Não, não vamos falar do Benfica, nem do voo da águia-de-cabeça-branca (uma espécie Norte-Americana, por sinal) que atualmente antecede os jogos, mas sim da portuguesa águia-real (nome científico: Aquila chrysaetos). Apesar de ser autóctone, durante muito tempo conhecíamos mal a sua distribuição e abundância, o que dificultou a sua conservação. Claro que o abate a tiro, o uso de iscos envenenados e a destruição de ninhos, ovos e crias também não ajudaram muito.
Tendo o epíteto de “real”, também este predador evita expor-se aos olhares curiosos dos outros, optando por isso por nidificar geralmente em escarpas rochosas de difícil acesso. De qualquer forma, desde o início dos anos 1970 que o fascínio pela águia-real leva amadores e profissionais a tentarem recensear as populações existentes. E à semelhança dos Censos promovidos pelo Instituto Nacional de Estatística, também neste caso se procurou saber quantos casais havia, onde viviam, se tinham filhos, se trabalhavam a recibos verdes, etc.
Com o aumento do número dos observadores de aves no decorrer dos anos 1980, a maioria dos locais onde nidificavam começou a ser passado a pente fino, quer fosse de barco ou a pé, e a estimativa de casais conhecidos de águia-real foi crescendo gradualmente. Quando finalmente se fez o primeiro censo nacional, em 1997, esta estimativa foi de 61 a 66 casais. Por esta altura, também já se sabia que a zona fronteiriça do Douro era uma das regiões do país mais importantes para a conservação desta e de outras espécies de aves, que passavam a vida a atravessar a fronteira – ou não fosse esta uma zona antiga de contrabando. Por isso, foi criado o Parque Natural do Douro Internacional em 1998 e, uns anos depois, os Espanhóis também estabeleceram um Parque Natural do seu lado.
Como a colisão e electrocussão por linhas eléctricas é uma das causas de morte da águia-real (é chocante, mas verdade), começaram a monitorizar-se por satélite as deslocações dos juvenis desde 2003, de modo a minimizar esta ameaça. E foi assim que se determinou por onde se deslocavam e também que faziam umas incursões por Espanha à procura de melhores condições de vida (quem as pode censurar?). Este estudo foi muito útil, mas ainda há muito a fazer para reduzir o impacto deste tipo de mortalidade.
Apesar de a maioria dos núcleos de águia-real em Portugal se apresentarem estáveis, a população do Parque Nacional da Peneda-Gerês deixou de ter casais reprodutores em 2007. Ocasionalmente, são avistados juvenis por lá, mas estes não chegam a tornar-se adultos reprodutores por causas diversas, como o abandono da área ou a morte. Por isso, foi estabelecido um programa de reprodução em cativeiro em 2009 no Parque Zoológico de Santo Inácio, com três fêmeas e um macho que não podem ser reintroduzidos na Natureza. Ou seja, este macho está a viver o sonho de muitos homens, mas ainda não nasceu nenhuma cria em cativeiro. Talvez o reforço de animais, que se espera que aconteça em breve, possa concretizar a reprodução.
Em suma, a águia-real é um dos muito exemplos de um grande predador que se encontra em perigo em Portugal. Esta ave nem está particularmente ameaçada quando comparada com outras espécies (por exemplo, a águia-imperial tem uma população reprodutora com dois a cinco casais), mas a sua sobrevivência a médio prazo no nosso país depende de factores como a redução da mortalidade não natural e a manutenção e recuperação do seu habitat e presas.
Referências bibliográficas:
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