É claro que já ouviste falar do Terramoto. Do Terramoto com «T» grande. Esse, o de 1755. Se calhar, até já sentiste sismos pequenos, dos muitos que ocorrem quando duas placas tectónicas se afastam ou aproximam uma da outra. E, nesse caso, assustaste-te um bocadinho. Mas nada que se compare ao grande terror experimentado pelos habitantes de Lisboa e do Sul de Portugal naquela manhã de 1 de novembro de 1755, há mais de 260 anos. Nadinha, mesmo!
Agarra-te bem e escuta. Nesse Dia de Todos os Santos, feriado religioso, quase todos os moradores de Lisboa tinham ido à missa e deixado as lareiras acesas em casa. Estava frio e, além disso, naquele tempo em que ainda não havia gás nem eletricidade, as lareiras serviam sobretudo para cozinhar. As panelas tinham ficado ao lume porque almoçava-se cedo. E foi então que, de repente, aí pelas nove e meia, o chão começou a tremer assustadoramente e se ouviu um ronco sinistro a sair das entranhas da terra. Os prédios (alguns de quatro ou cinco andares) desabavam, abriam-se fendas nas ruas, havia pessoas que eram engolidas soltando gritos.
Imagina o pesadelo! E durou uns intermináveis seis minutos.
Agora, o ‘tsunami’!
Quando aquilo parou já havia mortos e ruínas por todo lado. Mas mais desgraças estavam para acontecer. Ao longo da manhã fizeram-se sentir fortes réplicas ao sismo, enquanto as ruínas ardiam, pois o fogo das lareiras transmitira-se às vigas de madeira que suportavam os telhados. O incêndio duraria alguns dias, pois como não havia bombeiros como hoje, as pessoas, aterrorizadas e sem meios de combate às chamas, não tinham mãos a medir.
E, para que nenhum elemento sinistro faltasse neste autêntico «filme» de terror, um tsunami da altura de um prédio de três andares abateu-se daí a pouco sobre a Baixa lisboeta. Muitos dos que não morreram esmagados ou engolidos perderam a vida queimados, sufocados ou afogados. Um autêntico inferno! Foi o maior sismo de que há memória em Portugal.
Segundo as estimativas, terão morrido em Lisboa pelo menos 10 mil pessoas, mas há quem fala de 30 mil. Não havia ainda escalas de medição de sismos, mas a avaliar pelos estragos, o abalo terá atingido o grau 9 na escala de Richter. Quanto à localização do epicentro, julga-se que tenha sido na Crista de Gorringue, um maciço montanhoso submarino a umas 120 milhas a sudoeste do cabo de São Vicente – aliás, como o do forte abalo de 1969, de que os teus avós, se calhar, já te falaram (se não o fizeram, puxa tu pelo assunto…).
Coisa muito badalada
O grande Terramoto de Lisboa foi muito falado em toda Europa naqueles meados do século XVIII e pôs as pessoas cultas a refletirem. Numa época muito voltada para a filosofia, o francês Voltaire e o alemão Kant fartaram-se de escrever sobre esta desgraça. O primeiro descreve-a no seu maravilhoso romancezinho Cândido e no Poema sobre o desastre de Lisboa; o segundo dedicou-lhe três textos cheios de palavras compridas. Pode até afirmar-se que a sismologia moderna tem as suas raízes no terramoto de 1755. O Marquês de Pombal, o poderoso ministro do rei D. José, contribuiu muito para isso, mandando fazer um inquérito em que os lisboetas tinham de responder a perguntas acerca da maneira como tinham sentido o fenómeno.
É, aliás, ao Marquês de Pombal (que por sorte, escapou sem uma beliscadura, apesar de estar no Bairro Alto) que se deve a reconstrução da cidade com ruas largas e retas e praças amplas. O País tinha então muito dinheiro, por causa do ouro que vinha das minas do Brasil. Desta reedificação resultou a Baixa como hoje a conhecemos, onde antes só havia becos como os de Alfama. D. José também sobreviveu ao sismo, porque a essa hora estava em Belém, onde o abalo quase não se fez sentir (como mostra o facto de os Jerónimos e a Torre de Belém terem ficado intactos). Mas apanhou um tal susto que decidiu passar a morar num palácio de madeira montado no alto da Ajuda, que ficou conhecido por «Real Barraca».