“Não há nada de errado em assumir o compromisso de vacinar os jovens entre os 12 e os 15 anos. Temos autonomia de decisão e vamos avançar”, justifica-se o diretor regional de saúde da Madeira, Herberto Jesus, antes de acrescentar: “Acredito que a Direção-Geral da Saúde vai seguir o mesmo caminho rapidamente”.
O também coordenador do grupo de trabalho da vacinação contra a covid-19 da Madeira está confiante que será possível começar a imunizar os maiores de 12 anos no arquipélago no final de agosto ou início de setembro. Só a eventual falta de vacinas poderá pôr em causa o calendário.
O primeiro-ministro, António Costa, veio igualmente garantir que, no Continente, está tudo a postos para começar a inocular esta faixa etária a 14 de agosto, prevendo concluir a imunização dos 570 mil jovens entre os 12 e os 17 anos até 19 de setembro (o início das aulas será no intervalo entre os dias 14 e 17).
O primeiro-ministro, António Costa, já veio garantir que está tudo a postos para começar a vacinar a faixa etária entre os 12 e os 15 anos a 14 de agosto
No entanto, o chefe de Governo fez questão de sublinhar que aguarda “uma decisão final da Direção-Geral da Saúde sobre a vacinação desta população”. Já a ministra da Saúde, Marta Temido, avançou que os pareceres preliminares da Comissão Técnica de Vacinação Contra a Covid-19 (CTVC) apontam para que sejam imunizados apenas os adolescentes dos 12 aos 15 anos com outras doenças associadas, ficando a vacinação universal reservada aos maiores de 16 anos.
A Comissão Técnica de Vacinação solicitou mais duas semanas à Direção-Geral da Saúde (DGS) para recolher informação adicional sobre a imunização dos mais novos e analisar os calendários da vacinação. Sendo assim, o parecer final da CTVC só deverá ser conhecido na primeira semana de agosto. A sua decisão não será vinculativa, mas servirá de base para a DGS emitir uma recomendação ao Governo.
Sabe-se que a CTVC recebeu um parecer de um grupo de especialistas da área da pediatria que é unânime a considerar que apenas aqueles que sofrem de risco acrescido de desenvolver doença grave, entre os 12 e os 15, devem ser vacinados contra a covid-19, avançou o jornal Público. Dos cerca de doze subscritores do documento fazem parte elementos do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, da Sociedade Portuguesa de Pediatria ou da Sociedade de Infeciologia Pediátrica.
“Sabendo que os casos estão a aumentar nos mais jovens, e que outros países europeus já deram o mesmo passo, decidimos avançar”, reforça Herberto Jesus. A aprovação da administração da vacina da Pfizer/BioNTech nas crianças entre os 12 e os 15 anos, por parte da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla inglesa), foi indispensável para a Madeira anunciar a vacinação dos mais novos ainda antes de uma decisão do Governo central, usufruindo do seu estatuto de autonomia. Entretanto, a EMA também autorizou a utilização do fármaco da Moderna nas mesmas idades.
O que estão a fazer outros países europeus
Na semana passada, o governo britânico aceitou a recomendação do Comité Conjunto de Vacinação e Imunização do país, que sugere a vacinação apenas da população entre os 12 e os 17 anos especialmente vulnerável ao SARS-CoV-2 (registou-se uma morte por cada milhão de crianças infetadas no Reino Unido). A Alemanha optou pela mesma estratégia, tal como a Suécia e a Finlândia.
Em Espanha, também serão vacinados primeiro os menores que pertencem a grupos de risco mas, a seguir, a imunização será alargada a toda a faixa etária. O mesmo se passará na Bélgica, que já começou a inocular os adolescentes com comorbilidades (outras doenças associadas).
França optou por vacinar, ao mesmo tempo, todas as crianças a partir dos 12 anos, assim como a Itália ou a Dinamarca.
Prudência, exige-se
“As vacinas são um assunto muito importante para os pediatras”, começa por dizer Jorge Amil Dias. “A imunização dos adultos [contra a covid-19] era urgente porque os mais velhos precisavam de ser protegidos, mas não é uma emergência vacinar as crianças”, sustenta o pediatra.
“A infeção nos mais novos é habitualmente ligeira e raríssimamente exige hospitalização”, acrescenta o também presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos (OM), que fez questão de sublinhar que conversou com a VISÃO em nome próprio e não enquanto representante da OM.
Há uma semana, a 17 de julho, estavam internados 19 menores de 20 anos nos hospitais portugueses, dezasseis em enfermarias e um (na faixa etária entre os 10 e os 19 anos) em unidades de cuidados intensivos (UCI). No total, desde março de 2020, foram hospitalizadas 766 pessoas com menos de 18 anos em enfermarias e 63 em UCI.
“O princípio da vacina é proteger a pessoa inoculada, reduzindo o risco de ela vir a sofrer de uma doença incapacitante ou mortal, mas a covid tem uma mortalidade baixíssima nas crianças”, acrescenta. Em Portugal, desde o início da pandemia, morreram quatro pessoas com menos de 20 anos (duas entre os 0 e os 9 anos e as restantes entre os 10 e os 19).
Por isso, Jorge Amil Dias considera que ainda não é evidente o benefício das vacinas para os adolescentes saudáveis.
Atualmente, já iniciaram a vacinação quase 6 mil jovens com 16 ou 17 anos em Portugal. A maior parte pertence a grupos de risco, outros são saudáveis, mas vivem em instituições de acolhimento e foram imunizados para evitar o surgimento de surtos nesses locais. Segundo o Infarmed, registaram-se oito casos de reações adversas graves entre os 10 e os 19 anos até 27 de junho.
A partir dos 16 anos, os jovens estão muito próximos da idade adulta e, no caso dos ensaios clínicos, por exemplo, “o que é verdade para uns, também é válido para os outros”. Contudo, abaixo desse limite, “é necessário que haja mais segurança”, afirma, cauteloso. Como tal, será prudente aguardar por mais estudos sobre o impacto da imunização nas crianças. Um compasso de espera que não será prejudicial, uma vez que, lembra o pediatra, ainda há pessoas com maior risco de doença moderada ou grave por vacinar.
“Não estou a dizer que a vacina não é segura nos mais novos, mas a fisiologia das crianças é diferente e justifica-se que seja feita mais investigação em grupos pediátricos”, defende o especialista. “Admito que a vacina preencha os critérios de segurança e eficácia, mas é preciso monitorizar as consequências a médio e longo prazo. Estamos a falar da qualidade de vida [das crianças] ao longo do tempo e queremos ter a maior segurança possível”, alerta. “Dificilmente nos perdoaríamos se descobríssemos que os adolescentes vacinados tinham mais doenças autoimunes”, ilustra.
Agora, “se uma criança tiver o mesmo risco de morte de uma pessoa de 70 anos, devemos ser mais arrojados e administrar a vacina”, defende o pediatra. Nessas situações, “mais vale correr o pequeno risco da vacina”. Já no caso dos adolescentes saudáveis, “há mais folga para aguardar e perceber se é totalmente seguro”.
Decisões médicas vs. Decisões políticas
Um mês. Este será o tempo necessário para obter dados mais robustos sobre o impacto das vacinas nas crianças saudáveis, acredita a infeciologista pediátrica Diana Moreira. Além disso, um mês também poderá ser o tempo necessário para que (quase) todas as pessoas acima dos 18 anos estejam vacinadas.
O vice-almirante Gouveia e Melo anunciou no Parlamento, na passada sexta-feira, que espera somar mais de 70% da população com a imunização completa na semana de 5 a 12 de setembro, chegando aos 90% no final do mês.
“Antes de avançarmos, precisamos de ter a certeza de que os benefícios são claramente superiores aos riscos da vacina no caso dos adolescentes saudáveis”, acrescenta Diana Moreira. “A nossa exigência ao nível do perfil de segurança deve ser ainda maior neste grupo etário porque habitualmente ele sofre doença ligeira”, esclarece.
“Mas devemos dar prioridade à vacinação dos adolescentes entre os 12 e os 15 anos mais fragilizados porque, nesses casos, a probabilidade de terem doença grave ultrapassa o risco de sofrerem efeitos adversos”, aconselha a médica do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
Contudo, Diana Moreira não exclui a hipótese da vacinação universal dos mais novos: “Provavelmente vamos caminhar nesse sentido”. E reconhece que a imunização pode garantir um início de ano letivo mais tranquilo.
Porém, a pediatra vê vantagens em Portugal arrancar mais tarde com a inoculação. “Não podemos dizer que não temos dados sobre a segurança e eficácia das vacinas porque elas foram autorizadas nas crianças. Agora, tendo a possibilidade de ter dados do mundo real, em vez de apenas dos ensaios clínicos, é muito melhor”, defende.
Um relatório publicado pelo ECDC enfatiza que as crianças saudáveis retiram poucos benefícios diretos da vacinação e que a prioridade deve ser aumentar a imunidade e reduzir a transmissão do vírus entre a população. Este organismo também considera que apenas deve ser prioritária a vacinação das crianças e adolescentes com risco acrescido de doença grave.
Mas uma coisa são as opiniões médicas, outra são as decisões políticas. “Se de cada vez que uma criança estiver positiva for preciso fechar uma escola ou encerrar um restaurante, então, pode haver perturbações sociais ou económicas que justifiquem a decisão de as vacinar, desde que não se coloque em risco esta população”, contextualiza Jorge Amil Dias.
O departamento de Educação britânico, por exemplo, revelou que 5,1% dos alunos das escolas públicas do país faltaram às aulas no dia 24 de junho devido à covid, sobretudo por estarem em isolamento após terem contactado com um caso positivo. Um aumento significativo, já que a 17 de junho faltaram 3,3% e 1,2% no dia 10 do mesmo mês.
Como irá desenrolar-se a vacinação dos menores em Portugal
Segundo o coordenador nacional do grupo de trabalho da vacinação, o vice-almirante Gouveia e Melo, a inoculação dos mais jovens será concentrada nos fins de semana, “para facilitar a vida dos pais e das crianças”. O processo deverá iniciar-se a 14 de agosto devendo estar concluído a 19 de setembro.
Numa primeira fase, serão os adultos a agendar a vacinação dos filhos, mas se essa estratégia não permitir chegar à maioria dos adolescentes, os progenitores poderão vir a ser contactados diretamente pela task force da vacinação.
O equilíbrio entre riscos e benefícios
O pediatra Luís Varandas confessa-se “totalmente pró-vacinas” e vê vantagens na inoculação das crianças tanto ao nível da proteção nível individual, como da coletiva. “Apesar de raramente ocorrerem casos graves nestas idades, o impacto da perda de uma única criança não é igual ao da morte de um adulto”, compara. Em Portugal, desde o início da pandemia, morreram quatro pessoas com menos de 20 anos (duas até aos 9 anos e outro par entre os 10 e os 19).
Um estudo publicado na The Lancet, com dados de sete países, concluiu que morreram menos de duas crianças por cada milhão daquelas que foram infetadas. Já uma análise do ECDC, que incluiu dez países europeus, registou 14 mortes e 40 internamentos em cuidados intensivos, num total de 183 mil casos na faixa etária dos 12 aos 15, entre 4 de janeiro e 20 de junho.
Luís Varandas destaca outras consequências da infeção nas crianças, como a covid prolongada ou a MIS-C.
A síndrome inflamatória multissistémica em crianças (MIS-C, na sigla inglesa) é uma manifestação rara que resulta da reação exacerbada do sistema imunitário à infeção pelo vírus SARS-CoV-2. Contudo, ela não acontece durante a fase aguda da doença, mas cerca de duas a seis semanas depois. Habitualmente, o coração é o órgão mais afetado pela MIS-C nos adolescentes e, no limite, pode evoluir para falência cardíaca. Apesar de exigir uma intervenção rápida e de implicar, na maioria dos casos, internamento nos cuidados intensivos, o curso da doença é, em regra, benigno.
Jorge Amil Dias considera os casos de MIS-C muito pouco frequentes, “devem ter havido mais atropelamentos de crianças do que casos desses”, contabiliza. Diana Moreira não tem conhecimento de casos fatais de MIS-C provocados pelo vírus SARS-CoV-2 em Portugal. Nos EUA, entre maio e junho, registaram-se 37 vítimas.
Tal como Diana Moreira, Jorge Amil Dias defende que é essencial ter a certeza de que a própria vacina não induz fenómenos de MIS-C.
Com a maior parte dos adultos vacinados, é expetável que a covid-19 se torne numa doença essencialmente pediátrica
Quanto à covid prolongada, não existe consenso em relação ao seu impacto nas crianças. Um estudo publicado pelo instituto nacional de estatística britânico revelou que 9,8% das crianças entre os 2 e os 11 anos e 13% entre os 12 e os 16 ainda manifestavam, pelo menos, um sintoma ao fim de cinco semanas da infeção. Contudo, alguns críticos consideram que os sintomas são tão inespecíficos que podem ser simplesmente causados pela disrupção provocada pela pandemia.
Ainda assim, Diana Moreira reconhece que a vacina tem benefícios diretos para os adolescentes, como reduzir os casos de doença ou de ocorrência da MIS-C, mas também indiretos, como proteger a comunidade, “diminuindo o risco de surtos no início das aulas ou de contágio dos grupos mais vulneráveis, como os avós”.
No entanto, tem-se questionado na opinião pública se será ético vacinar as crianças para proteger, essencialmente, os adultos. O pediatra José Gonçalo Marques levantou o problema num artigo de opinião no jornal Diário de Notícias, no qual reconhece que “é natural que agora o maior número percentual de casos venha a concentrar-se em populações não vacinadas, o que não é preocupante se continuar sem repercussão clínica significativa em idade pediátrica. Este grupo continuará a ser imunizado progressivamente por contacto com o vírus selvagem – cerca de 14% já estavam protegidas no inquérito [serológico nacional efetuado pelo INSA] de março”.
No mesmo artigo, o pediatra sublinha que “a pressão de vacinação também é motivada agora pelo certificado digital europeu, que acima dos 12 anos de idade, condizendo com a idade mínima aprovada para a administração da vacina, é obrigatório para muitas situações de viagens e de convívio social, E esta discussão também deve ser feita”, instou. José Gonçalo Marques era o coordenador-adjunto da CTVC, mas abandonou este organismo no mês passado, por considerar que o trabalho da comissão não estava a ser respeitado.
Diana Moreira admite que, com a maior parte dos adultos vacinados, é expetável que a covid-19 se torne numa doença essencialmente pediátrica. Existe a possibilidade de as crianças e adolescentes se tornarem nos principais transmissores da doença, “tal como todos os não vacinados”, sublinha. E não é inverosímil o surgimento de novas variantes naqueles que ficarem por imunizar.
Jorge Amil Dias lembra que “não existe evidência científica sólida de que as crianças sejam transmissoras relevantes da doença. Normalmente, elas são contagiadas pelos adultos”.
Já Luís Varandas não desvaloriza o facto de as crianças poderem contagiar outras pessoas. “Tenho agora um caso de uma criança que transmitiu a doença à mãe, que tinha as duas doses da vacina. Claro que não é uma situação complicada, mas aconteceu”, constata.
No entanto, não acredita que as crianças se tornem em “viveiros de vírus”, não só porque são poucas aquelas que serão infetadas, estando a maior parte das pessoas protegidas, mas também porque têm uma carga viral geralmente mais baixa. Não obstante, admite que o SARS-CoV-2 “pode evoluir para uma estirpe mais transmissível na idade pediátrica porque é nessa faixa etária que o vírus terá maior probabilidade de sucesso, uma vez que todos os outros já estarão imunizados”.
O médico do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, sustenta que o facto de países como os EUA ou Israel já estarem a vacinar nestas idades permite ter acesso a dados fiáveis de segurança. “Nunca uma vacina foi administrada de forma tão massiva em tão pouco tempo e tudo indica que é seguro usá-la nos mais novos”, afirma o médico, que não ficará surpreendido com a aprovação das vacinas mesmo abaixo dos 12 anos.
Os EUA são dos países mais avançados na imunização da faixa etária entre os 12 e os 15 anos. Causaram alarme alguns casos inesperados de miocardite e de pericardite
A Pfizer/BioNTech, por exemplo, já está a realizar ensaios clínicos nas faixas etárias entre os 5 e os 11 anos e os 6 meses e os 4 anos com doses mais pequenas do fármaco. Também o coordenador da task force da vacinação na Madeira não duvida que, em breve, se estará a discutir a inoculação dos menores de 12 anos.
Os EUA são dos países mais avançados na imunização da faixa etária entre os 12 e os 15 anos – 4 milhões já têm a vacinação completa. Causaram alarme alguns casos inesperados de miocardite (inflamação do tecido muscular do coração) e de pericardite (inflamação do tecido que envolve o coração) após a inoculação, sobretudo em adolescentes do sexo masculino. O sistema imunitário das crianças reage de forma mais exuberante às vacinas, o que pode conduzir a efeitos secundários que não se verificam nos adultos.
O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa), a direção-geral da saúde norte-americana, detetou entre 64 a 79 complicações cardíacas por cada milhão de segundas doses administradas entre os 12 e os 17 anos. “Até pode não haver relação nenhuma entre estes casos e a vacinação, mas são situações que merecem observação”, aconselha Jorge Amil Dias. “A própria covid-19 provoca miocardites e pericardites, mas só devemos avançar para a vacinação universal quando tivermos a certeza de que são mais as ocorrências provocadas pela doença do que pela inoculação”, sustenta Diana Moreira.
“Estamos a vacinar milhões de crianças em todo o mundo, é natural que surjam efeitos adversos raros, mas os benefícios compensam os riscos”, contrapõe Herberto Jesus. Também o CDC chegou à mesma conclusão. De acordo com este organismo, por cada milhão de segundas doses administradas na faixa etária dos 12 aos 17 anos, foram evitadas 14 200 infeções, que resultariam em 398 internamentos em enfermaria, 109 admissões em unidades de cuidados de intensivos e três mortes.
A segurança das vacinas não causa inquietações a Luís Varandas – “se não fossem seguras, nem seriam equacionadas” – são outros os motivos que levam o pediatra a questionar se será prioritário inocular os mais novos, que não pertençam a grupos de risco. “Neste momento, talvez fizesse mais sentido imunizar os adultos de outros países mais atrasados no processo de vacinação”, admite. Contudo, não nega que vacinar as crianças e os adolescentes permitiria “um regresso à normalidade mais rápido e um regresso às aulas sem sobressaltos”.
Falta de solidariedade
O imunologista Henrique Veiga-Fernandes não tem dúvidas de que a prioridade deve ser vacinar os adultos de todos os países. “Além de ser uma questão de justiça global, é uma forma de evitar um barril de pólvora que tem consequências a nível internacional”, frisa o codiretor da Champalimaud Research. Já que, ao circular livremente numa população sem imunidade, o vírus propaga-se mais rapidamente, aumentando a probabilidade de surgirem mutações que o tornem ainda mais transmissível, “daí estarmos numa corrida contra o tempo para vacinarmos o maior número de pessoas no mundo”, disse à VISÃO.
Além disso, como as crianças transmitem menos o vírus, considera que não serão focos de contágio relevantes se a maior parte das outras pessoas estiver protegida. “Seria terrível deixarmos morrer 5 mil adultos para vacinarmos 5 mil crianças”, corrobora Jorge Amil Dias. Também Diana Moreira considera “eticamente incorreto imunizar crianças e adolescentes saudáveis sem vacinar grupos de risco noutros países”.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, lançou um apelo no mesmo sentido: “Em alguns países ricos, que compraram a maioria das vacinas disponíveis, os grupos de menor risco estão a ser vacinados. Eu entendo que esses países querem vacinar as suas crianças e os seus adolescentes, porém, encorajo-os a reconsiderarem essa decisão e a doarem as suas vacinas ao Covax [a plataforma que luta por uma maior equidade no acesso à imunização].” Atualmente, apenas 0,3% das vacinas foram entregues em países em vias de desenvolvimento, o que a OMS considera uma “catástrofe moral”.
Também nos países desenvolvidos é preciso ponderar a escassez de vacinas, numa altura em que se debate a possibilidade de serem necessárias injeções de reforço. O Infarmed já admitiu estar a ponderar a possibilidade de ser administrada uma terceira dose à população mais vulnerável.
“Se a imunidade for transitória ou se surgirem variantes com escape vacinal, teremos de reavaliar os grupos de risco, nos quais se podem incluir crianças e adolescentes e, mais uma vez, essas pessoas é que deverão ter prioridade”, explica Diana Moreira.
No entanto, “se surgir uma nova variante com maior gravidade clínica em idade pediátrica, tudo será diferente”, ou seja, os mais novos podem tornar-se prioritários, “mas não é essa a realidade atual”, constata a pediatra.
O Infarmed já admitiu estar a avaliar a possibilidade de ser administrada uma terceira dose da vacina à população mais vulnerável
Por outro lado, se a proteção garantida pelas vacinas for duradoura, a infeciologista pediátrica não acredita que seja possível garantir a imunidade de grupo sem vacinar os mais novos. Luís Varandas está de acordo, sobretudo perante a hipótese de ser necessário inocular 85 a 90% da população para travar a disseminação da variante Delta, agora dominante em território nacional. O diretor regional da saúde da Madeira, Herberto Jesus, também se socorre deste argumento para avançar com a imunização dos mais novos.
Opinião partilhada pelo epidemiologista Manuel Carmo Gomes: “É evidente que com valores desta magnitude não conseguimos imunidade de grupo sem vacinar abaixo dos 18 anos. As crianças são uma fatia muito grande da população”, afirmou o docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa ao jornal Público. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, os menores de 15 anos representam 13,55% dos residentes no País.
À VISÃO, o médico de saúde pública Bernardo Gomes já havia sublinhado a importância de vacinar os adolescentes entre os 12 e os 18 anos. “É muito provável que precisemos de vacinar os adolescentes”, afirmou.
Na reunião que se realiza no Infarmed esta terça-feira este será um dos temas abordados pelos especialistas que aconselham o Executivo. O País aguarda uma decisão. Até lá, o debate vai continuar.