Estar nu em frente a uma plateia. Ser vítima de perseguição fortuita. Queda livre sem fim à vista. Chumbar num exame escolar. Morte de um ente querido. Quem nunca experienciou de forma vívida um destes sonhos que atire a primeira pedra. São bastante frequentes, aliás, um estudo publicado na revista norte-americana Psychology Today revelou serem estes os temas mais comuns dos sonhos.
Se lidar com estes episódios uma vez é assustador, pior ainda quando temos de os viver repetidamente. E não é raro. A verdade é que 60 a 75% das pessoas tem sonhos repetidos. O grande dilema é saber o que fazer com estes pequenos episódios- devemos atribuir significado aos sonhos, ainda mais quando se repetem constantemente, ou encará-los como partidas do nosso subconsciente?
Uma revisão literária partilhada recentemente pela Psychology Today confirma a primeira hipótese – de acordo com a publicação, ter frequentemente os mesmos sonhos pode apontar para a existência de fatores de stress ou conflitos não resolvidos. Marta Leite, psicóloga clínica, confirma-o à VISÃO. “Os sonhos repetidos funcionam como alerta”, conta. “Merecem uma especial atenção porque indicam, quase sempre, que existe algo que necessita de ser visto. Sejam medos ou traumas, despoletados por situações passadas, ou até mesmo de algo que a pessoa tenha receio que possa vir a acontecer”.
Ainda que os sonhos repetidos possam transmitir mensagens importantes acerca do estado de espírito do sonhador, Marta Leite refere que não devem ser interpretados de forma literal e, muito menos, se deve generalizar o seu significado. “Imagine uma pessoa que sonha recorrentemente com um acidente. No passado, pode ter tido um acidente traumático que ainda não conseguiu superar ou pode ser algo menos linear como ter medo de se magoar numa relação. Não é igual para todos e é preciso perceber o que estará a desencadear o sonho para se conseguir resolver o problema”, informa a profissional que garante que a tendência para se sonhar repetidamente aumentou após a pandemia. “Tem sido bastante frequente. As pessoas andam extremamente stressadas e ansiosas e o sono tem vindo a ser amplamente prejudicado”.
A teoria de que o nosso estado de espírito influencia as imagens que criamos na hora de dormir não é totalmente nova. No final da década de 90, Ernest Hartmann, célebre psicanalista austríaco, construiu a ideia de que todos os sonhos têm uma “imagem central”, isto é, uma imagem que contextualiza a emoção de quem sonha. O seu exemplo clássico é o sonho de um tsunami- a ideia de que uma onda gigante se aproxima e engole o sonhador-, relatado diversas vezes por quem passa por experiências traumáticas. Como sugere Hartmann na obra Sonhos e Pesadelos: a nova teoria sobre a origem e o significado dos sonhos, publicada em 1998, o tsunami pode representar a impotência, o pânico e a confusão de quem sonha.
Já em 2003, um estudo realizado ao sono de 1348 universitários canadienses demonstrou que os sonhos dos estudantes tinham uma mensagem empírica, assente nas emoções dos próprios. A sensação de se sentir exposto e constrangido foi partilhada por quem sonhou estar nu perante uma multidão, vestir-se inadequadamente ou urinar na roupa. Por outro lado, os resultados sugerem que sonhar com resultados negativos em exames escolares ou atrasos para compromissos importantes reforça o sentimento de reprovação que muitos estudantes afirmaram sentir.
A grande pergunta é: como é que isto acontece? Desde meados do século XIX que a comunidade científica tem dedicado especial atenção ao estudo dos sonhos e mistérios do nosso cérebro, contudo, ainda não conseguiu responder a esta questão. “Sabemos que situações que podem gerar mais stress e ansiedade podem vir a ser refletidas nos sonhos. Quanto ao mecanismo de funcionamento do nosso cérebro que leva a que tudo se processe dessa forma, ainda nada sabemos”, diz Mafalda Van Zeller, coordenadora da Comissão de Trabalho de Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Aos que têm sonhos repetidos, Marta Leite sugere que contactem um profissional na área da psicologia ou psiquiatria para se “encontrar a fonte do problema”. Mafalda Van Zeller acrescenta que adotar uma “boa higiene do sono” – técnicas de relaxamento antes de deitar, praticadas no yoga ou em pilates, e evitar aparelhos eletrónicos- pode ajudar a melhorar a qualidade do sono e, consequentemente, a evitar que sonhos indesejáveis se repitam.