O receio dos investigadores é claro: há cada vez mais evidências de que as vacinas para a Covid-19 não serão tão eficazes em pessoas obesas, uma população já altamente vulnerável à pandemia. Ou seja, é mais do que consensual que as pessoas com maior massa gorda são mais difíceis de tratar. Além de poderem ter uma capacidade pulmonar reduzida, colocar-lhes um tubo para as ligar a um ventilador tem-se revelado um enorme desafio.
Para lá disso, é também já muito claro que que o tecido adiposo expressa níveis relativamente elevados do recetor ACE2, nome por que é conhecida a enzima que que o SARS CoV-2 utiliza para infetar nas células no nosso organismo. Ou como diz agora Gianluca Lacobellis, um endocrinologista da Universidade de Miami, na Florida, citado pela Nature, “O tecido adiposo parece funcionar como um reservatório do vírus”. E nesses casos, o que se pode pedir depois ao sistema imunitário é algo muito para lá do razoável.
A explicação é simples: as pessoas que são obesas apresentam, em regra, níveis mais elevados de uma variedade de proteínas imunoreguladoras, incluindo as citocinas. Neste cenário, o que se receia é que as respostas imunitárias desencadeadas por essas citocinas acabem por danificar tecidos saudáveis em alguns casos mais graves de COVID-19.
Paradoxalmente, esse estado constante de estimulação imunitária pode depois enfraquecer a resposta pedida às células T, as que podem matar diretamente as células infetadas. “Diria que a sua dificuldade de combate à doença será maior”, sublinha ainda Milena Sokolowska, que estuda imunologia e doenças respiratórias na Universidade de Zurique, na Suíça, “porque à partida estão mais exaustas em pessoas que são obesas”.
Vidas precárias
Foi ainda antes do verão que surgiram as primeiras suspeitas de maiores complicações da Covid-19 em pacientes obesos. Na altura, uma equipa da Universidade de Glasgow concluía que o risco disparava à medida que o índice de massa corporal aumentava. Nesse estudo, os cientistas defendiam mesmo que a interação do novo coronavírus em pessoas com doenças crónicas e fatores de risco associados – como é o caso da obesidade –provocava a tempestade perfeita para um final mais dramático.
Num ápice veio logo à memória de outros o que aconteceu durante a epidemia de H1N1 em 2009, quando se começou a notar que os obesos infetados com aquela que hoje conhecemos como Gripe A tinham mais probabilidade de acabar numa cama de hospital e morrer. Depois disso, foi também claro que as vacinas administradas nos anos seguintes tiveram também um mau desempenho em indivíduos com peso extra. O que se constatou foi que estes adoeciam com mais frequência do que os seus pares, mesmo depois de terem sido vacinados. “A obesidade repõe a fisiologia humana”, frisa Anne Dixon, uma pneumologista do Centro Médico da Universidade de Vermont, que estuda a forma como o excesso de peso pode afetar condições respiratórias, como a asma – para depois acrescentar, citada pelo The New York Times: “As pessoas que são muito obesas estão a viver numa posição de precariedade. E isto não é uma questão apenas cosmética”.
No fim de agosto, uma revisão dos vários estudos sobre a Covid-19 chegava às mesmas conclusões. Há uma ligação preocupante entre as duas epidemias: a do coronavírus e a da obesidade. Entre os infetados com o SARS CoV-2, os obesos têm maior risco de hospitalização (113%), maior probabilidade de serem admitidos nas unidades de cuidados intensivos (74%) e ainda um risco de morte mais elevado (48%).