Devido à rotura dos serviços de saúde, os médicos italianos têm enfrentado este dilema diariamente. Afinal, quem deve receber tratamento médico primeiro?
Os italianos têm seguido critérios utilitários, ou seja, os cuidados são direcionados para aqueles que têm maior probabilidade de beneficiarem deles. Tal significa que, se só houvesse um ventilador, ele seria usado na pessoa que tivesse a mais alta probabilidade de sobrevivência. O critério não seria, por exemplo, o paciente admitido em primeiro lugar.
Num artigo publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, o responsável pelo departamento de Ética Médica e Políticas de Saúde da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, Ezekiel Emanuel, sugere uma série de princípios éticos que devem enquadrar o racionamento dos cuidados de saúde especificamente durante a epidemia do coronavírus. O princípio base também é o do favorecimento daqueles que têm melhores perspetivas de recuperação.
O mesmo artigo defende que, em casos limite, a prioridade no tratamento deve ser dada aos profissionais de saúde, já que são essenciais para cuidar dos restantes doentes e garantir a sobrevivência do maior número de infetados.
Também se discute a valorização dos jovens em relação aos idosos: “Se duas pessoas tiverem prognósticos semelhantes, o facto de um jovem de 20 anos não ter tido ainda uma vida plena conta a seu favor”, afirmou o médico responsável pelo artigo ao jornal The New York Times.
Um estudo científico publicado em abril do ano passado antecipava um cenário de pandemia em que não existiam camas ou ventiladores suficientes. Os autores da investigação, entre eles estão vários investigadores da prestigiada Universidade de Medicina de Johns Hopkins, nos EUA, criaram vários grupos de discussão que debatiam a melhor forma de racionalizar os cuidados. No final, todos defendiam que os recursos fossem direcionados para aqueles com maior probabilidade de sobrevivência e com menos anos de vida.
Já o ex-diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, Tom Frieden, defende que “a chave é ser transparente sobre os princípios seguidos, salvar o maior número possível de vidas e garantir que variáveis como o dinheiro, a etnia ou a influência política não interferem na decisão.”
Outro princípio recomendado pelos especialistas em ética médica é não deixar as escolhas difíceis nas mãos dos médicos que estão na linha de frente. Em vez disso, devem ser definidos especialistas em triagem.
“Não há uma maneira perfeita de escolher quem recebe tratamentos que salvam vidas mas, em momentos como este, a sociedade pode perdoar mais facilmente decisões utilitárias”, defende o diretor do Instituto de Economia da Saúde de Alberta, no Canadá, Christopher McCabe.
Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, os soldados recebiam penicilina antes dos civis. Em Seattle, na década de 1960, o contributo social dos doentes estava entre os critérios usados para a alocação das máquinas de diálise.
A discussão tem um longo lastro histórico e, se surgir uma vacina e ela for escassa, também será debatido quem deverá ter acesso a ela primeiro.