“O arrependimento materno é uma posição emocional que pode ser acompanhada de enorme inquietação e enorme sofrimento. Para as mulheres que se arrependem de terem sido mães, pode ser insuportável, pois não só têm de seguir com a sua vida em permanente angústia, como praticamente não têm possibilidade de falar dos seus pontos de vista, pois, em teoria, não deveria haver arrependimento associado à maternidade”, escreve Orna Donath, que entrevistou 23 mulheres que se dizem arrependidas de serem mães, apesar do amor pelos filhos.
Com edição portuguesa desde julho, o livro mães arrependidas nasceu da tese de doutoramento da autora, de 39 anos, uma análise sociológica sobre o tema.
“A busca pelas causas para a falta de reconhecimento do arrependimento associado à maternidade tem de começar com uma observação atenta das regras emocionais que nos ditam que esferas e que situações sociais permitem, e até esperam, expressões de arrependimento, e quais as que exigem a sua supressão. Assim, esta discussão não se pode fazer sem olhar para o modo como a sociedade lida com o tempo e com a memória, uma vez que o arrependimento é uma posição emocional que faz a ponte entre o passado e o presente entre o tangível e o recordado”, explica, antes de transcrever algumas perguntas e respostas. São muitas, no livro. Aqui fica um pequeno excerto:
“Foi um erro terrível”: Os pontos de vista das mulheres
Durante as entrevistas fiz a seguinte pergunta a todas as participantes no estudo: “Se pudesse recuar no tempo, sabendo o que sabe hoje e com a experiencia que tem teria sido mãe/tido filhos?”
Todas as mulheres responderam de forma negativa, embora de modos diferentes:
Sky (mãe de três filhos, dois entre os 15 e os 20, e outro entre os 20 e os 25 anos):
“Se pudesse voltar atrás, hoje, tenho a certeza de que não teria trazido filhos ao mundo. Isso é completamente claro para mim.”
Susie (mãe de duas filhas entre os 15 e os 20 anos) respondeu ainda antes de eu ter terminado a pergunta:
“Não teria tido filhos, ponto final, sem dúvida. […] Eu digo sempre que cometi três grandes erros na minha vida: um foi escolher o meu antigo companheiro, o segundo foi ter filhos com ele e o terceiro foi ter filhos de todo”
Doreen (mãe de três filhos entre os 5 e os 10 anos) respondeu de forma veemente mesmo antes de eu ter terminado a pergunta:
“Doreen: Abdicaria inteiramente de ter filhos.
Eu: Os três?
Doreen: Sim. Custa-me muito dizê-lo, e eles nunca o ouvirão da minha parte. Nunca lhes seria possível compreendê-lo, nem quando tiverem 50 anos, ou talvez nessa altura, mas não sei. Abdicaria deles. Mesmo. Sem pestanejar.”
Carmel (mãe de um filho entre os 15 e os 20 anos):
“Tive-o quando tinha 25 anos. Para mim, é claro como água que, se soubesse o que sei hoje – sobre mim e sobre o mundo –, não o teria tido. Claro e simples. […] Não passa um dia sem que eu dê graças por só ter um. Não passa um dia em que eu não diga “Tenho a sorte de só ter um”. E isto é depois de dizer “E uma pena ter tido um, sequer”. […] Preferia não ter.”
Debra (mãe de dois filhos entre os 10 e os 15 anos):
“Perguntou-me se eu pudesse voltar atrás… sem dúvida alguma quem não teria tido filhos. Embora eles sejam fantásticos e amorosos e as suas dádivas sejam incríveis. Não desvalorizo isso. Eles acrescentam uma dimensão à minha vida que não existiria de outro moda Mas se eu pudesse voltar atrás sem sentir culpa e todas estas obrigações? Não teria optado por este caminho.”
Odelya (mãe de um filho entre 1 e os 5 anos):
“Para mim, é um erro. Quer dizer, é um erro. Porque é uma obrigação, e eu quero viver a minha vida, e tenho tantos planos. […] É por isso que me arrependo, porque podia ter feito outras coisas que são importantes para mim.”
Erika (mãe de quatro filhos entre os 30 e os 40 anos, e também avó):
“Posso dizer hoje, em retrospetiva, que vale a pena os 30 anos de sofrimento? Absoluta, definitiva e certamente [gesticula para sublinhar a negação veemente] que não. Não. Fá-lo-ia de novo? Nunca. Se pudesse escolher hoje, então talvez tivesse um rapaz ou uma rapariga, é indiferente.”
Eu: Porque é que não repetiria a experiência?
Erika: “Porquê? Eu digo-lhe. Porque não tive um único dia na vida que fosse fácil. E eu não venho de uma família com dificuldades. Não é uma questão de dinheiro. Nunca houve um dia em que fosse fácil criar os meus filhos. Nunca.”
Brenda (mãe de três filhos entre os 20 e os 25 anos):
“Em retrospetiva, não teria tido um filho sequer.”
Bali (mãe de um filho entre 1 e os 5 anos):
Eu: Se pudesse “fazer recuar os ponteiros do relógio”?
Bali: Com aquilo que sei hoje, faria recuar os ponteiros. Mas como os ponteiros já avançaram, não mudaria as coisas. Porque a vida dela pertence-lhe.
Eu: O que quer dizer com isso?
Bali: Que agora estou aqui para cuidar de alguém e não apenas para a minha própria fruição. É uma responsabilidade com a qual eu adoraria não lidar, mas já a assumi.”
Jasmine (mãe de um filho entre 1 e os 5 anos):
“Não o suporto, ser mãe. Não suporto este papel. […] Posso dizer com toda a certeza que, sim, se eu soubesse há três anos o que agora sei, não teria tido um filho. Não teria tido.”
Helen (mãe de dois filhos entre os 15 e os 20 anos):
“Começou hoje. Com esta idade, agora é que começo a sentir. A Orly foi sempre independente e madura… e o Eran foi agora fazer o serviço militar.., começo a sentir liberdade. Mesmo. É o melhor para mim. Contudo, se for absolutamente franca comigo mesma… pessoalmente, preferia viver sem filhos.”
Sophia (mãe de dois filhos entre 1 e os 5 anos):
“Mesmo hoje, numa altura em que têm 3 e 5 anos, se me dissesse “Imagine que o génio da lâmpada lhe aparecia e perguntava ‘Desejas que os faça desaparecer como se nada tivesse acontecido?”. A minha resposta seria sim, sem hesitar.”
Sunny (mãe de quatro filhos, dois entre os 5 e os 10 anos, e dois entre os 10 e os 15 anos):
“Acho que não o faria. Nunca diria isto aos meus filhos, e eles sabem que faço tudo por eles, eles sabem que frequentemente faço sacrifícios por eles, mas eu… [sorri] não teria embarcado neste projeto outra vez. Especialmente sabendo que me divorciaria depois e que o peso ficaria todo sobre os meus ombros. Há outras circunstâncias que o dificultam ainda mais: tenho dois filhos com necessidades especiais, o que torna tudo mais difícil.”
Liz (mãe de um filho entre 1 e os 5 anos):
“Provavelmente não. Provavelmente não. Uma vez mais, é-me difícil dizê-lo, porque acho que irá melhorar, talvez mude – mas costumo dizer que o que conta são as ações e não as palavras e, na verdade, vejo que é um fardo para mim, «Mamã, mamã, mamã, mamã» a toda a hora. Vai ter com a tua mãe, deixa-me em paz [risos]. Olho apenas para o que está a acontecer e não para o que acho que é a coisa cultural ou moralmente correta a pensar, sobre a sorte que tenho e como as coisas são…”
Grace (mãe de dois filhos, um entre os 5 e os 10 anos, e um entre os 10 e os 15 anos):
“Hum, sabe que mais? Abdicaria frisos]. Até abdicaria desta ansiedade. É uma intensidade de emoções. Quando penso no que ainda tenho pela frente, sem dúvida que estaria disposta a abdicar disso. Mas, enfim, precisaria de saber aquilo que sei hoje.”
Edith (mãe de quatro filhos, dois entre os 25 e os 30 anos, e dois entre os 30 e os 35 anos, e também avó):
“Nem pensar, como se costuma dizer. A menos que, sabe, se eu tivesse concluído os meus estudos de Medicina, talvez nessa altura, se eu tivesse uma carreira e tudo o mais? Mas não creio. Para quê?”
mães arrependidas, Orna Donath, Bertrand, 2017