A tecnologia tem sido essencial no combate a doenças. Mais recentemente, ganhou lugar de destaque perante a pandemia de Covid-19. Mas o que a recente investigação da Boston Review revela é que as promessas de um aparelho comum como o oxímetro podem esconder resultados enviesados. Como quem diz, o dispositivo em causa está programado de uma tal forma que favorece a população branca.
Trata-se, antes de mais, de um equipamento de venda livre que pode ser encomendado pela internet por pouco mais de 15 euros. Socorrendo-se de luzes vermelhas e infravermelhas, o que faz é a leitura de hemoglobinas no sangue, detetando a quantidade de oxigénio presente nas correntes sanguíneas. Como os baixos níveis de oxigénio são um dos sintomas da Covid-19, o aparelho ganhou uma imensa popularidade nos últimos meses. Afinal, recorde-se, segundo a Organização Mundial da Saúde, as pessoas saudáveis têm uma percentagem de oxigénio no sangue entre os 95 e os 100 por cento. Já leituras abaixo de são consideradas situações de emergência clínica.
Mas como o dispositivo utiliza sensores de luz sobre a pele, há mais de dez anos que uma suspeita muito particular se instalou. Foi quando um grupo de cientistas da Universidade da Califórnia (UCSF) foi verificar os resultados – e facilmente detetou um padrão bem claro de falhas. Os aparelhos sobrestimavam as percentagens de oxigénio no sangue de negros, latinos e indígenas. Em alguns casos, a margem de erro chegava aos 8 por cento, classificando pessoas doentes como perfeitamente saudáveis. A razão é simples de explicar: trata-se de mais um caso de tecnologia de ponta criada com base em padrões de pessoas brancas.
Atualizações em falta
O problema é que, apesar das diversas pesquisas a alertar para este tipo de risco, divulgadas no último ano — pela Nature e pela Science, por exemplo — não há registo de atualizações na tecnologia usada que permitam anular aquele risco.
E isso pode ser mais um dado que ajuda a explicar o acréscimo de mortes entre a população negra, em países como os EUA e o Brasil, tão severamente afetados pela Covid-19. O pior, como sublinha a autora do texto da Boston Review, é que, entre a comunidade médica, este desvio nos resultados não é tão levado a sério como se esperaria.
“Para uma pessoa não branca, uma leitura de 77 (como a apresentada pelo meu marido) poderia esconder uma saturação de oxigénio tão baixa como 69. E isto significa um perigo imediato bem maior”, segue Amy Moran-Thomas, que é professora de Antropologia no MIT, onde dá aulas exatamente sobre a vida social dos objetos médicos. “Mas será que esta diferença é detetada também a nível hospitalar, durante a triagem?”.
Perante a desconfiança, a autora socorreu-se ainda de um outro estudo de 2017, que garantia não haver diferenças de maior nas leituras feitas a 35 crianças com diferentes cores de pele. Mas isso, como sublinha, “apesar de ser uma notícia tranquilizadora para as unidades de cuidados infantis, não garante a correção das disparidades permanentes em adultos”. Diferenças que, sublinhe-se, o mesmo estudo também encontrou.