O nome Prestige evoca uma das principais tragédias ocorridas na Europa o afundamento, em novembro de 2002, ao largo da costa da Galiza, do petroleiro que transportava 77 mil toneladas de fuelóleo. Durante meses, milhares de voluntários vestidos de fatos-macaco brancos, rodeados de crude, recolheram e limparam o pastoso e negro combustível que chegava às costas espanhola e francesa.
O caso chegou a um tribunal da Corunha, em outubro passado (dez anos depois), mas, no maior julgamento, em Espanha, relacionado com o meio ambiente, só há quatro acusados. Todos “peões”: Apostolos Mangouras, capitão; Nikolaos Argyropoulos, chefe de máquinas; Ireneo Maloto, primeiro-oficial; e José Luis López-Sors González, ex-diretor-geral da Marinha Mercante espanhola, o único funcionário público.
Onde estão os donos do navio-cisterna? Ou os da empresa ABS, que certificou a embarcação, considerando-a segura? E os decisores políticos? Na altura, Mariano Rajoy, atual primeiro-ministro espanhol, liderava o gabinete de crise encarregado do caso e chegou a caracterizar a maré negra como “uns fiozinhos de plasticina.”
Para levar ao banco dos réus aqueles que não foram responsabilizados por um dos maiores derrames de crude na Europa, foi lançada a Iniciativa de Cidadania Europeia Acabemos com o Ecocídio (www.endecocide.eu). No conceito de ecocídio a danificação extensa, destruição ou perda de ecossistemas de um território cabem outros atentados ambientais como a destruição da Amazónia, a exploração de areias betuminosas para produzir petróleo, no Canadá, ou o extermínio planetário das abelhas, provocado por produtos químicos.
É uma proposta de lei que precisa de reunir, até janeiro de 2014, um milhão de assinaturas, para que a Comissão Europeia a analise e, eventualmente, a remeta ao Parlamento Europeu para ser votada. Até agora, foi subscrita por cerca de 30 mil pessoas.
A DEFINIÇÃO LEGAL
“Ecocídio consiste na extensa danificação, destruição ou perda de ecossistemas de um determinado território, devido à ação humana ou a outras causas, a tal ponto que o usufruto desse território por parte dos habitantes locais tenha sido ou venha a ser severamente diminuído.”
UMA VELHA LUTA
Em 2002, num momento de pausa, durante um julgamento, Polly Haggins, 44 anos, advogada escocesa de Direito do Trabalho, pensou que, tal como o seu cliente, o nosso planeta precisava de proteção.
Descobriu que o ecocídio existia como noção legal, desde 1972, e que já chegara a ser proposto como o quinto crime contra a paz a somar aos crimes contra a Humanidade, de genocídio, de guerra e de agressão em vários documentos preparatórios do Estatuto de Roma, o texto base do Tribunal Penal Internacional.
Mas, na versão final do texto, apresentada em 1996, o quinto artigo tinha sido retirado por pressão dos EUA, Reino Unido e Holanda. Em março de 2010, Polly Haggins propôs, formalmente, à Comissão de Direito das Nações Unidas que se fizesse uma emenda à lei internacional, para inclusão do ecocídio.
Na Europa, a campanha pela introdução deste crime nos códigos nacionais começou há um ano e envolve cerca de 80 ativistas.
Thomas Eitzenberger, 44 anos, austríaco, participou na Semana Verde evento anual dedicado ao meio ambiente, organizado pela Comissão Europeia, em Bruxelas para divulgar a iniciativa. “Estamos a falar de punir decisores de alto nível: responsáveis políticos, ministros ou diretores de empresas.
Quando a lei for aprovada, poderemos dizer-lhes: sabemos que estão a fazer algo errado e que foi errado deixar-vos fazê-lo. Vamos dar-vos um tempo para corrigirem a situação, caso contrário, vão para a prisão.”
Os líderes políticos da UE têm fugido a debater o assunto, empurrando a decisão sempre para mais tarde. Também assim foi com o Prestige mas as consequências, como então se viu, acabam sempre por tocar-nos a todos, bem de perto.