Foi há cinco meses – 11 de março – que a Organização Mundial de Saúde declarou oficialmente a pandemia de Covid-19, pouco depois de peritos um pouco por todo o mundo terem assinalado que o surto de coronavírus que surgira na China preenchia todos os critérios para ser considerado uma epidemia à escola global. O epicentro da doença já se tinha deslocado para a Europa, em breve cresceria de forma exponencial no continente americano. Menos de duas semanas depois, a China garantia que ia avançar para o primeiro ensaio clínico. Um anúncio feito à medida das renovadas tensões entre Estados Unidos e a China. Nessa altura, já Donald Trump tinha acusado Pequim de ser responsável – pelo menos, parcialmente – pela propagação do que chamou ‘o vírus chinês’.
Em editorial, o Global Times, tabloide sob os auspícios do jornal Diário do Povo, do Partido Comunista Chinês, sublinhava então que desenvolver uma vacina era “uma batalha que a China não pode perder”. Um mês depois, garantia que avançava para um ensaio em larga escala…em macados. Rapidamente, outros faziam saber que também estavam na corrida. Ao todo, havia mais de cem candidatas – cinco em ensaio clínico. Até à comunicação de hoje, seguiram-se uma série de proclamações e acusações de todos os lados.
O perigo que vem da China…e da Rússia
Por exemplo, há duas semanas, a americana Pfizer e a biotecnológica alemã declaravam-se na frente. Estariam oficialmente prontas a avançar para a fase de testes que antecede o pedido de autorização de comercialização. Ao mesmo tempo, a OMS assumia que faltava dinheiro para a totalidade de investimento necessário ao desenvolvimento das tão aguardadas vacinas. Qualquer coisa como 90 mil milhões. Reconhecia até que poderia nunca se encontrar a tão esperada panaceia para a doença – ou, no máximo, na segunda metade de 2021. Entretanto, Bill Gates, cuja fundação já injetou milhões no seu desenvolvimento, alinhava no mesmo discurso. “A pandemia vai acabar para o ano, mas só nos países ricos”. E na mesma entrevista, dada à Wired esta semana, alertava para passos maiores que a perna que alguns países poderiam estar a querer dar. Exemplos? China, Rússia…
Eis que Vladimir Putin, o líder russo que acaba de abrir caminho político para se tornar uma espécie de presidente vitalício, entra em cena. E esta manhã, quarta-feira, 11 de agosto deste estranho ano de 2020, veio comunicar ao planeta que registou a primeira vacina. E chamou-lhe Sputnik V, homenageando assim o primeiro satélite artificial, o primeiro objeto posto em órbita pela humanidade, ao redor de um corpo celeste.
A polémica não demorou. Afinal, mal passaram 15 dias desde que Reino Unido, Estados Unidos e Canadá acusavam aquele país de estar a tentar roubar informação aos seus cientistas. Exatamente aqueles que estavam envolvidos no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19.
Na corrida desde junho
Mas, perante o anúncio de Putin de hoje, a OMS mostrou-se prudente. “Acelerar o progresso não deve significar comprometer a segurança”, sublinhou o porta-voz da organização, Tarik Jasarevic. Para logo depois acrescentar que as autoridades russas já tinham sido contactadas, de forma a avaliar-se o progresso da investigação em curso.
Aquele responsável sublinhou ainda que a organização está satisfeita “com a rapidez com que as vacinas estão a ser desenvolvidas”. E espera que algumas deles “se mostrem seguras e eficazes”. Mas esta, recorde-se, não estava entre as seis vacinas que, há uma semana, a mesma OMS considerou estarem no patamar mais avançado. Aquele que antecede o pedido de autorização para a introdução de um novo medicamento no mercado.
Aliás, a Rússia só terá entrado nesta corrida em junho, momento em que os caso diários de contágio atingiam os valores na ordem dos dez mil infetados. Foi quando o ministério da Defesa do país anunciou que ia iniciar ensaios em 50 soldados que se tinham oferecido para participar nos testes. E informava ainda que a fase clínica estaria concluída antes do final de julho, envolvendo sete centros científicos locais.
Imunidade por dois anos ?
Perante o anúncio de que já há uma Sputnik V – Putin garante mesmo que a filha já foi inoculada com a mesma – pelo menos 20 países já a terão encomendado. De acordo com fontes oficiais russas, o pedido ascende ao milhão de doses. A sua produção a nível industrial deverá começar em setembro, para estar disponível em janeiro de 2021.
De acordo com as autoridades de saúde da Rússia, aquela vacina superou já todas as provas necessárias e permite uma “imunidade estável”. Uma dupla inoculação, asseguram ainda as autoridades de saúde da Rússia, permitirá uma imunidade longa, por dois anos.
Mas as reservas já conhecidas são de cientistas tanto daquele país como do estrangeiro, que estranharam antes de mais a decisão de registar a vacina antes de os cientistas completarem a última fase do estudo. Por norma, demora vários meses, envolve milhares de pessoas e essa é, registe-se ainda, a única forma de se provar que a vacina funciona e é segura.