O estudo publicado no New England Journal of Medicine tem vindo a ser atualizado desde 2020, quando foi inicialmente publicado, e os avanços desde então não desiludiram. Os participantes (homens e mulheres) que se submeteram ao estudo apresentaram resultados significativamente melhores do que aquelas que seguiram o tratamento habitual. O cancro pode não desaparecer por completo, em alguns casos, mas a taxa de sobrevida é maior pelo que se acredita que o caminho para o cancro se tornar uma doença crónica com a qual podemos viver está já a ganhar forma.
O medicamente que tem sido estudado, trastuzumab deruxtecan (T-DXd), é resultado da combinação de um anticorpo monoclonal, o trastuzumabe, com o quimioterápico deruxtecano. O ensaio clínico, de nome Destiny Breast-03, tratou de testar a sua eficácia aplicando-o a pacientes com cancro de mama metastático HER2-positivo, um subtipo de cancro agressivo que afeta cerca de 20% dos pacientes.
Cada elemento do medicamento tem uma função diferente: o trastuzumabe é responsável por atacar as células malignas, onde se expressa a HER2, a proteína responsável pelo desenvolvimento acelerado do tumor; o deruxtecano atua depois localmente procurando atingir apenas as células cancerígenas sem causar muito dano às saudáveis.
O T-DXd tem sido avaliado em comparação com o trastuzumabe emtansina (T-DM1), o medicamento atualmente utilizado no tratamento de segunda linha – tratamento alternativo ao tratamento inicial (tratamento de primeira linha) quando este falha, deixa de fazer efeito ou causa efeitos colaterais não tolerados pela paciente. Os resultados mostraram que o medicamento experimental pode ser mais eficaz.
Metodologia
O estudo envolveu 524 pessoas de 15 países e apresentou resultados muito positivos. A percentagem de participantes que estavam vivos sem progressão da doença em 12 meses foi de 75,8%, em comparação com os 34,1% daqueles que receberam T-DM1. Por sua vez, a taxa de sobrevida global estimada em 12 meses foi de 94,1%, em comparação com 85,9% para T-DM1. O medicamento também apresentou resultados significativamente melhores em pacientes cuja condição levou ao desenvolvimento de metástases cerebrais, tumores no cérebro que tem origem numa outra parte do corpo, neste caso na mama.
“Em pacientes com e sem metástases cerebrais, o T-DXd teve maior eficácia do que o T-DM1. O T-DXd está associado a uma resposta intracraniana substancial e a uma redução na doença do sistema nervoso central”, explicou uma das autoras do estudo, Sara A. Hurvitz, diretora do Programa de Pesquisa Clínica para o cancro de mama, codiretora da Universidade de Santa Monica na Califórnia, segundo o The Asco Post.
Ao que tudo indica o medicamento T-DXd poderá assumir-se como uma opção viável para o “tratamento de segunda linha do cancro de mama HER2-positivo com metástase cerebral e para pacientes que tiveram progressão da doença nas terapias atualmente disponíveis”, conclui Hurvitz.
O ensaio clínico financiado pela Daiichi Sankyo e pela AstraZeneca está agora na terceira fase de experiências. Os participantes foram escolhidas aleatoriamente de acordo com um conjunto de critérios que incluía não só terem cancro da mama do tipo HER2-positivo, mas também apresentaram progressão da doença na terapia de primeira linha com T-DM1 e quimioterapia com taxano. Uma vez selecionados, os participantes foram designados para um de dois grupos: num deles os pacientes, cerca de 261, eram tratados com recurso ao medicamento T-DXd e no outro, com 263, com recurso a T-DM1.
Os resultados primários levaram Javier Cortés, diretor do Centro Internacional de Cancro de Mama em Barcelona, Espanha, a admitir, em resposta ao El País, que é possível que o universo da medicina se esteja a aproximar “da tão esperada possibilidade de a doença metastática se tornar crónica”, ou seja, chegar a “um ponto em que podemos fazer com que a maioria dos pacientes com cancro tenha uma vida normal, como quando temos uma doença crónica como pressão alta, que basta tomar algo para baixá-la”, explica.
Ainda assim, e embora os resultados sejam promissores, a pesquisa precisa de ser aprofundada antes que seja possível considerar o T-DXd um medicamento oficial de segunda linha, razão pela qual os pacientes continuarão a ser acompanhados por um longo período de tempo de modo a garantir que permanecem livres de cancro a longo prazo.
O futuro do medicamento T-DXd
A aprovação de qualquer medicamento, neste caso enquanto uma opção de segunda linha, depende da aprovação da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) que, até agora, só terá aprovado o T-DXd como medicamento de terceira linha, ou seja, a opção utilizada quando os medicamentos de segunda linha falham. Uma decisão tomada depois os resultados do estudo Destiny Breast-01, uma primeira fase da pesquisa.
Joan Albanell, chefe do Programa de Pesquisa do Cancro e do Hospital IMIM-Del Mar de Barcelona, que não participou do estudo, admitiu ao El País que, assim que o T-DXd estiver disponível, substituirá o T-DM1 como o novo padrão para esse tipo de tumor metastático, uma ideia reforçada por Córtes no Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica de 2021, “na minha opinião, com base nestes dados, o T-DXd deve substituir o T-DM1 como padrão de tratamento para pacientes que receberam anteriormente trastuzumabe e um taxano”.
Cortés e a equipa já identificaram resultados promissores também em tumores onde a expressão de HER2 não é tão alta e outros estudos têm explorado a eficácia desta droga em tumores localizados em diferentes órgãos como o pulmão ou estomâgo.
Este tipo de medicamentos híbridos tem ganho dimensão no universo da medicina. “Novos cavalos de Troia, com novos anticorpos, novos alvos e novas cargas (letais) estão a ser estudados” para que possam atacar diferentes tipos de cancro, explica Cortés. O futuro dos tratamentos de cancro tem em vista novas soluções e uma taxa de fatalidade mais baixa.
Segundo a Liga Portuguesa Contra o Cancro cerca de 7 mil novos casos de cancro da mama são detetados anualmente em Portugal e 1800 mulheres morrem com esta doença. Os principais tratamentos contra o cancro HER2 no País implicam o recurso a um anticorpo monoclonal específico para as células cancerígenas HER2+, como o é o T-DM1, ou a inibidores da tirosina cinase.