR
O altar onde se encontra a imagem da padroeira da igreja e da Irmandade dos Clérigos, Nossa Senhora da Assunção, revelou-se uma das mais complexas tarefas da obra. “Todas as cores eram impercetíveis, víamos um aglomerado de tintas e pretos”, conta Luís Campos.
“A zona da tribuna estava enegrecida” e apresentava “acumulação de sujidade provocada pelo fumo das velas”. A “beleza do altar” é agora mais visível, diz.