Um dia exigente no escritório pode ser cansativo? Muitas pessoas diriam que sim e, de acordo com um novo estudo publicado esta semana, o cérebro pode ser o culpado. Tal como uma corrida ou um jogo de futebol podem ser cansativos a nível físico, também pensar demais pode ter o mesmo efeito no corpo, um fenómeno nomeado fatiga cognitiva.
O estudo publicado na Current Biology, sugere que tarefas mentais mais exigentes podem ser responsáveis por produzir e acumular um tipo de moléculas que, embora essenciais para o bom funcionamento do cérebro, podem, em excesso, ser tóxicas. Este fenómeno poderá ser responsável por provocar a sensação de cansaço sentida durante atividades cognitivas mais exigentes. É numa tentativa de impedir a acumulação destas moléculas que o cérebro ativa esta sensação de exaustão, como um aviso corporal de que é necessária uma pausa. Apesar de intrigante, a hipótese proposta não é, no entanto, definitiva e deve ainda ser comprovada por outros neurocientistas.
A experiência dividiu em dois grupos os cinquenta participantes recrutados, sendo que a cada grupo era atribuída uma tarefa diferente que deveria ser realizada num intervalo de tempo de cinco a seis horas, aproximadamente um dia médio de trabalho em França. Os dois grupos tinham, no entanto, uma diferença essencial nas suas tarefas: enquanto um realizava exercícios cognitivos complexos que exigiam lembrar combinações extensas de números e letras maiúsculas e minúsculas em diferentes cores, o outro realizou tarefas substancialmente mais fáceis. Durante o decorrer da experiência os investigadores foram analisando o exterior e interior do cérebro dos participantes e registando as diferenças sentidas.
As alterações cerebrais foram registadas através de duas técnicas distintas: rastreamento ocular, que permite registar a maior ou menor dilatação da pupila, um método que se baseia em pesquisas anteriores que defendem que a pupila dilata na realização de um cálculo ou nos momentos finais da tomada de uma decisão; espectroscopia de ressonância magnética que permite medir a atividade no córtex pré-frontal, assim como os resíduos que pode deixar. Além destas técnicas, os investigadores preocuparam-se ainda em desenvolver testes de desempenho e questionários sobre o nível subjetivo de exaustão de cada participante.
Os resultados mostraram diferenças claras entre os dois grupos. O grupo cujo esforço mental foi mais exigente deu maiores evidências de fatiga cognitiva, apresentando, por exemplo, uma dilatação mais evidente das pupilas dos seus participantes. Os investigadores também se aperceberam que, à medida que as horas de trabalho iam avançando, os participantes com tarefas mais complexas tinham tendência a pedir recompensas mais imediatas comparativamente ao grupo alternativo. A descoberta mais intrigante decorria, no entanto, no cérebro e estava relacionada com os níveis de glutamato que aí se acumulavam. O glutamato trata-se de um dos mais abundantes neurotransmissores do cérebro, responsável pelo controlo cognitivo e extremamente importante para o seu bom funcionamento. O que os investigadores descobriram durante a experiência foi que os membros do grupo com a tarefa mais complexa apresentaram níveis mais elevados desta molécula.
O excesso desta substância no cérebro pode ser responsável pela fadiga cognitiva descrita pelos investigadores, dificultando ainda outras atividades do córtex pré-frontal, como o planeamento e tomada de decisões. “O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório (ativação de sinapses) no cérebro, envolvido em muitas regiões e no seu funcionamento regular. O que observamos é um aumento de tarefas exigentes: o trabalho contínuo em tarefas que exigem um alto nível de controlo cognitivo leva a um aumento da difusão (movimento espontâneo de moléculas)”, explica, por e-mail, Antonius Wiehler, investigador do Paris Brain Institute, no Hospital Universitário Pitié-Salpêtrière, e coautor deste estudo, ao El País. As moléculas de glutamato são libertadas no curto espaço entre o final de um neurónio e o começo de outro, a fenda sináptica, onde ocorre a troca de informações, sendo essenciais ao processo. “A atividade cerebral nesta região é regulada negativamente para evitar uma maior acumulação de glutamato”, explica Wiehler. É esta tentativa de reduzir o excesso de glutamato que produz, de acordo com os investigadores, a referida sensação de fadiga ou cansaço.
O excesso de glutamato combinado com a dilatação registada das pupilas e outros dados são, segundo o estudo, prova suficiente de que atividades mentais mais exigentes podem cansar os indivíduos e dificultar a realização de outras atividades já que perdem controlo cognitivo após uma sessão exigente de trabalho mental. A proposta oferecida por este grupo de pesquisa é, no entanto, bastante diferente de outras ideias sugeridas no passado. Algumas investigações defendem que a fadiga cognitiva surge exatamente como o cansaço físico, ou seja, quando os indivíduos atingem o seu nível máximo de gasto energético ou os recursos que permitem que haja energia para atividade se esgotam, surge a sensação de exaustão. A mais recente pesquisa sustenta que essa sensação não está ligada a um esgotar de recursos, mas antes à acumulação de glutamato. Em adição, o novo estudo permite que se eliminem questões que pesavam sobre outras pesquisas, nomeadamente o porquê de algumas atividades cansarem mais do que outras.
Há ainda quem defenda que a fadiga cognitiva é uma sensação ilusória gerada pelo cérebro como uma espécie de sistema de alerta. “Algumas teorias influentes propuseram que a fadiga é uma espécie de ilusão inventada pelo cérebro para que paremos o que estamos a fazer e gastemos as nossas energias numa atividade mais gratificante”, explica ao El País, Mathias Pessiglione, colega de Wiehler no hospital universitário parisiense e coautor do estudo. No entanto, acrescenta em nota, as “nossas descobertas mostram que o trabalho cognitivo resulta numa verdadeira alteração funcional, a acumulação de substâncias nocivas, de modo que a fadiga seria um sinal para nos fazer parar de trabalhar, mas com um propósito diferente”.
O glutamato também já foi identificado como um dos responsáveis pelos danos cerebrais após um acidente vascular cerebral, sendo associado, inclusive a uma fadiga cognitiva que surge, por vezes, como sintoma. “Só de pensar que tens de descer para comprar pão, não é que estejas sem fôlego para fazê-lo, mas apenas considerando o ato motor, já estás cansado. Isso tem muito a ver com aquelas áreas do cérebro onde as ações são planeadas e também com a necessidade de toda a transmissão glutamatérgica funcionar bem para que sejam ativadas”, explica Tomás Segura, chefe do serviço de neurologia do Hospital Universitário de Albacete, também em resposta ao El País. “O glutamato, que é um dos vilões indicado na geração de dano cerebral no acidente vascular cerebral, também está implicado, neste caso pela sua falta, em certas doenças neurodegenerativas e também na explicação da chamada fadiga neurológica”, acrescenta.
Poder associar a fadiga mental a alterações concretas no cérebro poderá ser uma forma de evitar algumas situações de fadiga mental, nomeadamente no local de trabalho, no entanto, até o estudo ser revisto por vários outros neurocientistas, a investigação mantém-se apenas uma hipótese.