A probabilidade de um tsunami ocorrer ao longo da costa do Mar Mediterrâneo nos próximos 30 anos é quase 100%, alerta a UNESCO a propósito da Conferência do Oceano da ONU, em Lisboa. De acordo com a organização, o risco de tsunamis terá sido subestimado em algumas regiões do mundo, nomeadamente o Mediterrâneo, onde as comunidades não estão preparadas ou instruídas sobre a melhor forma de como lidar com este tipo de desastre natural. Algumas cidades como Marselha, Alexandria e Istambul estão especialmente em risco.
“No Mediterrâneo, haverá certamente um tsunami e pode acontecer por diferentes razões: tremor de terra, vulcões ou deslizamento de terras. Basta olharmos para as reconstituições históricas e as provas físicas que temos de tsunamis no passado. Com essa informação, podemos estimar as zonas com risco de tsunami, assim como ao estudo das placas tectónicas”, explicou Bernardo Aliaga, principal especialista do Programa da Comissão Intergovernamental dos Oceanos da UNESCO. “No Mediterrâneo, não há dúvida sobre isso: não é se, é quando”, sublinhou ainda.
O Sistema Global de Alerta de Tsunamis, coordenado pela UNESCO, já anunciou esta semana um novo programa que tem como principal objetivo preparar as comunidades vulneráveis a tsunamis para o fenómeno, incentivando à implementação de um plano de redução de risco que implica “designar e mapear zonas de risco de tsunami, desenvolver materiais de divulgação e educação pública, criar mapas de evacuação de tsunami amigáveis ao público e exibir publicamente informações sobre tsunami”, como explica um artigo publicado pela própria UNESCO.
Algumas regiões do mundo já se encontram mais bem preparadas para o fenómeno por estarem localizadas em zonas com uma predisposição natural para tsunamis, tendo muitas delas já sofrido, inclusive, os seus efeitos, como é o caso do Pacífico e Oceano Índico. Por outro lado, outras regiões costeiras, por não terem sofrido com tanta frequência este tipo de desastre naturais, não estão tão cientes dos riscos, o que pode ser problemático dadas as novas informações da UNESCO. O Mediterrâneo é uma dessas regiões e à medida que aumenta o risco de ocorrência de tsunamis, cresce também a necessidade de preparar as populações para o futuro.
“Há uma urgência em preparar as comunidades para um tsunami e já temos comunidades que começaram este trabalho, como em Kos, na Grécia, ou Istambul, na Turquia, e em 2023 teremos algumas comunidades prontas, mas atualmente não há nenhuma comunidade no Mediterrâneo preparada para um tsunami”, declarou Aliaga. “Os eventos não são muito frequentes e o risco não se traduz de uma geração para outra”, acrescentou.
De acordo com o especialista, as ocorrências de 2004, quando um tsunami no Oceano Índico se tornou o mais mortal da história, ao fazer 230 mil vítimas em 14 países, e o sismo e tsunami de 2011 no Japão, que provocou mais de 18 mil mortes, foram chamadas de atenção para a problemática dos tsunamis. “Percorremos um longo caminho desde 2004. Estamos mais seguros hoje. Mas há lacunas na preparação e precisamos de melhorar, precisamos de garantir que os avisos são compreendidos pelos visitantes e as comunidades”, frisou Aliaga.
O Centro de Alerta de Tsunami do Pacífico da UNESCO já respondeu a 125 eventos de tsunami, com uma média de sete por ano, sendo que os números poderão aumentar à medida que o nível da água do mar vai subindo, uma consequência direta das alterações climáticas. Um nível de água mais elevado aumentaria também o impacto do próprio tsunami nas comunidades costeiras, o que é “mais uma razão para aumentar o ritmo do nosso trabalho”, disse Aliaga.
Um estudo de 2018, publicado na Science Daily e citado pelo The Guardian, descobriu que o aumento do nível do mar aumenta o risco de tsunamis, dado que estes conseguem atingir muito mais facilmente as áreas interiores. A frequência de inundações induzidas por tsunamis aumentou de 1,2 para 2,4 vezes após uma subida de 45 cm no nível do mar e de 1,5 para 4,7 vezes depois de uma subida de 90 cm.
As cidades em maior risco, Alexandria, Istambul, Marselha e ainda Cannes e Chipiona, já têm trabalhado na preparação sugerida pelo programa da UNESCO, incluindo sinais, procedimentos de evacuação e até planos para alertar turistas, assegurou Aliaga. “Queremos que 100% das comunidades, onde há risco comprovado, estejam prontas para responder até 2030”, explicou. “Terão mapas de evacuação, terão já realizado exercícios e terão alertas 24 horas”, acrescentou. Os alertas serão acionados cerca de 10 minutos após um sismo e podem vir em diferentes formatos, seja um aviso nos altifalantes ou uma mensagem do WhatsApp.
E Portugal?
Portugal faz atualmente parte do Centro de Vigilância para Tsunamis da Europa e Noroeste Atlântico, juntamente com outros países como França, Itália, Grécia e Turquia. O centro tem a capacidade de difundir um alerta às populações em risco de tsunami em apenas 10 minutos, explicou Aliaga, garantindo que é mantida uma articulação permanente com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Em Portugal, e de acordo com vários estudos portugueses, as zonas que se encontram mais suscetíveis de sofrerem o impacto de um tsunami são as regiões de Lisboa, o Norte da costa alentejana e o Algarve. Uma das investigações publicada na Seismological Research Letters e realizada por um grupo de investigadores da Universidade de Évora, analisou um período histórico, entre 1300 e 1985, e um período de medições instrumentais entre 1986 e 2014 com dados mais precisos, nomeadamente recolhidos pelo IPMA, e apontou todos os eventos sísmicos ocorridos nesse intervalo de tempo.
Os sismos são muitas vezes a causa dos tsunamis pelo que, ao estudar estes fenómenos, é importante ter também em conta a atividade sísmica. No caso de Portugal, a maioria dos tsunamis registados foram causados por terramotos submarinos gerados na fronteira de placas tectónicas que vai desde as ilhas dos Açores até ao estreito de Gibraltar. Um dos principais exemplos desse tipo de fenómeno é o terramoto de 1755 que atingiu a região de Lisboa e que levou à formação de um tsunami. Estima-se que até 50 mil pessoas morreram durante o sismo, um número que não inclui as mortes que ocorreram depois nos incêndios e no próprio tsunami.
“Temos todos na memória o terramoto de 1755, em Lisboa, e hoje Portugal tem um alerta de tsunami originado por tremores de terra que é eficaz e agora é preciso continuar a promover estes alertas não só para tremores de terra, mas também atividade vulcânica e deslizamento de terras”, disse Aliaga em resposta à Lusa.
Apesar do sucedido e de Portugal estar ligado aos alertas do Centro de Vigilância para Tsunamis da Europa e Noroeste Atlântico, é ainda necessário educar a população acerca dos procedimentos certos a ter. Na Conferência que se sucedeu em Lisboa, Vladimir Ryabinin, secretário-executivo da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, assegurou que “mais de 40 comunidades em 21 países já estão mais seguras depois de ter sido implementado o programa preparado para tsunamis”. “Se quisermos enfrentar esse desafio global até 2030, devemos ampliar o nosso programa muito rapidamente”, frisou ainda.