Um estudo realizado por investigadores portugueses, publicado em 2020 na revista científica BMC Psychiatry e que pretendia explorar os níveis de depressão, ansiedade e stress em crianças portuguesas (dos 7,5 aos 11,5 anos), concluiu que os meninos têm maior probabilidade de apresentar sinais depressivos e de stress relativamente às meninas.
A mesma investigação concluiu que há determinados fatores parentais, especialmente sintomas relacionados com depressão, ansiedade e stress da mãe, que têm impacto na saúde mental das crianças.
O mesmo pode estender-se ao pai e a outros cuidadores, refere Iara Videira, psicóloga clínica, em entrevista à VISÃO. “Como os pais são os principais cuidadores e exemplos para as crianças, a forma como eles interagem com os seus filhos vai, sem sombra de dúvida, influenciá-los. Por isso, quando as crianças têm pais ansiosos, vão certamente reter e aprender algo com esse padrão”, afirma a especialista, acrescentando que os mais novos “não sabem praticamente nada sobre o mundo, sobre como se devem comportar, interagir e pensar sobre os outros e sobre eles próprios, e é através do seu meio envolvente que vão aprendendo e tirando conclusões, que depois serão enraizadas na sua personalidade”.
A ansiedade é uma emoção normal e tem uma função protetora, explica a psicóloga, já que nos avisa de “que estamos perante um potencial perigo ou ameaça”. O problema surge quando esta ansiedade se torna “limitadora”, ou seja, “quando a pessoa começa a imaginar perigos muito catastróficos e que são irrealistas, deixando de fazer atividades com medo de que esses perigos aconteçam”.
“Como a ansiedade significativa denota a antecipação constante de um perigo, dá a ideia à criança de que o mundo é constantemente perigoso, que tem sempre de estar alerta e que não se pode expor ao risco, o que não desenvolve autonomia nem confiança na criança, para que esta se possa sentir capaz e segura para enfrentar desafios e medos que lhe surjam”, afirma Iara Videira.
Uma caraterística comum de pais que têm tendência a sentir ansiedade extrema é que desenvolvem “padrões de comportamento de evitamento do desconforto”, antecipando cenários catastróficos, o que “pode levar a uma superproteção dos seus filhos”, diz a especialista. “‘Cuidado que vais cair e ainda partes uma perna’, ‘Não te deixo sair, ainda és assaltado’, ou ‘É melhor não ficares sozinho, pois vais ter medo’, são afirmações que podem denotar muita preocupação e mostra à criança que ela não será capaz de lidar com essas situações”, reafirma.
Pais ansiosos também têm a tendência de querer controlar tudo o que acontece nas suas vidas para existir o mínimo risco possível, “o que poderá não dar espaço ao desenvolvimento necessário da autonomia e da confiança da criança, criando, contrariamente, medo e preocupação exacerbados”, afirma ainda a especialista.
Todas as idades contam
Estudos referem que cerca de 3% das crianças de 6 anos e cerca de 5% dos meninos adolescentes e 10% das meninas adolescentes têm algum tipo de perturbação de ansiedade e crianças com perturbação de ansiedade têm maior risco de depressão, comportamento suicida, dependência de drogas e álcool e dificuldades académicas, mais tarde na vida.
“Por vezes, cai-se no erro de achar que crianças em idades mais precoces não são influenciadas pelo exterior, que “não ouvem, não entendem””, diz a psicóloga. Contudo, os estudos indicam que todas as fases da vida de uma criança são importantes no seu desenvolvimento e todas elas são influenciadas pelo meio envolvente em que se insere, quer seja pela linguagem verbal ou não verbal.
Sabe-se que logo entre os primeiros dois anos de vida os bebés passam por uma fase importante chamada de “confiança vs. desconfiança”, em que aprendem a confiar nos seus cuidadores, quando as suas necessidades são atendidas. Nesta fase, explica Iara Videira, é importante que os pais, através da socialização com o bebé, transmitam uma sensação de segurança, mostrando que respondem às suas necessidades”. Pelo contrário, “se os seus cuidadores forem muito ansiosos, inseguros e não conseguirem transmitir segurança, esse padrão poderá prejudicá-los” no futuro, refere.
Já a partir dos dois anos começa o desenvolvimento da autonomia, em que a criança ganha independência, e, por isso, é essencial “haver espaço para se sentir segura nas ações básicas que começa a realizar”. “Existir demasiada preocupação por parte dos adultos poderá influenciá-la negativamente, podendo levar a que a criança não se sinta segura e confiante para realizar essas ações importantes a curto e longo prazo”, diz a especialista.
Pais estão mais conscientes do seu impacto
Até há poucos anos, a saúde mental dos mais novos era um assunto tabu, não apenas dentro de casa, mas também nas escolas. Essa tendência tem sido alterada, e ainda bem, dizem os especialistas. “Os pais de hoje em dia estão progressivamente mais conscientes do impacto que os seus comportamentos irão ter nos seus filhos”, afirma a psicóloga.
“Acompanho algumas pessoas em consulta, as quais uma das suas preocupações é “eu preciso de trabalhar em mim para não passar toda esta ansiedade ao meu filho”, o que me parece ser admirável. Temos cada vez mais consciência dos padrões que podemos passar aos nossos filhos, e que estes, se não forem modificados, vão passar de geração em geração”, diz Iara Videira.
“Se dentro de casa houver esta ideia de que “os pais são perfeitos, fazem sempre tudo bem, as pessoas são todas assim”, não estamos a preparar as crianças para os desafios que vão encontrar fora de casa, no contacto com outras pessoas”, acrescenta ainda a psicóloga.
Iara Videira ressalva, contudo, que “apesar de os pais ansiosos poderem transmitir muita dessa ansiedade aos seus filhos, nem todos os filhos de pais ansiosos irão tornar-se inevitavelmente pessoas ansiosas”, já que “há outros fatores que influenciam a criança, tal como o seu próprio temperamento e as suas experiências individuais, fora da relação com os pais, a forma como a criança interage e se sente na escola, a forma como interage com os pares, com os professores e com outras figuras cuidadoras, etc”.
Como é que os pais podem ajudar os filhos
Equilíbrio é a chave, defende Iara Videira. “Por um lado, é importante que os pais possam normalizar as emoções junto dos seus filhos e, por isso, verbalizar ideias como ‘o pai/a mãe hoje está mais ansioso/a com uma situação” ou ‘sabes que é normal sentirmos ansiedade quando isto ou aquilo acontece'”, afirma.
Por outro lado, explica, “deve haver a consciência de que as crianças são esponjas e absorvem toda a informação que lhes é transmitida”. “Por isso, se uma criança observar constantemente um pai que é inseguro, que não se expõe aos seus medos e ao desconforto, tem uma grande probabilidade de se vir a tornar assim também”, afirma Iara Videira.
É essencial, por isso, dizer coisas como “a ansiedade faz parte de nós, mas é importante aprendermos a geri-la e enfrentarmos os nossos medos, o pai/a mãe ajuda-te, se precisares”, explica a psicóloga, e também “os pais mostrarem aos seus filhos a importância de se exporem aos seus medos e às situações desconfortáveis do dia a dia, ajudando-os a encontrar soluções, pois só assim irão aprender a lidar com esse desconforto”.
O discurso também deve ser adaptado, “para não dar a ideia de que o mundo é muito perigoso e catastrófico”. “Em vez do “cuidado que vais cair, não vás por aí, ainda partes uma perna”, dizer antes “eu percebo que estejas a sentir medo, podes tentar, a mãe/o pai está aqui a ver-te, se precisares de ajuda”, remata a especialista.