Sob o mote “Um mundo a ferver”, Carlos da Camara começou por avisar que não estava no VISÃO Fest para “colocar água na fervura”. “Até porque a água é um bem muito escasso em Portugal e na Península”, gracejou, durante a sua apresentação, no Planetário de Marinha, em Lisboa.
Fazendo uma analogia com as finanças pessoais, o climatologista explicou que, “tal como em nossa casa, tem de haver um balanço entre o [rendimento] que entra e o que gastamos, caso contrário o sistema entra em colapso – acontece o mesmo com a nossa Terra”. A atmosfera, continuou, está a reter cada vez mais energia, vinda do sol, quando, para manter o equilíbrio, tem de sair a mesma energia que entra. Por causa disso, a temperatura – “o medidor desse equilíbrio” – está a aumentar.
“É verdade que já tivemos a mesma concentração de CO2 na atmosfera que temos hoje, mas a taxa de aumento é brutal.” O professor universitário diz que, desde 1958, quando começaram os registos globais fiáveis, a temperatura tem vindo sempre a aumentar, com ligeiras diminuições ocasionais relacionadas com a atividade vulcânica ou solar.
O crescimento, no entanto, não é igual em todo o lado. No Ártico, por exemplo, é muito maior. “Há uma cascata de acontecimentos que resulta num aumento ainda maior. O gelo derrete, logo, menos energia será refletida, porque a superfície é menos branca. Se há menos energia a ser refletida, mais aquece, e mais gelo derrete, e por aí fora.”
“Teremos o que merecermos”
Carlos da Camara acrescentou que não há dúvidas de quem é a culpa desse aumento de temperatura. “Deve-se ao Homem, dizem-nos os modelos de clima. E contra modelos é difícil arranjar argumentos. Isto é resultado do que os humanos estão a fazer.”
Quanto aos efeitos, o que menos nos deve preocupar é a média (que neste momento estará a 1,1° C ou 1,2° C acima do período pré-industrial). O problema, diz, são os impactos nos valores extremos: fenómenos que aconteciam duas vezes a cada 20 anos, passaram a acontecer três ou quatro vezes. Grandes mudanças que dependem de aumentos mínimos da temperatura, e daí o aviso dos cientistas de que é fundamental cumprir a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, 1,5° C em vez do “máximo admitido” de 2° C. “O meio grau faz toda a diferença.”
O climatologista destacou a precipitação como um dos impactos mais dramáticos em Portugal. “Há zonas do planeta em que tende a aumentar, outras a diminuir. Na Península Ibérica, estamos a observar uma diminuição da precipitação. Os cinco anos mais secos dos últimos 126 anos [no nosso país] são todos do século XXI. Os mais húmidos? Nenhum é do século XXI.”
Outro impacto notório são os furacões. “Estão a formar-se mais a Norte, são mais intensos e tendem a mover-se mais lentamente.” Neste século, recordou, houve já cinco furacões a atingir Portugal, dos quais quatro depois de 2017. Um deles, o Ofélia, provocou o pior dia de fogos florestais da História recente no País, a 15 de outubro de 2017, para o que contribuiu uma coincidência de fenómenos (ventos fortes, secura dos matos e milhares de agricultores a fazer queimadas, porque iria chover dias depois).
A apresentação terminou com uma mensagem: as alterações climáticas não são mais do que uma reação da natureza a desequilíbrios, para tentar repor a harmonia. “Isto só se resolve quando formos capazes de olhar para a natureza, para o sistema climático, como um todo coerente do qual fazemos parte. Temos de perceber que somos parte integrante da natureza. Teremos a qualidade de vida que soubermos merecer.”