Idosos e portadores de doenças cronicas (como diabetes, hipertensão, asma) estão entre os principais grupos de risco da Covid-19. Para além de mais vulneráveis, estes grupos representam uma percentagem cada vez mais elevada do número total de óbitos. No entanto, no último mês, aumentou o registo de casos de jovens e pessoas saudáveis infetados pelo novo coronavírus que acabaram por não resistir à doença. Para resolver o mistério, os especialistas acreditam que o ADN pode ser a chave.
Neste momento, estão já em andamento vários projetos internacionais que procuram explicar por que razão os jovens e as pessoas saudáveis podem também morrer da Covid-19. O método seguido por todas as investigações é comum: comparar o código genético dos doentes gravemente atingidos pelo novo coronavírus com o ADN dos pacientes assintomáticos. Os especialistas acreditam que as descobertas podem impulsionar novos avanços na identificação das pessoas com maiores riscos, assim como abrir uma janela de oportunidades para novos tratamentos. É ainda difícil prever resultados, dizem os investigadores. No entanto, há nesta altura algumas suspeitas que parecem bastante óbvias para a comunidade científica: é o caso de um grupo de genes que determinam nas células humanas a produção da proteína ACE-2 (Enzima Conversora da Angiotensina 2), que funciona como porta de entrada do corpo humano ao novo coronavírus, através das vias respiratórias.
Em cima da mesa está a possibilidade de estes genes produzirem variações na proteína ACE-2 que facilitam (nuns casos) e dificultam (noutros) a entrada do Sars-Cov-2 nas células humanas, explicou à revista Science o imunologista Philip Murphy, do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas, onde há pouco tempo foi identificada uma mutação relativamente comum numa outra proteína da superfície celular humana, CCR5, que torna algumas pessoas altamente resistentes ao vírus da SIDA (VIH).
No entanto, neste momento, as conclusões são bastante preliminares. “Por enquanto, não sabemos quais os genes que podem tornar as pessoas mais suscetíveis à infeção grave da Covid-19, mas, tendo em conta o ritmo da pandemia, os investigadores podem identificar possíveis candidatos dentro de alguns meses” adiantou à revista Science Andre Genna, especialista em Genética no Instituto Universitário de Helsínquia, na Finlândia.
Para Jean-Laurent Casanova, pediatra e investigador na Universidade de Rockefeller (EUA), estas teorias são já velhas conhecidas. Há anos que investiga o impacto das alterações genéticas no sistema imunológico humano. “Algumas pessoas têm variações genéticas que as tornam vulneráveis a um vírus particularmente silencioso até ao momento em que o paciente é atingido por esse vírus específico”, explicou o pediatra ao DailyMail.
Recentemente uma equipa de investigação de Universidade de Rockefeller acompanhou um desses casos: uma criança gravemente afetada pelo vírus da gripe. Apesar de não ser muito comum, Casanova descobriu que a criança apresentava uma variação genética que impedia o sistema imunitário de disparar o alarme para o resto do corpo. Esta anomalia no ADN impediu que o organismo da criança produzisse uma resposta adequada face à ameaça. O mesmo aconteceu em alguns casos de pacientes extremamente vulneráveis à tuberculose estudados pelo pediatra. Nesses casos particulares, o médico identificou deficiências em células de sinalização chamadas Interferon – e para as quais já existe um substituto farmacológico, o que significa que este tipo de descobertas pode levar à prevenção e tratamento destes doentes.
Neste momento, o pediatra e toda a sua equipa procuram anomalias no ADN dos pacientes mais jovens ou em pessoas saudáveis infetadas pela Covid-19 a fim de encontrar o fator que leva à morte de alguns destes doentes. “Se resolvermos pelo menos alguns casos genéticos, hipoteticamente [poderá conter pistas para padrões] em pacientes gravemente afetados pela Covid-19”, podendo depois alargar essas conclusões. “Talvez por razões diferentes, o mesmo mecanismo de imunidade possa ser utilizado em pacientes mais velhos”, concluiu o pediatra.
Neste momento, os especialistas estão a reunir a maior quantidade possível de dados genéticos através de biobancos espalhados por todo o mundo. Há pelos menos uma dúzia de instituições na Europa e nos Estados Unidos que já manifestaram o interesse em contribuir com informações genéticas de pacientes infetados pela Covid-19. O Biobank do Reino Unido, um dos maiores do mundo, a empresa islandesa deCODE Genetics e o Personal Genome Project, da Universidade de Harvard, são alguns exemplos. Há também especialistas que procuram estes dados diretamente nos hospitais. É o caso da investigadora italiana Alessandra Renieri, da Universidade de Siena, que espera obter uma autorização de que pelo menos 11 hospitais do país para que a sua equipa possa recolher os dados genéticos dos pacientes infetados com Covid-19.
Além das variantes genéticas, outros cientistas estão também nesta altura a participar numa investigação comandada por uma equipa chinesa que recentemente avançou que os pacientes com a marca sanguínea tipo O podem estar protegidas contra o novo coronavírus.
Tais descobertas poderão apresentar um grande avanço e lançar respostas eficazes no combate à pandemia da Covid-19. No entanto, prevê-se que não seja imediato: “Seria no próximo ano, não nos próximos meses”, rematou Jean-Laurent Casanova.