Por muito que a catedral o tente esconder, em Lamego o pecado mora ao lado. Ou atrás, para ser mais preciso. Até assusta a acumulação de tentação por metro quadrado na velhinha Rua Virgílio Correia ou, simplesmente, a rua de trás da Sé. Guiados pelo olfato ou pelo estômago, são muitos os lamecenses, e cada vez mais os forasteiros que, diariamente, percorrem esta espécie de via-sacra de gula e perdição. E se nas magníficas tasquinhas, as horas de ponta coincidem com as refeições, já na Pastelaria da Sé o corre-corre não tem hora marcada. O caso não é para menos porque é lá que, diariamente, nascem e desaparecem, enquanto o diabo esfrega um olho, alguns dos melhores doces e salgados do País.
Mas o açúcar pode esperar. Até porque foram as bolas – deve ler-se como se o “o” tivesse um acento circunflexo – que mais fizeram pela fama de Álvaro Pereira e Maria da Conceição, os proprietários. Aberta desde 1966, a Casa das Bolas, como também é conhecida, é obra deste casal de pasteleiros. De massa fina e estaladiça, as variedades são infindáveis. Da casa (de presunto e fiambre), de bacalhau, sardinha, vinha d’alhos, frango, presunto, salpicão ou de fiambre e queijo, há uma para todos os gostos. Com Álvaro agora menos dedicado à cozinha, é a Maria da Conceição que cabe a tarefa de pôr as mãos na massa. Estudiosa e apaixonada pela doçaria conventual, é ela quem faz a pastelaria à antiga. “Fui lendo, pesquisando e inovando também. Aliás, estou sempre a criar coisas novas.” De resto, se nas bolas o segredo está na massa, na doçaria, a base do sucesso começa no açúcar que é “deitado na mármore e muito puxado. É um trabalho pesado e desgastante mas é assim que tem de ser”, explica.
Tanto trabalho só podia dar grandes resultados. A variedade de doces – dos lusitanos aos sidónios, passando pelas gradinhas do convento e pelos peixinhos de chila, até às cavacas de resende e aos morgadinhos – tudo é delicioso. E, pelo caminho, o casal até já conseguiu arrastar as filhas para o negócio, abrindo uma filial na cidade. Mesmo com a Sé ali em frente, Maria da Conceição atreve-se a justificar a sua sina com o poder de outros astros. “Sabe, é que os caranguejos gostam muito de cozinha.” Palavra da senhora.
PASTELARIA DA SÉ R. Virgílio Correia, 16, Lamego T. 254 612 463 Ter-Dom 9h-20h