Viniit Sharma. Ou então, “only Amitabh”. Assim se chama o homem que aparenta ser quem na realidade não é. Mas já vamos a isso.
Nasceu a 12 de Setembro de 1960 e tem, portanto, 50 anos. É da religião hindu e, profissionalmente, marketeer numa empresa de pedras preciosas em Jaipur. É casado, há 25 anos, e tem dois filhos – o Humpty e o Dumpty – em homenagem a um poema, que nunca esqueceu dos tempos de escola, de Lewis Carroll em “A Alice no País das Maravilhas”. De cabeça baixa e sobrolho franzido, como que a puxar pela memória, evoca-o num murmúrio acelerado. Aproximo-me dele e tento ainda captar e registar algumas palavras. Desisto, pensei, tento encontrar depois.
Humpty Dumpty sat on a wall:
Humpty Dumpty had a great fall.
All the King’s horses and all the King’s men.
Couldn’t put Humpty Dumpty in his place again.
Não consigo imaginar porque o marcou tanto este poema e a razão de ter apelidado os filhos com o nome desta personagem. Porque conheci o filho mais velho, Humpty, e de oval, gordo e atarracado tem muito pouco. Talvez esteja nalgum significado simbólico e metafórico embrenhado no livro. Não sei, nunca o li.
Mas o que tem de distinto e invulgar este senhor tão bem-parecido, extremamente simpático, sociável, envolvente e carismático? É simples. A sua semelhança física e vocal com Amitabh Bachchan, nada mais nada menos que, a figura mais proeminente do cinema indiano de Bollywood. Além de actor e produtor, é cantor, apresentador de televisão, membro eleito do parlamento entre 1984 e 1987 e dá a cara para (quase) todos os anúncios de publicidade na Índia. É difícil passar numa rua, beco sem saída ou aldeia de estrada no meio de nenhures, e não ver o seu rosto. Na presença de qualquer indiano apenas pronunciem o nome e deliciem-se a vê-lo abrir os lábios num sorriso luminoso e a acenar vigorosamente com a cabeça. Cem por cento dos indianos gostam do Amitabh, garante-me Viniit, e eu não sou diferente. Sorri e depois continua, se ele fizer um anúncio ou usar uma determinada marca de roupa, eu também a uso. Pinto o cabelo e uso a barba como ele. Perguntei-lhe se também sabia cantar. Apenas as canções do Amitabh, replica como se fosse óbvio e a minha pergunta descabida.
Esta semelhança não é recente. A memória mais antiga que guarda é da sua professora e dos colegas de escola, aos 12 anos, já o tratarem por Amitabh, na altura, com 17 anos.
Naquele momento pensei, e porque não usufruir e beneficiar desta “confusão”? E porquê sermos normais se podemos aproveitar-nos da excepcionalidade dos outros e favorecer-nos a nós também um bocadinho? Vejam só. É fotografado pelo menos cinquenta vezes por dia. A polícia faz-lhe continência quando passa, se for apanhado a conduzir sem cinto não há grande problema e as multas de trânsito são facilmente esquecidas. Passa à frente nas filas sem qualquer reclamação da outra parte. Foi solicitado para fazer de seu sósia em Bombaim. Foi convidado, pelo clube de fãs de Jaipur, para ser sócio vitalício, embora eu desconheça o que isto possa significar ou implicar. E a sua mulher afirma, declaradamente, que casou com ele porque se parecia com o Amitabh.
É como ele diz. Eu? Eu apenas sou o Amitabh do primeiro segundo. Mas porque me haveria de importar? A bem ver, as pessoas sabem que eu não sou o verdadeiro, mas ser parecido já chega. Sinto-me orgulhoso “and I like to look like”.
E enquanto jantávamos e a conversa ia fluindo, deixei-me levar. Imaginei que estava a privar com uma das pessoas mais famosas da Índia e gostei da sensação. Estando longe de casa, posso ser quem eu quiser, ninguém me leva a mal.
Por fim, ao despedirmo-nos perguntei-lhe se era feliz. Olhou frontalmente para mim, soltou uma gargalhada límpida e ruidosa e declarou pausadamente “Claro que sou feliz. Era possível não o ser?”. Não, na verdade não. Aqui na Índia, a sorte saiu-lhe barata. Ou o karma, como preferirem.
Helena Pimentel
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