No final do primeiro ano de vida, cerca de 70% das crianças já tiveram uma infeção pelo vírus sincicial respiratório (VSR) e até aos dois anos quase todas já foram infetadas. “Em pediatria, o VSR tem uma importância enorme”, diz à VISÃO Inês Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria.
Este vírus, que atinge o sistema respiratório e não dá imunidade de longo prazo, é o grande agente responsável por internamentos devido a bronquiolites ou pneumonias em crianças abaixo dos dois anos, sendo que a doença pode ser mais grave abaixo dos seis meses e ainda mais grave em idades inferiores aos três meses. “Os grupos de risco, como os prematuros, os doentes cardíacos ou pessoas com doença respiratória crónica ou imunodeficiências também estão mais suscetíveis”, refere Inês Azevedo.
Estudos prévios, em que foram analisados os internamentos por bronquiolite aguda – não necessariamente pelo vírus sincicial respiratório -, deram conta de que, num ano habitual, as bronquiolites são responsáveis por 20% dos internamentos em crianças abaixo dos dois anos, a causa mais frequente de internamento nesta idade. “Deste valor, entre 50% e 60% serão causados pelo vírus sincicial respiratório”, explica a médica.
Em Portugal, estima-se que haja cerca de 5 mil internamentos por bronquiolite por ano, o que equivale a cerca de 2500 a 3 mil internamentos provocados pelo VSR, se forem seguidas as análises prévias. “A maioria dos internamentos que temos é de crianças saudáveis, sem qualquer problema”, refere a especialista, acrescentando que “os custos são enormes, porque os internamentos têm uma média de estadia em hospital de cinco a seis dias e alguma admissão em unidades de cuidados intensivos e necessidade de ventilação, sobretudo nos grupos de maior risco”.
A propagação do VSR é muito rápida e, a partir do momento em que a criança passa a conviver com outros, fica facilmente infetada. “Os maiores transmissores são os irmãos em idade pré-escolar, que levam o vírus para casa”, esclarece a especialista. Normalmente, o adulto e a criança mais velha têm sintomas de constipação normal, mas este vírus também é desencadeador de crises de asma e um grande causador de agravamento da doença em quem tem suscetibilidade.
O VSR tende a descer para os brônquios, sobretudo na criança mais pequena, e nesses casos os sintomas são semelhantes a uma crise de asma. À medida que a infeção vai descendo, pode dar sinais de dificuldade respiratória e, nos bebés mais pequenos, pode verificar-se esforço respiratório abdominal e dificuldade na amamentação, por exemplo. Ao contrário do que acontece com a gripe, este vírus não provoca febre e, quando acontece, nunca é muito alta.
A médica alerta também para o facto de haver maior propensão em filhos de mães fumadoras ou que estão expostas ao fumo de tabaco no seu ambiente em desenvolver não só mais vezes a doença como também de forma mais grave.” Daí ser importante evitar a exposição ao fumo de tabaco durante a exposição e após o nascimento”, diz Inês Azevedo.
“Os próprios pneumologistas não têm noção clara da importância que este vírus tem”
Num ano normal, a época epidémica do VSR ocorre entre novembro e abril, atingindo um pico na última semana do ano e perdendo força em março. “Durante estes períodos, a saúde respiratória da criança fica muito afetada e existe uma grande sobrecarga dos serviços de saúde”, afirma Inês Azevedo.
“Mesmo no meio médico, os próprios pneumologistas não têm noção clara da importância que este vírus tem, que pode ser causador de maior mortalidade do que o próprio vírus da gripe, nas faixas etárias mais elevadas”, acrescenta a médica. Relativamente à mortalidade infantil por VSR em Portugal, os valores são muito baixos. Já nos países em vias de desenvolvimento, o vírus é um dos principais agentes causadores de mortalidade infantil.
Devido às medidas de confinamento, à adoção de regras de etiqueta respiratória, mas também porque as escolas e infantários estiveram encerrados, o número de registos de infeções por este vírus em 2020 foi praticamente residual.
Conforme as medidas de contenção da pandemia vão sendo aliviadas, a propagação do VSR também vai aumentando e torna-se difícil evitar a contaminação. “Se sentirmos que estamos constipados, devemos usar máscara, mas a higienização das mãos também é essencial, sobretudo antes de se pegar num bebé”, esclarece Inês Azevedo, acrescentando que para as crianças em idade pré-escolar é difícil que estas recomendações sejam seguidas. “É importante educar os mais novos para que adotem as regras de etiqueta respiratória”, remata a especialista.