Comecemos, então, pelas novidades. Chama-se Shiado Hostel e é o mais recente membro da família de alojamentos low-cost da capital. Para os mais distraídos refira-se que hostel é o termo inglês para um género de pousada, destinada, essencialmente, a jovens que viajam e que tem por detrás um conceito simples: os quartos, as casas de banho, a cozinha e a sala são partilhados por todos. Temos, assim, que a génese é a sociabilização e que a proximidade é um factor determinante e unificador.
Nos hostels conhecem-se pessoas de todo o mundo, trocam-se experiências de vida e de viagem. São, mais do que tudo, casas de viajantes que ou não querem gastar muito dinheiro em alojamento (a média ronda os €19 por noite) ou, simplesmente, gostam desta partilha e convívio.
“Conheci pessoas muito interessantes em hostels. Na cozinha socializa-se muito, aliás é o local onde se conhecem melhor as pessoas”, nota Elena Valsecchi, a italiana que largou o mundo do marketing, em Milão, e se juntou a um “bolseiro dissidente”, Paulo Hasse.
Ela, que sempre viajou e se alojou em hostels, veio para Portugal com uma ideia: trabalhar no ramo. Primeiro foi empregada e, em Setembro passado, encontrou no Paulo a pessoa que procurava para abrir um negócio. Em seis meses puseram de pé o Shiado Hostel e o olhar de ambos, enquanto conversamos na sala com vista para o Teatro de São Carlos, é de encantamento.
A certeza de um objectivo cumprido e de um sonho que agora começa a realizar-se. “Já recebemos os nossos primeiros hóspedes e o feedback é fantástico”, conta Paulo.
Nos quartos, na cozinha ou na sala há a mão de Elena, de Paulo e dos muitos amigos que não se cansaram de os ajudar. “Cada pormenor da decoração tem uma história ligada a algum amigo”, diz Elena. E nem a meio da aventura de marceneiros e pintores de ocasião com jeito, diga-se quando um berbequim se enrolou no cabelo de Elena e lhe abriu o sobrolho a vontade esmoreceu. “Faz parte “, diz ela, encolhendo os ombros. Assim como também faz parte terem reciclado uma série de objectos que adornam a casa. Como o enorme e antiquíssimo malão de viagem que Paulo trouxe de casa dos pais, as caixas de bombas do exército que arranjaram num armazém de artigos em “quinta” mão e que fazem as vezes de mesa-de-cabeceira, a mesa da “avó Irene” que agora é verde ou os quadros que vários artistas plásticos, amigos de Paulo, simpaticamente emprestaram.
A BAIXA ESTÁ EM ALTA
E o que descobrimos neste primeiro hostel voltámos a encontrar nos outros três que visitámos. A inata simpatia de todos os anfitriões, a vontade de fazer cada vez mais e melhor e a certeza de que fizeram a escolha certa quando largaram as antigas profissões e os futuros carregados de incertezas. E o “mais e melhor” está directamente ligado ao mote que deu início a este trabalho. O tal Top 10 mundial. Pois bem, este top é feito pelo site irlandês hostelworld através dos votos de clientes de todo o mundo e cuja avaliação recai sobre os mais de 20 mil hostels inscritos no site. E os três primeiros lugares de 2008 são portugueses e o oitavo lugar também. A saber, e por esta ordem: The Travellers House, Rossio Hostel (que não se mostrou disponível para nos receber), Lisbon Lounge Hostel e Goodnight Backpackers. Todos na Baixa lisboeta. Ao visitá-los ficámos a saber porque foram considerados os melhores e porque é que a fasquia está tão elevada. “A grande hipótese que tínhamos para nos diferenciar dos hostels espanhóis era apostar na qualidade”, conta Tiago Venâncio, um dos sócios do The Travellers House, sentado num dos poufs da sala de convívio estilo vintage debruçada sobre a Rua Augusta. Tiago e Gonçalo Figueiró, o outro sócio, conheceram-se em Buenos Aires, na Argentina, quando ambos estavam a meio de uma viagem de um ano. A ideia germinou nas pampas e Tiago largou as máquinas de fotojornalista e Gonçalo pôs de lado as aulas de Educação Física.
Neste hostel quatro andares num prédio pombalino, os dias passam ao ritmo dos backpackers (mochileiros) que vão entrando e saindo. “Aqui é tudo informal e nem sequer lidamos directamente com dinheiro. Quando alguém quer uma cerveja ou uma água, vai buscar ao frigorífico das bebidas, aponta o que tirou num papel e, na altura do check out, fazem-se as contas”, diz Tiago. A vida de um hostel é assim mesmo, as perguntas mais simples, como a vontade de beber água, servem para dar início a uma conversa. “Chegam aqui muitos viajantes sozinhos e passados 10 minutos já conhecem uma série de pessoas e vão todos juntos passear “, assevera Tiago, ao mesmo tempo que abre o frigorífico da cozinha e nos mostra os sacos de comida de alguns hóspedes devidamente arrumados e etiquetados com nomes.
CONFORTO E LIMPEZA
Como no Travellers, no Lisbon Lounge Hostel os anfitriões acabam muitas vezes por confraternizar com os hóspedes. Há saídas organizadas e há saídas espontâneas. “O barulho tem que acabar à meia-noite. Se quiserem mais festa vamos todos para o Bairro Alto”, conta Valter, um dos quatro sócios. Aliás, esta é uma regra comum aos quatro alojamentos: não são party-hostels. Estes existem, é certo, mas cada um tem o seu mercado.
“Damos primazia ao conforto”, nota Valter, enquanto nos mostra os espaçosos quartos com beliches. Neste hostel, de decoração moderna e sóbria, em que sobressaem os graffitis do streetartist que assina Mega e os tambores de máquina de lavar roupa a fazerem de mesas de apoio, o ambiente é em tudo semelhante aos restantes: tranquilo. E, já agora, desengane-se quem acha que estes locais, por serem frequentados por viajantes de mochila às costas, são sujos ou têm cheiros menos agradáveis. A limpeza impera em todos os que visitámos e, também em todos, o cheiro a limpo foi uma constante. “O patamar dos hostels lisboetas está estupidamente elevado e ainda bem. Tem que ser assim”, diz Valter, sentado num dos enormes poufs da sala do prédio pombalino que ia ser vendido para apartamentos de luxo, mas que os quatro sócios e amigos “não deixaram”.
Voltando ao adjectivo “tranquilo”, refira-se que não quer dizer marasmo. À confraternização dos hóspedes junta-se a animação proporcionada pelos donos, como é o caso dos jantares feitos pelo cozinheiro de serviço, Pedro, que, no dia em que lá estivemos, era caldo verde e cuscuz com frango e legumes, ou os cantores de rua que por aqui fazem perfomances. “Já tivemos cá um homem de São Petersburgo que tocou balalaikas e uma polca que fez a introdução de uma opereta”, refere.
“Os hostels da Baixa têm 100% em termos de localização [nos parâmetros de classificação do site hostelworld que incluem também: estilo, divertimento, limpeza, staff e segurança], o resto é esforço e trabalho”, assevera o incansável João Vasconcelos, proprietário do Goodnight Backpackers. “Abri o hostel sozinho [em 2007].
Fui servente de pedreiro durante seis meses e carreguei retretes e lavatórios. O chão que estou a pisar fui eu que trouxe para cima”, diz, com orgulho, sentado no enorme sofá da sala em tons de verde.
João tem em Tatiana, uma espécie de gerente e “mulher faz tudo”, o seu braço-direito. É ela quem recebe, com um rasgado “Olá!”, os hóspedes, lhes dá indicações geográficas ou lhes diz as regras de sã convivência. E é também à Tatiana que os clientes escrevem postais de agradecimento que forram uma das mesas da recepção e que abraçam quando voltam. Por este é um dos segredos dos hostels. Voltar. E só volta quem ficou satisfeito. Só volta quem, por exemplo, gostou dos excelentes balneários do Goodnight Backpackers ou se deliciou com a vista para o Castelo de São Jorge das janelas de sótão que ficam por cima das camas da penthouse. Só volta quem gostou da total disponibilidade e simpatia dos anfitriões, quem viu mais por sugestão dos donos ou empregados destas casas de viajantes do que Belém ou os Jerónimos, quem viveu a cidade como se fosse um local. Quem descobriu recantos e se encantou com Lisboa. Os hostels também são, afinal, o que de melhor temos.
Porque quem os idealizou viu neles, mais do que uma maneira de ganhar dinheiro, uma forma de receber bem quem nos visita.
ENDEREÇOS:
Shiado Hostel
R. Anchieta 5, 3.º, T. 21 342 9227 >> 1 quarto casal >> 3 duplos >> 5 dormitórios para 4, 6 e 8 Dormitórios €15 a €23; duplos €44 e €60
Goodnight Backpackers
R. dos Correeiros, 113, T. 21 343 0139 >> 4 quartos duplos >> 7 dormitórios para 4 e 8 >> 1 penthouse com 9 camas Dormitórios €16 a €20; duplos €50
Lisbon Lounge Hostel
R. de São Nicolau, 41, T. 21 346 2061 >> 2 quartos casal, >> 7 dormitórios para 4, 6 e 8 pessoas Dormitórios €18 a €22; duplos €50 e €60
The Travellers House
R. Augusta 89, 1.º, T. 21 011 5922 >> 3 quartos duplos >> dormitórios para 4 e 6 Dormitórios €16 a €24; duplos €50 e €60