O dilema está instalado há algum tempo, em muitas cabeças. Por um lado, temos o dever de ficar em casa. Por outro, há benefícios únicos num passeio breve (ou higiénico, como lhe chamaram as autoridades) para apanhar ar fresco. E uns raiozinhos de sol, claro. Num dia de primavera, então, torna-se ainda mais difícil resistir a essa tentação de sair mais tempo e para lá do compreensível. Mas há razões maiores do que o pensamento que explicam isso. É que parece não haver nada melhor para a nossa saúde.
Há muito que sabemos das maravilhas da vitamina do Sol, a vitamina D, imprescindível, por exemplo, para a saúde dos ossos e dos músculos. “Atualmente, há algumas evidências de que a exposição moderada à luz solar é também capaz de modular o sistema imunitário e melhorar a nossa saúde”, acrescenta Daniel González Maglio, professor da Universidade de Buenos Aires e investigador dessa área crescente de pesquisa que é a fotoimunologia.
Mas nada de confusões em relação ao coronavírus: nada disto quer dizer que uma dose diária de luz solar afaste o Sars coV-2 das nossas vidas. O que os cientistas começam agora a descobrir é que a exposição ao sol tem muitos outros benefícios, que também são muito importantes em tempos de pandemia. Desde melhorar o humor, a qualidade do sono e até fortalecer as defesas inatas do corpo contra uma variedade de patógenos.
Os benefícios da luz solar
A confirmação científica de um impacto positivo da luz solar na saúde humana até pode surpreender-nos, mas há quem esteja convencido de que já não seria grande novidade para os nossos antepassados. É o que defende o britânico Richard Hobday, autor de O Sol que Cura: Luz Solar e Saúde no século XXI., já publicado também em livro. “Hipócrates, o pai da medicina, dizia mesmo que, se desenhássemos uma cidade de forma orientada para o sol, a sua população não teria tantas doenças”, sublinha.
E a verdade é que, ao longo da história e em todo o mundo, a luz solar tem sido adorada pelas suas propriedades para a nossa saúde. São crenças que começaram a receber validação científica logo no início do século XX. Foi nessa altura que a luz solar foi propositadamente usada para matar as bactérias da tuberculose e tratar a doença provocada pela sua falta, o raquitismo. Inspirados por outros defensores do sol, como a enfermeira Florence Nightingale, hospitais e sanatórios foram projetados com grandes janelas e enorme claraboias. Tudo de forma a maximizar a exposição ao sol dos pacientes.
A prática fez depois sucesso durante o combate à pandemia de gripe espanhola, entre 1918 e 1919. Os pacientes que eram regularmente levados a apanhar sol tiveram taxas de mortalidade mais baixas do que os que ficaram em ambientes fechados, enfermarias escuras e com pouca ventilação, avança o mesmo Hobday, a propósito de um estudo publicado no American Journal of Public Health.
No rasto de uma vitamina muito especial
Mais recentemente, o sol ganhou outro lugar nas nossas vidas desde que se conheceu melhor o papel complexo da vitamina D para a biologia humana. E, embora os seus mecanismos não sejam totalmente conhecidos, sabe-se por exemplo, que a sua falta pode enfraquecer a capacidade do nosso corpo para combater infeções.
Era isso que já indicava o estudo assinado por Michael Holick, professor de medicina da Universidade de Boston. Segundo esse documento, a vitamina D aumenta a expressão de centenas de genes muito importantes na regulação da função imunitária. E isso explica que tenha recomendado a toma de suplementos com aquela vitamina. (Mas, atenção, não faça nada disto sem consultar o médico, porque também há evidências de que uma sobredosagem pode causar problemas renais e outras complicações.)
Daí que, pondo na balança os seus prós e contras, JoAnn Manson, chefe da medicina preventiva do Brigham and Women’s Hospital de Boston e professora em Harvard, insista que o melhor é passar algum tempo ao ar livre e à luz do sol. “A atividade física ao ar livre não só ajuda as pessoas a manter o peso adequado como reduz o risco de diabetes e doenças cardíacas, beneficia a saúde óssea, reduz o stress e ainda melhora o bem-estar emocional. A lista de benefícios da atividade ao ar livre é mesmo muito extensa”, insiste. Essa exposição à luz do sol permite ainda que a pele crie óxido nítrico: “o que reduz a pressão sanguínea e melhora a saúde cardiovascular”, remata.
Como contornar os riscos
Agora, os contras. É que, apesar de se saber que um pouco de luz solar faz bem à saúde, lembre-se que não quer dizer que não tem riscos. “Demasiada exposição também suprime a nossa capacidade de detetar e atacar células malignas com eficiência, o que pode aumentar o risco de cancro de pele”, avisa ainda Magli – o mesmo que, umas linhas mais acima, nos recordou o poder da luz solar para melhor a nossa saúde.
É por isso que, sublinha, que há regras para permanecer ao sol com segurança, consoante a estação do ano e a hora do dia (e isso também explica os múltiplos avisos, ditos e repetidos em tempo de praia, para não nos expormos durante o período de maior calor).
Assim, só temos de seguir todos os cuidados para que essa exposição beneficie também o nosso relógio circadiano, o regulador interno da vigília e do sono, como lembra Mariana Figuero, do Instituto Politécnico Rensselaer em Troy, Nova York. É que, explica, sem isso, podemos entrar numa espécie de jet lag permanente, ficando mais irritados e deprimidos.
Mas, num momento em que ainda nos pedem para permanecer em casa, o que recomendam os cientistas? “Se puder trabalhe de frente para uma janela, principalmente de manhã. Pode socorrer-se do maior número de candeeiros que puder para obter luz suficiente para estimular o sistema circadiano – e não, não precisa de nenhuma lâmpada especial, explica ainda Figuero. Diz a especialista que a iluminação incandescente comum já emite os comprimentos de onda da luz que precisamos para ajudar a ajustar o nosso relógio biológico.
É preciso ter ainda atenção, acrescenta aquela especialista, para aproveitar a luz da manhã – a que nos ajuda a ter uma boa noite de sono, mais tarde – e não o fazer mais ao fim do dia. Porque aí, avisa, tem o efeito oposto. “Desligue ou diminua as luzes e a exposição à luz pelo menos duas horas antes de dormir. Porque é quando o corpo começa a produzir melatonina, o que diz ao corpo que é de noite e hora de dormir”.
Uma ajuda contra o coronavírus?
Desde o início da pandemia que há quem alimente a esperança de que o sol pudesse ter um papel decisivo na eliminação deste novo coronavírus – como se sabe ocorrer com outros vírus, segundo um estudo recente de Paul Dabisch, especialista em aerobiologia do Departamento de Segurança Interna.
São análises que, em parte, podem explicar porque a transmissão da gripe é mais baixa durante o verão, quando as pessoas passam mais tempo ao ar livre e ao sol. “Será uma conjugação de fatores”, sublinha Dabisch, “a luz sol parece reduzir a ação do vírus, mas a vitamina D também parece ser eficaz na prevenção de infeções”.
Assim, mesmo que sejam poucos os cientistas a acreditar que o sol possa ser a arma mágica contra a pandemia, já está mais que demonstrado que a luz solar é de grande ajuda para sermos mais felizes e saudáveis. E é disso que precisamos agora, certo?