A portuguesa Beatriz Barros, doutoranda e investigadora associada da Universidade de Indiana, EUA, é uma das autoras de uma análise à pegada carbónica dos super-ricos. “Se estes multimilionários estão realmente empenhados na causa climática, é necessário que revejam alguns aspetos do seu estilo de vida”, diz, em entrevista à VISÃO VERDE.
É impossível ser-se simultaneamente rico e ter emissões reduzidas de gases com efeito de estufa?
Teoricamente, nada impede que um multimilionário que tenha um estilo de vida relativamente frugal tenha uma pegada de carbono reduzida. O que não é possível é ter um estilo de vida multimilionário (mansões, iates, jactos privados) e um impacto ambiental reduzido. Nesta primeira fase do projeto focámo-nos apenas nas emissões relacionadas com estilo de vida e não nas emissões associadas aos negócios dos multimilionários. Incluindo esses números imagino que a resposta seja diferente. Tencionamos incluir estes números numa segunda fase do nosso projecto de investigação.
Elon Musk, por exemplo, tem um impacto relativamente pequeno, face à sua riqueza; com Abramovich acontece o contrário. Isto significa que a relação entre a fortuna e a pegada de carbono não é direta?
Existe uma certa relação entre riqueza (poder de compra) e emissões, mas só até um certo ponto. No mundo dos multimilionários, de acordo com a nossa amostra, não podemos dizer que a relação entre o tamanho da fortuna de um multimilionário e a sua pegada de carbono seja diretamente proporcional.
De que forma podem (e devem) estes bilionários compensar as suas emissões?
Ultimamente, têm sido vários os multimilionários a fazer grandes doações para causas climáticas (em 2020 Jeff Bezos doou 791 milhões de dólares para grupos ambientais) ou outro tipo de ações (esta semana, Bill Gates publicou o livro How To Avoid a Climate Disaster que menciona a importância de soluções tecnológicas para resolver o problema das emissões e tem um grande foco na questão da mitigação/compensação das emissões de carbono). Este tipo de ativismo é importante, sem dúvida, mas não é suficiente. Pegando na questão das compensações e dos esquemas de mitigação de carbono promovidos por Bill Gates, por exemplo, mais importante que compensar/mitigar é evitar emissões. Atendendo ao seu estatuto de celebridades, se estes multimilionários estão realmente empenhados na causa climática, é necessário que revejam alguns aspetos do seu estilo de vida. Cinco jatos privados (Bill Gates) e coleções de helicópteros (Jeff Bezos) são exemplos de manifestações de riqueza com um enorme impacto ambiental que ultrapassam qualquer necessidade prática.
O nosso objetivo com este estudo é sobretudo chamar a atenção para o problema e para a importância da participação da sociedade civil em causas climáticas e dos governos em controlar a desigualdade social e o seu impacto no ambiente.
Ficou surpreendida com alguns resultados da análise?
Chegar aos números finais e compará-los com o consumo anual de uma pessoa “normal” foi sempre surpreendente. Por exemplo, a emissão anual de CO2 por pessoa em Portugal é cerca de 5 toneladas. Michael Bloomberg, o multimilionário menos poluidor da nossa lista, emitiu cerca de 1781 toneladas. Já Roman Abramovich, o mais poluidor, emitiu cerca de 31 199 toneladas de CO2. Países inteiros emitem menos do que Abramovich. Tuvalu, por exemplo, emitiu na totalidade cerca de 12 000 toneladas de CO2 em 2019 e tem uma população de cerca de 11 500 pessoas. Tuvalu é também um dos territórios mais em risco imediato devido às consequências do aquecimento global, causado em grande parte pelas emissões de CO2.