De acordo com um novo estudo, publicado a 5 de março no site de pré-impressão MedRxiv e ainda não submetido à revisão pelos pares, muitas pessoas que apresentam sintomas de “Covid-19 prolongada” eram assintomáticas quando foram inicialmente infetadas.
O estudo, que traz novas informações relativamente à questão do impacto continuado da infeção por SARS-CoV-2, é um dos primeiros a concentrar-se exclusivamente nas pessoas que nunca precisaram de ser hospitalizadas e analisou registos médicos de 1407 doentes do estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América, com teste PCR positivo para o novo coronavírus.
Os investigadores chegaram à conclusão que, mais de 60 dias após a infeção, 382 destas pessoas (27%) lutavam ainda contra dor no peito, dispneia, ansiedade, dor abdominal, tosse, dor lombar e fadiga e que quase um terço destes “doentes de longo curso” (long-hauler em inglês) não tinha tido nenhum sintoma desde o momento em que fora infetado até ao décimo dia após ter testado positivo.
Para os autores do estudo, a pouca frequência com que os assintomáticos são monitorizados, devido a uma noção inerente de baixo risco para doença aguda grave, “é problemática, pois estes indivíduos são responsáveis por 32% dos long-haulers observados neste estudo”.
Considerando que “são necessários estudos adicionais, com urgência, focados no impacto físico, mental e emocional de sobreviventes de Covid-19 que se tornam long-haulers”, os autores defendem que esta é uma questão de saúde pública muito significativa “para a qual ainda não existem diretrizes sobre como abordar o seu diagnóstico e gestão”.
Queixas nove meses após a alta
Apesar da experiência pessoal da internista Sandra Braz, coordenadora da Unidade de Internamentos de Contingência de Infeção Viral Emergente do Hospital de Santa Maria, a pôr em contacto com os efeitos a longo prazo da Covid em pessoas que estiveram internadas, a médica conta que relatos de colegas com especialidades não hospitalares têm confirmado que “mesmo doentes com muito poucos sintomas na fase aguda da doença, podem vir a ter manifestações clínicas daquilo que nós chamamos Covid longo ou Covid pós-agudo”.
Sandra Braz revela que as queixas de Covid-19 prolongada em doentes que foram hospitalizados não são exatamente as mesmas observadas nas pessoas que ficaram em casa, “mas algumas sobrepõem-se”. Define-as como “mais gerais”, das cefaleias ao cansaço, fadiga muscular e uma certa lentificação do raciocínio, e revela que têm vindo a ser observadas, “com uma certa frequência, em doentes que tiveram poucos sintomas e permaneceram em casa”, revela.
Já nos doentes que foram internados com Covid-19 de gravidade moderada a servera/crítica, a médica considera que existem outras manifestações clínicas mais intensas, que afetam vários sistemas do corpo, dos pulmões ao coração e ainda a área neuro-psiquiátrica.
A fadiga muscular e o cansaço são das queixas mais frequentes e, como sublinha a internista, uma vez que a maioria destes doentes não tem alterações nos exames complementares que justifiquem um cansaço tão extremo, “é frustrante quer para o doente quer para o médico, porque não se encontra uma resposta”. A boa notícia, assegura, é que passa, mas é preciso dar tempo ao tempo. “Tenho doentes que sigo há nove meses e ainda têm queixas, sobretudo de cansaço”.
Sentir-se cansado durante tanto tempo pode, explica a médica, criar algumas tensões nos ambientes familiar e laboral, porque “as pessoas sentem-se incompreendidas, limitadas e frustradas”. É importante perceber que, apesar de o SARS-CoV-2 ser um vírus respiratório, a doença Covid-19 “não é estritamente uma doença respiratória, o vírus afeta qualquer tecido”.
A par do cansaço, Sandra Braz revela que, sobretudo nos primeiros meses após a alta, as queixas mais frequentes são as neuro-psiquiátricas, como as perturbações do sono, insónias, pesadelos, défice de atenção, lentificação do raciocínio, do rendimento intelectual e compromisso da memória recente. “Todos estes sintomas são devastadores para os doentes e famílias e eu sou internista, mas não consigo lidar com isto sozinha”, comenta a médica, que considera essencial o seguimento por psicólogos e psiquiatras.
Estas queixas, registadas nos quatro meses após a doença, parecem também estar presentes nos doentes que não precisaram de internamento, “sobretudo a insónia, o compromisso da memória recente e o défice de atenção”, e não eram, necessariamente, sintomas dos quais os doentes se queixassem enquanto tinham a infeção.
Ainda assim, apesar de estes sintomas não serem normais, porque são sintomas de doença, a médica apela aos doentes que os têm que não desesperem. “Por vezes, são coisas esperadas na fase em que algumas pessoas se encontram e irão passar, apesar de ainda não sabermos porque razão estão a acontecer”.
Long Covid – o tema do momento
Vários estudos e investigações têm sido feitos a fim de perceber melhor a relevância dos sintomas da Covid-19 a longo termo. A 15 de outubro de 2020, apesar de admitir o pouco conhecimento existente, relativamente à chamada Long Covid, o Instituto britânico para Pesquisa em Saúde (NIHR, na sigla em inglês) publicou logo um relatório preliminar dedicado a ela, por considerar o assunto de grande importância.
Este relatório não fazia ainda referência a assintomáticos, como acontece no estudo californiano, mas referia que, a 7 de setembro de 2020, o Serviço Nacional de Saúde Britânico havia publicado orientações, afirmando que “cerca de 10% dos casos “leves” de Covid-19 que não foram internados no hospital relataram sintomas que duraram mais de quatro semanas e vários casos hospitalizados relataram sintomas contínuos por oito ou mais semanas após a alta”.
Segundo a BBC, o chefe do Serviço Nacional de Saúde Britânico, Sir Simon Steves, anunciou também que serão criadas, em todo o país, clínicas específicas para acompanhar este tipo de pacientes, que algumas estimativas calculam serem já um em cada 10 infetados com SARS-CoV-2.
Tabém em outubro, Anthony Komaroff, diretor da Harvard Health Letter, escreveu um artigo dedicado aos long-haulers e à Long Covid, a qual apelidou de tragédia, que foi republicado e atualizado no início do mês de março deste ano. Segundo o médico, a evidência científica mostrou que “50% a 80% dos pacientes continuam a ter sintomas incómodos três meses após o início da Covid-19 – mesmo depois dos testes já não detetarem o vírus no seu corpo”, sendo as queixas mais comuns a fadiga, dores no corpo, falta de ar, dificuldade de concentração, incapacidade de praticar exercício, dor de cabeça e dificuldade em dormir.
Face à falta de definição formal para Long Covid, Anthony Komaroff propõe que esta inclua os seguintes pontos: “um diagnóstico médico de Covi-19, com base em sintomas e/ou testes de diagnóstico, o não regresso a um estado de saúde e funcionalidade igual ao pré-Covid, passados seis meses, e ainda a apresentação de sintomas de Long Covid, mas nenhuma evidência que sugira danos permanentes nos pulmões, coração e rins que possam causar esses mesmo sintomas”.
Fadiga, fraqueza muscular e depressão
Outro estudo, publicado a 8 de janeiro de 2021 na revista científica The Lancet, acompanhou 1733 pacientes com Covid-19 confirmado que haviam recebido alta, entre 7 de janeiro e 29 de maio de 2020, do Hospital Jin Yin-tan, em Wuhan, na China. Os investigadores chegaram à conclusão que seis meses após a infeção aguda, os sobreviventes apresentavam principalmente fadiga ou fraqueza muscular, dificuldades em dormir e ansiedade ou depressão.
Ao contrário do estudo californiano, a investigação chinesa debruçou-se sobre doentes internados, verificando que “os pacientes que estiveram mais gravemente doentes durante internamento hospitalar tiveram a capacidade de difusão pulmonar mais severamente prejudicada e manifestações anormais de imagem do tórax, e são a principal população-alvo para intervenção de recuperação em longo prazo”.
Já o Annals of Internal Medicine publicou, em novembro, um estudo que se debruçou sobre os pacientes hospitalizados em 38 hospitais do estado do Michigan, nos Estados Unidos da América, (com alta entre 16 de março e 1 de julho de 2020), segundo o qual 15,1% destes hospitalizados acabou por voltar a ser internado, 60 dias apóis a alta.
Através de um inquérito a 488 doentes, 60 dias após estes terem tido alta, os autores do estudo descobriram ainda que 59 se queixavam de sintomas cardiopulmonares, como tosse e dispneia, 58 relataram novas ou maiores dificuldades em realizar atividades da vida quotidiana, 238 afirmaram ter sido afetados emocionalmente pela doença e 28 procuraram consultas de saúde mental após a alta.
Mulheres com maior risco de ser ‘long-haulers‘
O estudo Californiano chegou ainda a outras conclusões relevantes, nomeadamente o facto de as mulheres parecerem mais propensas a desenvolver sintomas de Covid-19 prolongada, de os problemas a longo prazo afetarem todas as faixas etárias, incluindo as crianças e de existirem cinco grupos de sintomas a longo prazo que parecem mais prováveis de ocorrerem em concomitância, nomeadamente: dor no peito e tosse, dispeneia e tosse, ansiedade e taquicardia, dores abdominais e náusea e, por fim, dores lombares e nas articulações.