Em Portugal não há quaisquer regras definidas sobre quem pode realizar ecografias obstétricas. Qualquer médico, independentemente da sua capacidade, pode fazer estes exames às grávidas. A situação preocupa os obstetras há muito tempo. “Há 15 anos que os vários colégios de Especialidade de Obstetrícia e Ginecologista tentam resolver o assunto, através da definição da idoneidade. Isto é, tentam criar critérios que estipulem quem tem capacidade para fazer estas ecografias, mas não se conseguiu”, explicou à VISÃO Álvaro Cohen, o médico que foi recentemente nomeado por aquele colégio da especialidade para liderar uma comissão com o objetivo de resolver o assunto. “Em junho, ainda tivemos uma reunião mas não se avançou em mais nada”, explica, esclarecendo que em causa está a dificuldade em chegar a acordo com o Colégio de Especialidade de Radiologia, que tutela a área das ecografias.
Numa altura em que o país está chocado com o nascimento de um bebé sem nariz, sem olhos e sem parte do crânio, o médico admite que é urgente arranjar uma situação. “Temos de aproveitar estes casos para resolver o assunto ”, diz Álvaro Cohen, sublinhando que o problema impede que se garanta que só quem tem capacidade faça este tipo de exames. Ou seja, qualquer obstetra ou radiologista pode fazer estes exames apesar da sua complexidade. Além disso, impossibilita que se faça uma fiscalização rigorosa da prática clínica.
O médico Artur Carvalho, que acompanhou a mãe de Rodrigo, o bebé que nasceu a 7 de outubro no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, com todas estas malformações já tinha diversos processos a decorrer na Ordem dos Médicos. E em 2011 tinham sido já noticiados casos, com o mesmo clínico, em que as famílias tinham sido confrontadas com nascimentos de bebés com malformações graves – como sucedeu com Luana, uma bebé que nasceu no Hospital Amadora-Sintra sem queixo e com as pernas ao contrário: a mãe, Laura, tinha feito exames ecográficos com esse mesmo obstetra.
O caso que ocorreu agora está, como sucedeu com os anteriores, a ser investigado pela Ordem dos Médicos. Além disso, foi aberto um inquérito no Ministério Público. Artur Carvalho exerce no hospital público, mas também na sua clínica privada onde faz, através de protocolos com o Estado, ecografias a pacientes do Serviço Nacional de Saúde.
A falta de regras relativas às ecografias leva a que seja da consciência dos médicos aquilo a que se propõem fazer, admite Álvaro Cohen. Assim, alguns decidiram obter formação especializada e dedicar muitas horas do seu trabalho ou fazê-lo em exclusivo, e são conhecidos como especialistas em ecografias. Mas isso, explica,não é obrigatório. A dificuldade em definir regras resulta, segundo o também presidente da Associação Portuguesa de Diagnóstico Pré-natal do facto de os radiologistas não parecerem querer definir as regras do jogo. “Não vamos excluir os radiologistas”, avisa, explicando que a ideia é apenas obrigar a que quer os obstetras quer os radiologistas que queiram fazer ecografias a grávidas tenham certos requisitos. Segundo a Direção-geral de Saúde, são três as ecografias que devem ser feitas às gravidas: uma entre as 11 e as 13 semanas, em que se realizam medições, como o comprimento crânio-caudal e a medida da translucência da nuca; outra entre as 20 e as 22 semanas em que se faz o estudo morfológico e se analisa, entre outros, face e pescoço: órbitas, perfil, osso nasal, lábios, maxilares e prega da nuca e uma terceira, entre as 32 e 34 semanas em que se avalia o desenvolvimento, nomeadamente do perímetro cefálico, do perímetro abdominal e comprimento do fémur