Se me perguntassem qual é o maior desafio nesta área, eu diria que é o desconhecimento por parte das pessoas sobre a variabilidade da gaguez na pessoa que gagueja.
Mas vamos por partes. Estima-se que, em Portugal, a perturbação da fluência (vulgo gaguez) afeta cerca de 0,7% a 1% da população adulta e, segundo a Organização Mundial da Saúde, é definida como uma alteração no ritmo da fala, na qual o indivíduo sabe exatamente o que deseja dizer, mas é incapaz de o fazer.
Esta perturbação pode surgir em qualquer idade, dependendo da sua etiologia. Contudo, estudos recentes indicam-nos que em 5% a 8% da população infantil, entre os 2 e os 5/11 anos, é comum existir um período de disfluência transitória. Ou seja, a criança apresenta algumas alterações na fluência da fala, similares às do adulto, mas estas não devem permanecer mais de seis meses. Nesse período “máximo”, as disfluências tipo gaguez deverão desaparecer em dois terços na percentagem acima indicada. No caso em que os sintomas não desapareçam, estamos perante um maior risco de uma gaguez crónica e esta deve ser avaliada e intervencionada por um terapeuta da fala o quanto antes.
Por vezes, os pais indicam-nos que os sintomas tipo gaguez começaram com “um susto” ou “que parece que o pensamento é mais rápido do que a fala”, mas estas relações são um mito e não há qualquer evidência científica que justifique estas causas, pelo contrário há prova que não são a causa. Sabemos, sim, que a etiologia pode ser hereditária, isto é, genética, neurológica ou que pode ser perpetuada por fatores ambientais desfavoráveis. Esta última relacionada com a pressão exercida pela família, após o surgimento das “disfluências tipo gaguez”, para que a criança fale corretamente. Desencadeando, assim, emoções negativas. Este é também um ponto para o qual devemos estar alerta, pois o desencadear de insegurança a falar em público, preferir enviar uma mensagem escrita a ligar a uma pessoa, baixa autoestima, frustração, ansiedade e estado depressivo são possíveis consequências graves da perturbação da fluência e que necessitam do apoio da psicologia.
Mas que alterações no discurso são estas? Ao comunicar com o outro, o discurso da pessoa pode apresentar prolongamentos, bloqueios, palavras partidas e/ou repetições, que tanto podem ser de sons ou de sílabas de uma palavra. Pode estar, ainda, associado a movimentos involuntários da face e do corpo, como o piscar de olhos, levantar dos ombros, balançar do corpo e/ou tremor à volta dos lábios, mas que nunca são identificados como tiques, pois só surgem quando a pessoa fala.
Sabemos ainda que uma pessoa que gagueja ao comunicar durante uma hora pode “gaguejar”, mas esta não é constante, ou seja, há frases que são produzidas de modo fluente e outras com muitos bloqueios e muitas repetições. Há alturas do dia em que está muito fluente e quase não se observam disfluências, e noutras parece que não há palavra que saia sem dificuldade. É esta variabilidade que caracteriza esta perturbação da comunicação e que é desconhecida para a sociedade civil em geral.
Muitas vezes, ouvimos dizer que a pessoa que gagueja “está a fingir”, ou “se está a gaguejar agora porque não para, uma vez que não gaguejou há duas horas?” ou até mesmo “ele consegue parar de gaguejar se quiser”. A pessoa não consegue controlar e saber o início dos sintomas, mas pode aplicar técnicas e estratégias que aprendeu com o terapeuta da fala para minimizar os mesmos, mas imagine o esforço que poderá ser fazer isso sempre! Infelizmente, esta perturbação não tem cura.
No dia a dia, todos podemos contribuir com uma atitude positiva, não devemos dizer à pessoa para “falar mais devagar”, “para respirar fundo” ou para “ter calma”. Estes “conselhos”, ainda que bem-intencionados, não resultam. Para finalizar, algumas atitudes de ouro: não termine as palavras nem fale pela pessoa; espere a sua vez para falar e ouça a pessoa, uma vez que para quem gagueja é mais fácil comunicar quando tem poucas interrupções e tem a atenção dos outros. Devemos sempre manter o contacto visual e mostrar que estamos atentos ao conteúdo da mensagem e não à forma como esta é produzida.
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