Um antidepressivo oral barato, fluvoxamina, pode ajudar a combater a Covid-19, reduzindo o risco de hospitalizações em doentes de alto risco. Esta é a conclusão de um grande ensaio clínico realizado por uma equipa internacional de investigadores, que publicou os seus resultados na última quarta-feira, e que analisou o potencial deste fármaco a combater a infeção pelo coronavírus.
Para os cientistas envolvidos, estes resultados são um passo importante para se perceber o papel importante deste medicamento nos doentes em ambulatório com Covid-19, diagnosticada precocemente e com sintomas. Além disso, é de “grande importância”, afirma Edward Mills, co-autor do estudo e investigador da Universidade McMaster, em em Hamilton, Canadá, identificar terapias baratas, amplamente disponíveis e eficazes contra a doença.
A fluvoxamina é, há cerca de 30 anos, utilizada no tratamento de problemas de saúde mental como depressões e transtornos obsessivo-compulsivos e de ansiedade, mas o que chamou a atenção dos investigadores foi a sua capacidade anti-inflamatória.
A partir daí, quiseram começar a testar a sua eficácia em combater o coronavírus, reduzindo a resposta do corpo a este vírus. Depois da análise dos resultados, os autores da investigação deram conta de que “a fluvoxamina pode reduzir a produção de moléculas inflamatórias, chamadas citocinas, que podem ser desencadeadas pela infeção por SARS-CoV-2”.
Este estudo envolveu quase 1500 participantes, adultos brasileiros sintomáticos, com teste positivo à Covid-19, que não tinham sido vacinados e tinham um ou mais critérios adicionais de alto risco. 741 dos voluntários receberam, duas vezes por dia durante 10 dias, 100 mg de fluvoxamina e 756 um placebo. Depois de 28 dias de acompanhamento de ambos os grupos, a equipa percebeu que 79 dos voluntários que tinham tomado o medicamento – 10,6% – ficaram mais de seis horas num serviço de urgência ou hospitalização, em relação a 119 dos 756 voluntários (15,7%) que tomaram um placebo.
Para a equipa, os resultados do ensaio clínico, Together, que decorre no Brasil desde junho de 2020 e investiga a eficácia de oito tratamentos reaproveitados no combate à Covid-19, mostraram uma redução absoluta no risco de internamento prolongado ou cuidados de urgência prolongados de 5% e uma redução de risco relativo de 32 por cento.
“O uso de fluvoxamina para tratar em ambulatório doentes de alto risco diagnosticados precocemente com Covid-19 reduziu a necessidade de observação prolongada em urgência ou hospitalização, em comparação com o grupo de controlo que recebeu um placebo”, referem os autores do estudo, publicado na revista científica The Lancet Global Health.
De acordo com Mills, “reaproveitar medicamentos existentes que estão amplamente disponíveis e têm perfis de segurança bem compreendidos é de particular interesse”. “Dada a segurança da fluvoxamina, a tolerabilidade, a facilidade de utilização, o baixo custo e a disponibilidade generalizada, estes resultados podem ter uma influência importante nas orientações nacionais e internacionais sobre a gestão clínica da covid-19”, acredita Gilmar Reis, investigador brasileiro envolvido na investigação.
A fluvoxamina não faz parte da Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde e essa pode ser a grande limitação do estudo, mas os autores também sabem que será essencial perceber se misturar a fluvoxamina com outros fármacos pode garantir um efeito maior no tratamento da Covid-19.
O estudo da fluvoxamina começou em janeiro de 2021, seis meses depois de começar o ensaio clínico.