Em Portugal, o uso da máscara já é obrigatório na rua há quatro meses. Hoje, a discussão pública já não se prende com o uso ou não uso das máscaras, mas sim quais oferecem a proteção ideal – se as máscaras sociais, comunitárias, cirúrgicas, as FFP2 ou até duas máscaras em simultâneo. Esta postura é semelhante na maioria dos outros países da Europa, onde as máscaras se tornaram parte do dia a dia de milhões de cidadãos. À parte desta maioria de países, surge uma exceção notável: a Suécia.
Recentemente, no país escandinavo, funcionários da Câmara Municipal de Halmstad obrigaram um professor a retirar a sua máscara e proibiram todos o tipo de equipamento de proteção pessoal nas escolas, alegando que não havia fundamento científico para tal e que o uso indevido de máscaras era perigoso. Por sua vez, os bibliotecários da cidade de Kungsbacka, no sul do país, também foram proibidos de usar máscara no trabalho. “Para qualquer pessoa que não está familiarizada com a resposta da Suécia à Covid-19, esta proibição do uso de máscara pode soar chocante”, explicam os investigadores Tine Walravens e Paul O’Shea no The Conversation. Mas há razões lógicas que a explicam.
Após nove meses de declarações do Governo da Suécia a desvalorizar o uso de máscaras, os acontecimentos de Halmstad e Kungsbacka não são surpreendentes para os mais atentos: foi apenas a meio de dezembro, depois de vários meses de desvalorização deste tipo de proteção, que as autoridades suecas impuseram o uso obrigatório de máscaras em transportes públicos. Ainda assim, Johan Carlson, diretor do Instituto de Saúde Pública da Suécia, continua a mostrar-se relutante em admitir os benefícios das máscaras, afirmando que “não penso que isto terá um efeito decisivo, mas nesta situação específica pode ter um efeito positivo” e que “usar máscaras na rua não parece ser significativo”, apelando apenas ao distanciamento físico.
De onde vem esta aversão às máscaras?
Na primavera de 2020, o conhecimento sobre o vírus da Covid-19 ainda era extremamente limitado. As indicações de saúde das autoridades suecas – e de quase todo o mundo – resumiam-se a lavar as mãos, manter a distância dos outros e ficar em casa. “A medida essencial para evitar a infeção não é usar a máscara, é o distanciamento social”, frisava Graça Freitas em março, em consonância com esta postura. Foi apenas em abril que se começou a afirmar com mais certezas a importância do uso de máscaras para prevenir o vírus da Covid-19. Com as máscaras a serem progressivamente adotadas por todos os países da Europa, Aders Tegnell, o epidemiologista chefe da Suécia, insistiu em marchar contra a corrente. Vários meses depois, em agosto, continuava a afirmar que as provas dadas pelas máscaras eram “muito fracas” e que o seu uso podia “aumentar o contágio.”
Esta narrativa foi mantida ao longo de vários meses e os suecos foram incentivados a descredibilizar o uso de máscaras. As organizações de saúde pública da Suécia continuaram a sublinhar que as máscaras não eram eficazes, apesar de estudos que indicavam o contrário se multiplicarem. Em julho, a ministra da saúde, Lena Hallengreen, explicou que o governo da Suécia não tinha a “cultura ou tradição” de tomar decisões sobre roupa de proteção como máscaras e que, por isso, não iriam legislar contra as indicações das autoridades de saúde.
Esta posição foi mantida até dezembro. Foi apenas no dia 18 que Stefan Lofven, Primeiro-ministro da Suécia, anunciou uma mudança de 180 graus da estratégia: afinal, as máscaras não só funcionam, como devem ser utilizadas nos transportes públicos. Pouco confiante da recetividade desta medida pelos suecos, depois de vários meses de descridibilização das máscaras, Lofven introduziu alguns detalhes à lei para tentar incentivar o seu cumprimento: recomendou o uso de máscaras apenas nas horas de ponta, entre as 7 e 9 da manhã e 4 e 6 da tarde, para aqueles nascidos “antes de 2004” e que não têm um lugar reservado.
Contudo, em vez de incentivarem o uso de máscara, estes detalhes na lei acabaram por gerar apenas confusão e foram genericamente ignorados pela população: foi registado que apenas metade dos utentes dos transportes públicos suecos passou a utilizar máscara nas viagens. Entre a metade de pessoas que não cumpriu a lei, incluiu-se o Diretor do Instituto de Saúde Pública Johan Carlson, que foi visto sem máscara num autocarro em hora de ponta. Quando o interrogaram sobre o assunto, limitou-se a afirmar que se tinha esquecido que tinha chegado a hora de obrigatoriedade de uso de máscara – uma excelente ilustração dos problemas da complexa comunicação do Governo sueco e da aversão às máscaras, vindo de um funcionário público que dá o exemplo à população.
Um desfecho pouco surpreendente
Perante este crescente ignorar das máscaras como medidas de prevenção, a proibição do uso de máscaras em locais como Halmstad e Kungsbacka é pouco surpreendente – e provavelmente outros episódios semelhantes repetir-se-ão. Agindo vários meses à revelia das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que realça os benefícios do uso de máscaras na prevenção da Covid-19, o Governo sueco enfrenta agora uma forte resistência da sua população à adoção destas medidas de proteção. Numa altura em que o país enfrenta uma “tendência preocupante” no agravamento de casos de Covid-19, com o sistema de saúde “sobrecarregado neste momento” e “perto do limite daquilo que é capaz de suportar”, segundo Anders Tegnell, os responsáveis políticos suecos parecem estar a colher os frutos que plantaram ao longo dos últimos meses. Assim, afigura-se uma tarefa difícil de consciencialização de todos os suecos nos próximos tempos.