Muito se falou do efeito positivo da pandemia no ambiente, devido a uma queda sem precedentes das emissões de gases com efeito de estufa. Mas a melhor notícia para o planeta foi a derrota de Donald Trump nas eleições americanas. Em 2017, o ainda Presidente dos EUA assinou a retirada do país do Acordo de Paris, que se efetivou a 4 de novembro de 2020 (ironicamente, um dia após as eleições). Durante quatro anos, enquanto a maior parte do mundo se unia em torno de um bem comum, numa espécie de competição para encontrar o campeão da sustentabilidade, Washington fazia o papel de aldeia gaulesa, irredutível nos apoios à indústria fóssil, sob a capa da proteção dos empregos. A própria crise provocada pela Covid-19 foi usada por Trump como justificação para suspender leis de proteção ambiental, considerando-as obstáculos ao investimento.
Esses tempos estão a chegar ao fim. Joe Biden pretende fazer da luta contra as alterações climáticas uma das suas prioridades, começando precisamente com o regresso do país ao Acordo de Paris já no início do ano. Mas o plano vai mais longe, apontando para a neutralidade carbónica em 2050 e a produção de toda a eletricidade sem emissões de gases com efeito de estufa já em 2035, entre outras metas ambiciosas – se conseguir passar pelo Senado, onde os Republicanos (mantendo os dois senadores da Geórgia nas eleições de janeiro) terão a maioria.
Se tudo correr como previsto, os EUA estão prestes a juntar-se aos esforços coletivos para limitar o aquecimento médio global a menos de 2ºC (com a meta ideal de 1,5ºC). A União Europeia há muito que definiu a neutralidade carbónica como objetivo para 2050, enquanto a China surpreendeu muita gente ao anunciar o mesmo, em setembro, para 2060.
Tudo depende, no entanto, do relançamento económico. Já na crise de 2009, muitos países prometeram medidas sustentáveis de crescimento e não cumpriram. À recessão seguiu-se um aumento que mais do que compensou a queda de emissões nesse ano. Talvez agora seja diferente: o pacote de estímulos da UE, por exemplo, tem uma fatia de 30% para aplicar em projetos de mitigação das alterações climáticas e deixa de fora subsídios à indústria fóssil.
As contas apresentam-se em novembro, na Conferência das Partes da ONU, em Glasgow, Escócia, que deveria ter tido lugar em 2020 mas foi adiada devido à pandemia. Nessa altura, os países farão um ponto da situação das suas medidas de redução de emissões e apresentarão novas metas.
Há um caminho tortuoso a trilhar. Em 2019, o movimento global que exigia mudanças parecia imparável, até a pandemia ofuscar tudo o resto. Espera-se que, debelada a Covid, regresse com o mesmo ímpeto. Mas desengane-se quem julgava que a queda de emissões causada pela crise resolveria o problema. Não só será menor do que o esperado – 7% e não 8%, como indicavam as primeiras previsões, o que corresponde a um abrandamento de apenas 0,01ºC no aquecimento global previsto para 2050 – como já há sinais de uma subida rápida das emissões. Os últimos indicadores apontam para que a China, o maior emissor mundial, registe no final de 2020 um crescimento das emissões face a 2019, apesar da crise económica e dos confinamentos…
EUA
Os desafios de Biden
Depois de quatro anos de polémicas, memes e tweets, o mundo vai voltar a escrutinar o caminho que os EUA vão escolher para o futuro. Com Joe Biden, o país deverá seguir três importantes pilares políticos: reatar relações exteriores, retomar acordos internacionais e dotar de mais confiança as instituições não militares. Covid-19, recuperação económica, causas sociais e mudanças climáticas são as quatro bandeiras que Biden está a promover junto do eleitorado, através, por exemplo, da equipa dedicada ao novo vírus ou da diversidade da sua Administração. O democrata vai reverter algumas das ações de Trump de forma a “apagar” as decisões do seu antecessor por considerar terem tido efeitos negativos na diplomacia americana. O regresso aos compromissos da OMS, do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e do acordo nuclear com o Irão são algumas das prioridades do próximo ano. Ainda assim, um dos maiores desafios de Biden será o de voltar a unir os americanos depois da polarização das eleições de novembro. Os especialistas acreditam que a resposta do Presidente à crise pandémica e económica durante 2021 vai ser fulcral para uma futura reeleição. “Nós podemos salvar muitas vidas nos próximos meses”, disse. O ano de 2021 vai mostrar se estará à altura do desafio.
Alemanha
Quem se segue a Merkel?
Em outubro de 2021, Angela Merkel vai abandonar o cargo de chanceler, após 16 anos consecutivos a liderar o Governo de Berlim. A escolha de quem irá suceder-lhe será feita, já em janeiro, entre os militantes da União Democrata-Cristã. Os principais candidatos são Armin Laschet, Friedrich Merz e Norbert Röttgen, no que promete ser uma corrida renhida. Por sua vez, o partido da oposição − os sociais-democratas − já escolheu o seu candidato para as eleições de setembro: Olaf Scholz, atual ministro das Finanças. Perante estas eleições fulcrais para o futuro da Alemanha − e de toda a Europa − um tema estará no centro do debate: o clima. De acordo com uma sondagem da Clean Energy Wire, a maioria dos alemães afirmou que as políticas climáticas serão decisivas para escolher o seu candidato. Esta importância explica-se porque o sucessor de Merkel terá de definir o rumo para atingir a neutralidade climática até 2050 e, paralelamente, continuar a lidar com o impacto da pandemia de Covid-19. Merkel foi, durante anos, uma das principais caras da União Europeia − resta saber se o futuro líder alemão será capaz de continuar este seu trabalho diplomático.
China
Em busca do domínio económico
Perante a perplexidade de um mundo assolado pelo impacto devastador da pandemia de Covid-19, a China surpreendeu todos ao conseguir atingir um crescimento económico (ainda que modesto) em 2020, contrariando a recessão mundial. Este crescimento deveu-se, em grande medida, às suas exportações, que incluíram produtos ligados à Covid-19, como máscaras e desinfetantes, que responderam às crescentes necessidades globais, mas também aparelhos de TV e outros produtos eletrónicos. O investimento no país foi igualmente fulcral para este sucesso, em particular nas infraestruturas e no ramo imobiliário. Depois deste ano atípico, vários economistas preveem que a economia chinesa vai aumentar de forma exponencial em 2021, podendo atingir uma subida de 8% ou 9% − valores mais do que suficientes para atingir o objetivo anual de Xi Jinping, que pretende duplicar o PIB do país até 2035. Aliada a um dólar cada vez mais frágil, que lhe dá uma vantagem perante os EUA, a economia chinesa pode vir a ultrapassar o PIB combinado de toda a União Europeia no próximo ano, consoante o crescimento económico na Zona Euro. Será que, em 2021, os EUA e os seus aliados vão unir-se para tentar impedir a hegemonia económica chinesa?
África
O continente vai continuar esquecido?
A pandemia veio afirmar a necessidade de ajuda das grandes potências aos países que têm de lidar com a subnutrição. O líder do Programa Alimentar Mundial da ONU fez saber que “vamos ter fomes de proporções bíblicas em 2021” e que, aos 135 milhões de vítimas deste flagelo, estima-se que a pandemia acrescente mais 130 milhões de pessoas. Ao todo, serão cerca de 20 os países a enfrentar picos de fome, principalmente neste continente. Além da falta de alimentos, os conflitos armados vão marcar o ano na região. Na lista, figuram Moçambique e Etiópia, dois territórios que vão exigir maior atenção por parte do poder político e das ONG. Em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, os ataques à população por parte de grupos radicais têm sido frequentes e a UNICEF já alertou para a vulnerabilidade de 250 mil crianças deslocadas. Também na Etiópia a fuga parece ser a única solução para a violência armada. Nos últimos meses, as pessoas estão a abandonar o Norte do país e a refugiar-se nos territórios vizinhos devido a uma querela que os especialistas acreditam que vai durar muitos anos e que só acabará com a mudança de Governo. Em ambos os casos, os esforços para a manutenção da paz ainda não foram suficientes e teme-se que possam evoluir para guerras civis.
Irão
Incógnita nuclear
Hassan Rouhani, atual Presidente do Irão, despede-se do cargo em junho, depois de dois mandatos à frente de um país que marcou a atualidade no Médio Oriente. Nos últimos oito anos, o político travou várias guerrilhas internas, entre as quais os protestos de 2017 e de 2019, em que se ouviam cânticos generalizados, como “morte a Rouhani”. Na política iraniana, deu resposta aos problemas nacionais da melhor forma que soube – nem que para isso tivesse de recorrer à violência ou a execuções. Ainda assim, foi em matéria de política externa que o chefe de Estado se destacou. No tempo da Administração Obama houve um esforço para a normalização das relações entre ambos os países, que rapidamente se afundou devido à inimizade com Trump. A rutura do acordo nuclear fez estalar o verniz entre Teerão e Washington e colocou o Presidente iraniano sob fogo. As sanções económicas impostas pelos EUA e a pandemia levaram a um enfraquecimento da economia, mas agora a prioridade é outra. Depois das eleições americanas, Rouhani já mostrou a intenção de ver Biden retomar o acordo nuclear, o qual concordou com a proposta. Resta saber se os EUA regressam nos mesmos moldes ou se vão impor um novo pacto, com mais exigências.
Israel
Quarta eleição em dois anos
Em maio de 2020, Benjamin Netanyahu conseguiu finalmente estabelecer um Governo em Israel, graças a uma coligação com Benny Gantz, do Partido da Resiliência de Israel. Após três eleições seguidas que resultaram em constantes impasses e bloqueios políticos, os termos do acordo de coligação ditavam que Netanyahu ocuparia o cargo de primeiro-ministro até novembro de 2021, sendo aí substituído por Gantz. No entanto, a coligação durou apenas sete meses: em dezembro, Netanyahu “rasgou” o acordo ao bloquear uma proposta essencial para os parceiros de coligação. Assim, em 2021 o país prepara-se para ir às urnas pela quarta vez em dois anos. O mandato de Netanyahu foi caracterizado por uma forte contestação, face à má gestão da pandemia de Covid-19 e, paralelamente, ao facto de ser o único primeiro-ministro da História do país a enfrentar acusações de corrupção em tribunal. Apesar disso, Netanyahu conseguiu algumas vitórias de política externa ao longo do mandato: em 2020, Israel assinou acordos de paz com os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein, Marrocos e o Sudão, graças à ajuda de Donald Trump. Em 2021, é expectável que os israelitas procurem assinar este tipo de acordos com outros países árabes.
Reino Unido
As incógnitas do pós-Brexit
As negociações do Brexit terminaram com um acordo assinado ao cair do pano entre Boris Johnson, chefe do Governo britânico, e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Apesar de o acordo estar longe de ser aquilo que as duas partes visionaram no início do ano, este deverá constituir uma base para futuros compromissos entre o Reino Unido e a União Europeia. Em 2021, as duas partes poderão debater os termos de matérias como comércio de serviços, proteção de dados ou política externa − três questões omitidas no acordo de saída da União. Por outro lado, 2021 também será ano de eleições na Escócia, num ano em que se marca o centenário do desmembramento da Irlanda. A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, afirmou que o acordo do Brexit “aconteceu contra a vontade da Escócia”: a maioria dos escoceses votou contra a saída da Escócia da União Europeia, em 2016. Sturgeon pretende aprovar, antes das eleições parlamentares de 2021, legislação para realizar um novo referendo à independência. Caso o seu partido, o Partido Nacional Escocês, vença estas eleições, o Parlamento britânico pode ser forçado a ceder a sua posição à pressão de Edimburgo e a avançar para o segundo referendo do século à independência escocesa.
Hong Kong
Democracia em risco
Em 2020, o Governo da China introduziu a nova lei de segurança nacional em Hong Kong. Foi o fim do tratado assinado entre o país e o Reino Unido, em 1984, que garantia um modelo de autonomia a Hong Kong caracterizado por “um país, dois sistemas.” Ao longo de 2020, a cidade tem assistido a detenções em massa de ativistas pró-democracia, considerados dissidentes pelo Governo chinês. A par destas detenções, o Governo de Hong Kong adiou as eleições para o Conselho Legislativo um ano, para setembro de 2021. Esta alteração, alegadamente realizada devido à pandemia, foi percecionada como outra agressão à democracia. Perante esta progressiva repressão, aliada ao facto de Pequim ter garantido poderes às autoridades de Hong Kong para demitirem políticos que sejam considerados uma ameaça à segurança, os legisladores do Partido Democrata do Conselho Legislativo de Hong Kong demitiram-se em massa, como forma de protesto. Graças a estas demissões, o Conselho ficou dominado por legisladores que servem os interesses de Pequim. Caso os legisladores pró-democracia se mantenham fora do jogo político, as eleições de 2021 consolidarão o domínio do Partido Comunista de Xi Jinping sobre a antiga colónia britânica.
América Latina
O futuro vai a votos
É em clima de instabilidade que milhões de pessoas vão a eleições no próximo ano em três países da América Latina. O Peru vai escolher um novo chefe de Estado depois da recusa em convocar eleições antecipadas e continua a somar presidentes interinos numa das maiores crises políticas da História do país. Mais a sul, os chilenos vão colocar à prova a nação mais estável e favorável aos negócios estrangeiros da América do Sul. Depois de mais de 30 anos de crescimento económico, os tumultos e confrontos, em conjunto com o confinamento, tiveram um grande impacto nas finanças do país, o que se pode agravar (ou não) com a escolha de um novo Presidente. Já no México, as eleições intercalares vão ser a prova de fogo ao mandato de López Obrador, eleito à primeira volta em 2018, mas que tem gerado indignação pela forma como está a lidar com a pandemia. Só no último trimestre de 2020, o Peru viu cair dois presidentes, o Chile alterou a Constituição e o México adulterou os números de infetados pelo novo coronavírus para evitar o confinamento. A esperança é a de que os sufrágios diminuam o atrito social numa das zonas do mundo com mais instabilidade política e encontrem consenso junto do eleitorado em ano de crise económica.