Quem tem carência de vitamina D tem maior probabilidade de contrair a Covid-19?
As pessoas que têm formas mais graves de infeção pelo novo coronavírus têm também níveis mais baixos de vitamina D. Há apenas indícios, mas sem prova suficiente. O que existe é evidência já muito ampla e segura, bem mais firme do que esta, de que a suplementação com vitamina D nas pessoas que têm carência previne um conjunto de infeções, entre as quais infeções por coronavírus, mas não necessariamente esta nova estirpe, que ainda não foi estudada.
Existe uma ligação causal entre a falta de vitamina D e as infeções do trato respiratório superior?
Os vírus em geral são prevenidos por vitamina D, incluindo os diversos coronavírus. Dando vitamina D a quem tem falta dela, diminuímos a ocorrência de infeções.
De que forma a vitamina D protege e ajuda a prevenir as infeções respiratórias virais?
A vitamina D é um elemento muito nuclear ao funcionamento das células. Atua em praticamente todos os órgãos e sistemas do organismo, incluindo o sistema imunológico. E, a esse nível os efeitos que lhe são conhecidos são muito equilibrados. É muito importante para prevenir infeções e há razões biológicas que o justificam: aumenta a nossa capacidade de combater os germes – de as células engolfarem os próprios germes para os matar; aumenta a capacidade de as células produzirem anticorpos contra os germes. Tem um efeito benéfico no que toca à autoimunidade.
Há populações mais expostas à Covid-19, como os negros ou os indianos, devido à cor da pele?
A carência de vitamina D é muito maior em pessoas de pele escura. A camada de melanina impede a entrada da radiação ultravioleta e por isso não vai atuar no colesterol para o transformar em vitamina D. As pessoas com a pele escura têm um protetor solar natural.
Os portugueses têm uma taxa de carência de vitamina D elevada?
Em Portugal, claramente, a idade mais avançada [superior a 65 anos] está associada à maior prevalência de falta de vitamina D. Outro fator a que Portugal não é isento é a obesidade. O tecido adiposo, a gordura, “sequestra” a vitamina D, diminuindo a sua presença no sangue. Ser idoso, ter a pele muito escura, sendo ou não de raça negra, e ter excesso de peso são três grandes fatores de risco para a falta de vitamina D.
Já este ano, publicámos um estudo grande na revista Archives of Osteoporosis, com conclusões semelhantes às de outros países do sul da Europa e do norte de África. Neste primeiro estudo de âmbito nacional, que incidiu sobre toda a população adulta portuguesa, fizemos análises em mais de três mil pessoas, escolhidas de forma aleatória, que deram uma amostra de sangue e responderam a um inquérito. Concluímos que 66% dos portugueses, ou seja dois terços, têm valores de vitamina D considerados baixos, o que segundo o critério de referência mais exigente utilizado pela sociedade de endocrinologia americana (Endocrine Society), com parâmetros de normalidade mais elevados, Portugal teria 96,4% da população com valores inferiores ao ideal. As diferenças regionais também mostraram conclusões relevantes: os Açores têm a maior taxa de carência de vitamina D e o Alentejo e o Algarve, a menor. Existe também uma diferença grande, como seria de esperar, entre o tempo frio e o tempo quente, com as taxas de carência muito mais altas no inverno e na primavera.
Sendo Portugal um país com tantos dias de sol por ano, como se justificam esses valores altos de falta de vitamina D?
Nós não apanhamos sol. Passamos, por virtude das alterações culturais e sobretudo profissionais, muito mais tempo dentro de casa do que costumávamos. A natureza evoluiu ao longo de milénios tornando o homem dependente de vitamina D, porque ele a produzia espontaneamente, bastava-lhe expor a pele ao sol. Nós alterámos isso, não apenas porque vivemos muito mais dentro de casa do que antes, mas porque nos protegemos do sol. Somos muito instruídos para usar protetor solar, que bem aplicado anula completamente a produção de vitamina D. Não há nenhum creme de beleza facial que não tenha protetor solar. Andamos a fugir do sol, e essa é a única fonte de vitamina D, porque a alimentação, nomeadamente em Portugal, é despicienda, não ingerimos nada que se aproxime das doses que são necessárias.
Qual a dose diária de sol recomendável?
A dose que é necessária é seguramente muitíssimo inferior àquela que se pode considerar de risco para o cancro da pele. Não sendo fácil identificar a dose exata para cada pessoa, porque depende do dia, da incidência do sol, da nebulosidade ou da cor da pele, entre outros fatores, diria que dez minutos por dia de exposição ao sol de braços e pernas, durante a primavera e o verão, são suficientes para garantir a vitamina D necessária para todo o ano.
Quais são os alimentos mais benéficos?
O alimento mais rico em vitamina D que temos em Portugal é, provavelmente, o salmão. Mas teríamos de comer cerca de 320 gramas por dia deste peixe para ter uma ingestão adequada de vitamina D. Também é possível comendo 18 ovos por dia. Por isso, não podemos contar com a alimentação para colmatar esses valores baixos. Ainda hoje é possível suprir os valores de vitamina D com óleo de fígado de bacalhau, de preferência em cápsulas, para evitar o mau sabor.
Aconselha então a toma de suplementos alimentares?
A única alternativa séria à exposição solar são os suplementos, desde que a dose seja a certa: 1 000 a 2 000 unidades por dia para um adulto; o dobro para uma pessoa obesa, que pode ser tomado semanal ou até mensalmente o equivalente. Por exemplo, as pessoas com mais de 65 anos, particularmente se forem obesas, devem fazer suplementação durante o inverno. Posso sugerir às pessoas que tomem vitamina D todo o ano, porque tem uma margem de segurança muito grande. São precisas doses brutais para causar uma intoxicação. Os suplementos são baratos e se o Estado se envolvesse nisso poderia torná-los mais baratos do que a água.
Estudos que ajudam a corroborar a ideia de que a vitamina D pode influenciar a gravidade da infeção pelo novo coronavírus
Uma equipa de investigadores da Universidade Northwestern divulgou um estudo, que ainda não foi revisado pelos seus pares, sugerindo que a vitamina D poderia ajudar a conter as tempestades de citocinas, um tipo de reação imune que parece piorar os resultados para pacientes Covid-19.
Há três anos, outro estudo divulgado na publicação britânica The BMJ analisou dados de 25 estudos aleatório e concluiu que as pessoas escolhidas para tomar vitamina D tinham um risco 12% menor de desenvolver infeções do trato respiratório em comparação com aquelas que receberam placebos.
Nos Estados Unidos, na Universidade de Medicina de Chicago, que atende uma população maioritariamente negra e hispânica no lado sul de Chicago, os investigadores foram rever os registos médicos de mais de 4 300 pacientes, muitos deles profissionais de saúde, que testaram positivo à Covid-19 em março e início de abril. Depois de controlarem fatores de risco que podem influenciar os níveis de vitamina D, como a idade, a raça e a debilidade crónica, descobriram que as pessoas com deficiência de vitamina D antes do início da pandemia tinham 77% mais hipóteses de ter um resultado positivo em comparação às pessoas que tinham níveis normais.
Na Grã-Bretanha, grupos étnicos minoritários, como os de ascendência africana ou do sul da Ásia, representam um terço de todos os casos confirmados de Covid-19 em tratamento intensivo, mesmo que representem apenas 14% da população. Pelo menos um grupo médico, a Associação Britânica de Médicos de Origem Indiana insistiu para que todos os profissionais de saúde britânicos de minorias considerassem tomar suplementos de vitamina D como prevenção.