Tocofobia. Este termo pode não dizer-lhe nada, mas é mais comum do que se pensa entre as mulheres. De acordo com um novo estudo, realizado por investigadores da Universidade de Dartmouth College, em Hanover, nos EUA, e publicado na revista Evolution, Medicine, and Public Health, 62% das mulheres americanas – o que equivale a cerca de 40 milhões – têm esta fobia, que diz respeito ao medo extremo da gravidez e do parto, ou de apenas um deles (a própria palavra, tocofobia, tem origem nos termos gregos tokos (parto, descendência) e phobos (medo).
A equipa realizou inquéritos a 1800 mulheres americanas, sendo que metade das inquiridas, que tinham idade média de 31 anos, nunca tinha dado à luz e mais de um terço já tinha tido gravidezes de alto risco. Apesar dos resultados, a equipa explica que estes podem ter sido afetados pelo facto de os questionários terem sido realizados durante os primeiros dias da pandemia de Covid-19, o que pode ter intensificado o medo.
Ainda assim, o estudo ajuda a criar algumas reflexões relevantes acerca deste medo. “Um dos maiores problemas da tocofobia é o estigma. Todos esperam que uma mulher esteja muito feliz quando está grávida, planeie um parto fantástico. Espera-se um período maravilhoso da vida dela, mas há quem não sinta nada disto”, diz à VISÃO Irina Ramilo, médica ginecologista e obstetra no Hospital Lusíadas, em Lisboa, e membro da Direção da Sociedade Portuguesa da Ginecologia
“Na consulta de obstetrícia, o tema do parto é muito debatido, e é habitual haver dúvidas, medos, expetativas e dificuldade em gerir emoções, o que é bem diferente do medo extremo da gravidez ou do parto”, explica a especialista, acrescentando que este medo pode levar, “em situações extremas”, a que a “mulher tente evitar o momento” do parto, ou mesmo engravidar.
Patricia Bogard sofre de tocofobia – tem pânico tanto da gravidez como do parto – e, aos 33 anos, vive um grande dilema acerca da decisão de ter ou não filhos. “Estou na idade em que se tornou crítico para mim decidir se quero ter filhos e sempre tive medo de engravidar”, refere a americana de Chicago, numa entrevista ao Daily Mail, acrescentando que em relações anteriores abordou a possibilidade de se optar por uma gestação de substituição e já pensou, inclusive, em adotar.
“Há um medo real de entrar em trabalho de parto e ter complicações. Coisas como estas dificultaram muito a minha vontade de ter filhos”, diz ainda.
Os especialistas explicam que este medo extremo pode ter grande impacto na vida das mulheres, criando, por exemplo, grandes crises de ansiedade. No caso de haver uma gravidez, esta fobia pode fazer com a mulher não se sinta emocionalmente ligada ao bebé.
Além disso, a tocofobia tem grande impacto nas relações amorosas. “Já estive com pessoas que foram muito recetivas ao assunto, mas também já estive com outras que basicamente disseram que isto era um obstáculo para elas”, conta Bogard.
A Tocofobia é uma realidade para algumas mulheres, descrita em alguns estudos com uma prevalência de 14%, e pode afetar tanto mulheres que nunca estiveram grávidas como aquelas que já passaram por um parto traumático anteriormente.
Diferentes tipos de tocofobia: é possível superar este medo?
A tocofobia pode ter diferentes origens, mas está mais vulgarmente ligada a momentos traumáticos do passado, durante a gravidez ou mesmo no parto, explicam os especialistas. Passar por perdas gestacionais, por exemplo, pode fazer com que esta fobia se desenvolva.
Outras causas incluem, afirma Ramilo, história de abuso ou violação, que pode levar a sentimentos de vergonha associados à gravidez, e a existência de pressão social para se ter um parto vaginal sem complicações, “mesmo quando há indicação para uma cesariana”.
“Existem alguns fatores predisponentes como a ansiedade, sintomas depressivos e falta de suporte social”, diz ainda a médica. “Neste processo, a grávida perceciona a gravidez como uma fase de ameaça e, na sua interpretação, o parto é o ponto alto da ameaça e o pós-parto a fase de recuperação”, acrescenta.
Preocupações com mudanças no estilo de vida e a perda de controlo sobre a rotina também podem desencadear tocofobia, esclarece a especialista. Mas este medo extremo também pode surgir em mulheres que nunca estiveram grávidas – alguém que tenha testemunhado ou tenha ouvido falar de uma experiência traumática de parto de outra pessoa, mesmo partilhada nos media – ou pode ser desencadeada por outros medos, tal como a fobia à dor, conhecida por agliofobia.
Em 2007, numa entrevista durante um programa televisivo australiano, a atriz britânica Dame Helen Mirren, agora com 78, contou que começou a sofrer de tocofobia depois de ter visto, aos 13 anos, um vídeo demasiado gráfico de um parto que a traumatizou “até hoje”. “Não tive filhos e não consigo olhar para nada que tenha a ver com o parto”, referiu, na altura.
“Por vezes, esse medo ou receio extremo da gravidez só se manifesta quando a pessoa é recém-casada e a questão da maternidade surge”, explica Aimee Danielson, psicóloga clínica e diretora de um programa de saúde mental focado nas mulheres do MedStar Georgetown University Hospital, em Washington D.C., nos EUA.
Segundo os especialistas, a melhor forma de lidar com esta fobia é reeducar a mente e agir para ir eliminando o medo aos poucos. “Frequentar aulas de parto e melhorar a compreensão do processo de gravidez e parto pode ajudar a diminuir as componentes desconhecidas que estão frequentemente associadas ao processo de gravidez e parto”, aconselha Javine McLaughlin, médica especialista em Ginecologia-Obstetrícia.
Irina Ramilo reforça ainda o papel importante dos profissionais de saúde na gestão deste medo, com o reconhecimento e uma abordagem compreensiva da fobia durante a gravidez. Para isso, é essencial privilegiar uma “comunicação aberta, leve, fácil e acessível”, “encorajar a mulher a expressar os seus medos e preocupações”, “validar a naturalidade em expressar o não gostar de estar grávida” e “fornecer informações precisas sobre o processo de parto e descrever o que esperar, de forma a ajudar a diminuir o medo do desconhecido”, por exemplo.
Pode ser importante, também, conversar com pessoas que tiveram experiências de parto positivas e é essencial, também, ter aconselhamento psicológico, já que os especialistas vão ajudar a encontrar as causas e origens deste medo e trabalhar em conjunto para eliminá-lo progressivamente. Evitar a fobia não é boa solução, já que vai criar mais ansiedade no futuro.
Ter uma boa rede de suporte social, contando com o apoio de familiares, amigos e grupos de apoio pode também ajudar a “proporcionar conforto e segurança” a estas mulheres, acrescenta Ramilo. ” “Deve também procurar informação, em livros, revistas e outras fontes confiáveis que possam oferecer insights e conselhos úteis”, diz, referindo que o tratamento também pode passar por hipnose ou meditação, dependendo de cada caso.
“Estas estratégias podem ajudar a mulher a sentir-se mais preparada e menos ansiosa em relação à gravidez e ao parto”, remata.