Tem uma garrafa de água no gabinete, mas garante que a reutiliza. James Salzman, autor do livro Drinking Water, a History (Água potável, uma História, não editado no nosso país), veio a Lisboa participar no seminário International Environmental Law, inserido no programa International Business Law, da Universidade Católica Portuguesa, e alerta para as consequências das alterações climáticas em Portugal. Com períodos de seca mais prolongados, aumentará a disputa com Espanha, por causa dos rios comuns, e a nossa capacidade agrícola poderá ficar comprometida.
No futuro, o problema não será a quantidade global de água, que é imutável, mas sim a sua distribuição: em alguns sítios deverá chover mais, noutros (como no caso da Europa do Sul), menos. É essa a nossa motivação para poupar água?
Exato. A quantidade total de água permanece a mesma desde o tempo dos dinossauros. Na verdade, quando bebemos um copo de água, algumas das moléculas que estamos a ingerir já passaram por dinossauros. Portanto, não estamos a criar nova água. Mas uma das consequências das alterações climáticas é que os padrões de precipitação variam. Alguns locais serão mais húmidos, outros mais secos. Temos de repensar a forma de gerir essas diferenças.
Estamos a fazê-lo?
Em certa medida, não temos escolha. A questão é se conseguimos fazê-lo. A Austrália, por exemplo, está a construir centrais de dessalinização, porque passam pelas piores secas da sua História. Mas esse é um país desenvolvido, que pode dar-se a esse luxo. Os menos ricos não poderão fazê-lo.
Os países agem por antecipação ou a reagem conforme os problemas aparecem?
Alguns países são muito proativos. Outros, basicamente, esperam que as coisas melhorem. Os orçamentos são apertados. E investir em grandes infraestruturas é muito caro. Para haver vontade política que financie esses projetos, é necessária a consciência de que existe uma crise.
As pessoas continuam a beber água engarrafada. Porquê? Acham que a água da torneira não é segura?
A ideia para o meu livro ocorreu-me durante uma aula sobre política da água. A certa altura, reparei que mais de metade dos alunos tinha garrafas de água em cima das mesas. E pensei: eles estão a comprar o quê? Já se fizeram vários estudos sobre isso, para tentar responder à pergunta “porque é que as pessoas compram água engarrafada”. Uma das razões é a segurança. Agora, não sei como é feita a regulação em Portugal, mas nos EUA é mais controlada a água da torneira do que a engarrafada. Imagino que seja também esse o caso em Portugal. Os municípios tendem a monitorizar a sua água muito atentamente. As pessoas que bebem água engarrafada por acharem que é melhor estão a enganar-se a si próprias.
Bebe água da torneira ou engarrafada?
Da torneira.
Isso quer dizer que acredita no sistema.
Sim. A confiança das pessoas na água da torneira tem muito a ver com a confiança que depositam no seu governo. Na minha perspetiva, as autoridades fazem um bom trabalho neste campo.
Pode um terrorista envenenar a água de uma grande cidade?
Após o 11 de setembro, os governos passaram a tomar mais atenção aos abastecimentos de água. Mas na realidade, a estratégia de envenenar a água já vem da antiguidade: Nero costumava fazê-lo à água dos inimigos. A boa notícia é que é extremamente difícil envenenar a água. A nossa melhor garantia é a diluição: para intoxicar uma albufeira média, seria necessário um a três camiões-cisternas de veneno. Não é fácil adquirir essas quantidades de veneno nem vertê-la na água sem chamar a atenção. Por isso, não surpreende que não haja, na história recente, qualquer episódio de intoxicação maciça através da água. Muitas vezes, vemos aqueles filmes em que o vilão tira um tubo de ensaio do bolso e verte o seu conteúdo na água. Mas não funciona assim.
Sempre que há secas profundas, Portugal e Espanha entram em choque, por causa dos rios comuns. Tendo em conta as projeções do clima, que apontam para maiores secas no Sul da Europa, podemos esperar que a situação piore?
Vai aumentar a pressão, sim. A escassez de água aumenta a fasquia política. Uma das coisas a que vamos assistir é economias a mudarem. Economias que, até agora, eram muito agrícolas podem não ser viáveis daqui a 20 ou 30 anos. E isso levará a uma tremenda deslocalização económica e social.
Até que ponto é a água contaminada ainda um entrave ao desenvolvimento de países mais pobres?
A maior ameaça à qualidade de vida no mundo em desenvolvimento não são as alterações climáticas, não é a sida, é a escassez de água potável. Em Portugal, na União Europeia, nos EUA, não pensamos na qualidade e na quantidade da nossa água. Limitamo-nos a abrir a torneira. Mas as coisas não são assim em todo o lado. A qualidade não é garantida e a quantidade depende muitas vezes de quanto conseguimos transportar pessoalmente. Nos países em desenvolvimento, cabe quase sempre às mulheres, sobretudo às mais jovens, trazer água. A coisa mais importante para melhorar a qualidade de vida de uma comunidade é água potável. Desse modo, metade da população poderá fazer algo mais produtivo com o tempo do que passar horas seguidas por dia a recolher água. As raparigas poderiam ir à escola e as mulheres poderiam trabalhar.