Numa altura em que se levantam as medidas de restrição, meditar e manter pensamentos otimistas pode ser uma das armas contra o stresse e o mal-estar mental. Emília Moreira explica.
Qual o impacto da meditação no bem-estar mental?
A meditação mindfulness é uma prática ou um conjunto de práticas de meditação que procuram aumentar a atenção da pessoa para a sua própria experiência mental (pensamentos, emoções, sentimentos, perceções) e também sensorial e física.
Mindfulness foi o termo inglês adotado no século XIX para traduzir a palavra “sati”, originária do páli. Este termo refere-se a uma forma de estabilidade mental que impede a atenção de ser capturada por distratores. Distratores são os nossos pensamentos, preocupações, etc., ou mesmo estímulos externos a nós. No entanto, na meditação/mindfulness, a pessoa não é encorajada a inibir os pensamentos distratores. Pelo contrário, é encorajada a acolhê-los e meditar sobre eles, explorando-os sob várias perspetivas. Esta exploração dos pensamentos e emoções faz aumentar a nossa atenção sobre a nossa experiência e complexifica-a (permite analisá-la sob várias perspetivas), promovendo o nosso controlo sobre os mesmos e sobre as emoções.
A prática é reconhecida como eficaz?
A inclusão e validação da meditação na intervenção psicoterapêutica, tal como a conhecemos hoje, remonta à década de 1970, com o desenvolvimento do programa de intervenção de redução do stresse baseado em mindfulness (Mindfulness-based stress reduction – MBSR) desenvolvido por John Kabat-Zinn na Universidade de Massachusetts, implementado inicialmente na área da dor crónica. Desde então, foram desenvolvidos e validados vários modelos psicoterapêuticos que utilizam a meditação mindfulness.
O que ajuda a meditação a resolver ao nível psicológico?
Para compreendermos como atua a meditação mindfulness, será importante considerarmos que a nossa experiência mental, ou a nossa consciência da nossa experiência mental, não é estanque, mas sim dinâmica e parcial. Geralmente, temos consciência apenas de parte desta experiência.
Se pensarmos bem, coexistem em nós várias sensações, perceções, sentimentos, emoções, pensamentos, memórias. Habitualmente, temos mais consciência de uns pensamentos/emoções e menos de outros, ou estamos até muito focados numa dimensão desta experiência mental. É ainda frequente que, na nossa consciência, estes pensamentos, emoções, perceções estejam de tal forma ligados entre si e aos próprios significados que lhes atribuímos, que é difícil distinguir cada componente. Por vezes, esses “blocos da experiência mental pouco digerida” provocam-nos sofrimento.
Esta dinâmica da nossa vida mental, permite-nos ampliar alguns pensamentos e emoções, tomar perspetiva e distanciarmo-nos de outros, contermos alguns e até pensar sobre os nossos próprios pensamentos e emoções. Na meditação/mindfulness, a atenção à nossa vida mental permite ganhar maior consciência desta dinâmica. Este processo pode ajudar-nos a regular melhor as nossas emoções e a reduzir os níveis de stresse. Estudos na área da neurobiologia sugerem que a meditação/mindfulness aumenta a capacidade de a pessoa manter a atenção no processamento da experiência presente, reduzindo o impacto de pensamentos intrusivos focados nas experiências do passado e/ou antecipação do futuro, que espoletam muitas vezes sofrimento e angústia. Esta capacidade é muito importante como um mecanismo de autorregulação emocional que ajuda a reduzir sintomas depressivos e de ansiedade.
Pode ajudar em que tipo de problemas?
Existem vários ensaios clínicos e estudos de meta-análise que demonstram o impacto da meditação/mindfulness na promoção de bem-estar psicológico e na redução de sintomas psicopatológicos. Os modelos de intervenção psicoterapêutica baseados na meditação/mindfulness têm demonstrado eficácia especialmente na redução de sintomatologia depressiva e do stresse emocional relacionado com a dor crónica, mas também na redução da ansiedade.
Há áreas ainda em estudo com resultados pouco consistentes na área do consumo de substâncias, perturbações alimentares e défice de atenção.
Pode ser feita em todas as idades?
Geralmente, a meditação, nomeadamente a meditação aplicada a modelos de intervenção psicoterapêutica, exige que a pessoa consiga manter a atenção na sua experiência mental. Exige ainda outras capacidades ligadas ao pensamento abstrato. Além disso, a meditação exige sempre prática, ou seja, que a pessoa esteja disponível para persistir neste exercício de modo mais formal e orientado e de modo mais informal.
No entanto, tal como existem várias tradições de meditação, há também modelos mais centrados na atenção à experiência sensorial e aplicada a uma atenção envolvendo menor elaboração mental. A maioria dos estudos com meditação aplicada a modelos terapêuticos é realizada com adultos, mas existe também evidência de impacto positivo em crianças e adolescentes, apesar de não tão frequente e consistente. Alguns estudos ainda aplicados à dor crónica mostram um impacto positivo da meditação, mesmo com pessoas muito incapacitadas.
Meditar faz aumentar a atenção da pessoa à sua própria experiência mental e também sensorial e física
Há, no entanto, alguns relatos de eventos adversos da meditação em casos de pessoas com psicopatologia mais grave. Apesar de ser necessário conhecer melhor estes aspetos, será importante que, quando uma pessoa pretenda realizar uma intervenção psicoterapêutica com aplicação de meditação/mindfulness, seja acompanhada por um profissional de saúde mental (psiquiatra ou psicólogo) com experiência clínica e com experiência na aplicação destes modelos.