“Desde muito nova que, na altura da menstruação, tinha muitas dores e hemorragias, mas toda a gente me dizia que era normal, incluído a minha mãe, por isso cresci a pensar que era tudo normal”, começa por contar à VISÃO Cristina Teixeira. Aos 24 anos, casou e começou de imediato a tentar engravidar. “Engravidei pela primeira vez aos 25, mas abortei. E mais uma vez me disseram que era normal abortar na primeira gravidez. Aliás, até hoje não me esqueço das palavras do médico: “Está a chorar porquê? Isto acontece todos os dias””, relembra.
Aos 27, Cristina passou por uma gravidez de risco e a filha acabou por nascer com 7 meses de gestação. “Engravidei pela terceira vez aos 29 anos, abortei novamente, e nunca foi detetada a doença, nem fiz exames para saber o motivo do que me tinha acontecido”, diz.
Em 2009, com 35 anos, depois de consultar um urologista devido à grande vontade de urinar e dores fortes que sentia, foi-lhe detetado um tumor na bexiga, tendo sido submetida a uma operação de urgência. Foi nessa cirurgia que os médicos lhe detetaram endometriose. “O médico disse-me que a parte dele estava concluída e que teria de consultar um ginecologista, já que tinha endometriose. A minha primeira pergunta foi “o que é isso?”. Desconhecia completamente o que era”, afirma, acrescentando que “mesmo depois de saber que tinha a doença”, a ginecologista dizia-lhe “para tomar a pílula seguida para não ter período”. Contudo, Cristina continuava com dores incapacitantes que, muitas vezes, a obrigavam a faltar ao trabalho.
Foi apenas em 2019, depois de consultar um médico especialista em endometriose, que realizou uma histerectomia parcial, cirurgia de remoção de parte do útero, porque os danos já eram grandes. “Andei 10 anos em médicos que desconheciam o tratamento correto. Foram 10 anos de sofrimento que podiam ter sido evitados se houvesse mais informação e divulgação da doença”, acredita.
A vida de Cristina foi totalmente impactada pela doença, conta. “Nas relações sexuais tinha dores horríveis, praticamente nunca conseguia ter prazer por causa da dor e, por isso, evitava ao máximo ter relações sexuais. Ao longo do tempo, isto acaba por afetar a vida do casal”, afirma. Além disso, sente vergonha por ficar muito inchada. “Tenho de vestir sempre roupa mais larga, por exemplo túnicas por cima das calças ou vestidos largos. Nunca posso vestir uma roupa mais justa”, conta.
A irmã, Cidália Magalhães, percebeu ainda mais tarde que tinha a doença, depois de um alerta de Cristina. “Sempre tive muitas dores menstruais, desde a primeira menstruação, não conseguia ir à escola nem sair de casa. Só estava bem deitada e com as pernas encolhidas. A minha mãe dizia sempre: “As dores do período são normais, isso passa. As mulheres têm muitas dores””, começa por contar Cidália, que começou a tomar a pílula desde nova e, por isso, as dores foram sendo amenizadas.
Engravidou com 21 e 26 anos e “correu tudo de forma normal”. Contudo, aos 40 tentou ter mais um filho e foi durante esse tempo que as “dores insuportáveis ressurgiram”. “Além disso, não conseguia engravidar e comecei a procurar ajuda em diferentes ginecologistas. Todos diziam que estava tudo normal e nunca valorizaram as minhas dores. Tinha dores ao urinar que pareciam facas a serem espetadas na bexiga. Evitava beber água para não urinar com tanta regularidade”, relembra.
Depois de uma conversa com a irmã, Cristina, Cidália percebeu que também podia sofrer da mesma condição. “Comecei a pesquisar e todos os sintomas se enquadravam. Marquei consulta com a minha médica de família, que me disse que esta era ainda uma doença muito pouco estudada”, diz.
“Fui acompanhada por uma médica que desvalorizou novamente os meus sintomas e só me dizia que se fosse operada poderia nunca mais conseguir defecar de forma independente, já que a endometriose já estava nos intestinos. Claro que, perante este cenário, evitava a cirurgia. Desisti da ideia de engravidar, porque entendi que poderia ter uma doença grave e que teria de procurar ajuda. Devido a ter os valores da tensão e colesterol sempre muito muito elevados, foi-me aconselhado a não retomar a pílula”, lembra Cidália, que acabou por encontrar o site da associação MulherEndo, que ajuda no acompanhamento das mulheres com endometriose e adenomiose por especialistas na área, informando também as doentes relativamente às alternativas e soluções que existem.
Cidália passou por várias cirurgias ao ovários, à bexiga e ao intestino, na esperança de que as consequências da doença não voltassem a surgir – na endometriose, o tecido endometrial passa para fora da cavidade uterina, podendo atingir vários órgãos – mas reapareceram nos mesmos órgãos. “A pílula que tomava apenas camuflava as minhas dores, porque a doença continuava lá. Não podia ser a solução”, diz.
Em 2018, soube através do médico especialista que a acompanhava na altura da existência de um estudo a nível mundial que implicava experimentar medicação que ainda não estava no mercado. “Após várias tentativas de cirurgias, medicação e indução da menopausa, porque supostamente com a menopausa deixa de surgir a doença, resolvi aceitar”. Cidália foi acompanhada regularmente através de exames e análises e a nova medicação ajudou-a em larga escala, evitando as dores constantes.
“Ter entrado no estudo e ter acesso a esta medicação melhorou a minha vida, sem dúvida. Raramente tenho dores, consigo trabalhar e fazer atividades de lazer sem estar com receio de ter alguma crise. Contudo, se me esquecer de tomar a medicação durante um ou dois dias sinto dores de imediato”, afirma.
Além disso, Cidália lamenta a falta de apoio do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para as doentes com endometriose e adenomiose. “Os apoios do SNS são quase nulos, já que esta doença não é muito estudada, e as mulheres, quando têm crises, não têm apoio do Estado. Têm de ir trabalhar com dores ou então estar de baixa 3 ou 4 dias até as dores passarem; enquanto isso acontece, o seu ordenado é diminuído”, diz, acrescentando que esta devia ser considerada uma condição crónica, com a baixa a ser paga a 100%. “As mulheres têm a menstruação todos os meses e nenhuma empresa iria aceitar ter uma funcionária que todos os meses faltasse. É preciso investir, apoiar e ajudar”, diz ainda.
Cidália alerta ainda para o facto de, por ser uma doença que inicia, muitas vezes, em idade fértil – das mulheres que apresentam infertilidade, prevê-se que entre 25% e 50% também tenham endometriose – muitas mulheres perdem a oportunidade de serem mães, já que existe um diagnóstico tardio na doença, afirma. “Também devia existir apoio psicológico, porque não é fácil, numa relação, lidar com a frustração de não podermos ser mães, estarmos constantemente com dores e não sairmos de casa porque nem levantar-nos da cama conseguimos”.
“Cheguei a ouvir de médicos: “a sua sorte foi ter sido mãe muito nova, caso contrário, nunca teria filhos”, e isto não se diz, fere uma mulher. Ao fim de 45 anos, descobri que nunca foi normal ter tido dores como tinha em adolescente. Descobri que ter dor é sempre sinal de que algo não está bem. Espero que invistam na procura de soluções para esta doença”, acrescenta. E remata: “Enquanto os médicos continuarem a dizer que as dores menstruais são normais, nada será feito”.