Foram precauções sem precedentes e pretendiam limitar a propagação do coronavírus. Mas 80 mil infetados e 3 mil mortos depois, a curva de infeção começou a baixar. A razão: uma quarentena e todas as outras medidas de contenção impostas a toda a China.
Segundo uma investigação feita em Wuhan, onde a nova estirpe deste coronavírus surgiu pela primeira vez em dezembro, o isolamento forçado de milhões de pessoas pode ter causado mutações na composição genética do vírus. Os 11 milhões de moradores ficaram confinados às suas casas. Os transportes e outros espaços públicos foram encerrados. As medidas foram posteriormente estendidas a outras cidades da província, afetando quase 60 milhões de pessoas. O resultado pode ser este: uma mutação que provoque sintomas mais leves da doença, num estado inicial, tornando o vírus mais difícil de detetar.
É a explicação encontrada pelos especialistas Zhang Zhan e os seus colegas do Hospital Renmin da Universidade de Wuhan, depois de notarem uma tendência incomum entre os pacientes com Covid-19.
“Descobrimos que as características clínicas iniciais dos pacientes admitidos depois de 23 de janeiro começaram a diferir das dos pacientes admitidos antes”, disseram os médicos em um artigo enviado em 2 de março a um site administrado pela prestigiada The Lancet para pesquisas que ainda não foram publicadas. “Alguns sintomas como febre, fadiga, fleuma e dores musculares foram mais visíveis em pacientes internados até 23 de janeiro, mas menos em doentes que apareceram depois”.
Quem teve resultado positivo para o vírus depois daquela data não apresentou tanto aqueles sintomas: houve uma redução de 50% na febre, um declínio de 70% na fadiga e uma queda de 80% na dor muscular. A questão é que, apesar disso, não havia evidências de que a transmissão ou o agente tivesse enfraquecido. E isso, insistem agora, pode ser uma nova característica devido à mutação.
Agora, à medida que aquele coronavírus se espalha pelo mundo – matou mais de 4 700 pessoas e infectou mais de 130 mil, até agora -, os investigadores estão convencidos que ele continuará a mudar. Em Itália, por exemplo – o país mais atingido depois da China que agora também está em quarentena -, descobriu-se que o vírus partilha genes detetados anteriormente na Alemanha, mas que não foram vistos em amostras da China.
Um outro estudo da Universidade de Pequim e da Academia Chinesa de Ciências, publicado a 3 de março, chegara a uma conclusão semelhante. Ou seja, que os primeiros casos que pareciam ter evoluído para duas linhagens concorrentes – uma mais e outra menos agressiva. Essa nova estirpe estava na grande maioria das amostras recolhidas no início de janeiro, sugerindo que era mais infecciosa. Mas mostrou-se menos prevalente no resto da China e nos outros países.
É uma mudança que os investigadores atribuem agora às quarentenas de massa. “Esses esforços de intervenção humana podem ter causado pressão seletiva severa contra o tipo [agressivo]”, sublinharam.
Outro estudo liderado por Jiang Yongzhong do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da província de Hubei também chegou à mesma conclusão. “A composição genética do vírus mudou depois de terem sido impostas medidas de quarentena. Ocorreram mutações em todo o mundo, o que nos faz pensar que o vírus tem uma grande capacidade de adaptação”.