Dizem que a Índia um dos países mais multidimensionais à face da terra. Percebo porquê. É um cocktail de paisagens, de pessoas, de histórias, de sabores, de cheiros, de espiritualidades e de filosofias. Ou amamos ou odiamos. Mas independentemente disso, é um país que nunca esquecemos.
E, precisamente por não conseguir esquecer, decidi voltar, mais uma vez. Oito meses longe de casa, da minha família, dos meus amigos e do meu conforto. Virei costas a um futuro primeiro emprego e voltei para o país que me atrai, que não me larga, para a minha “versão inacabada do paraíso”. Só eu, o meu namorado e o nosso sidecar. Vamos dar a volta à Índia. Começar em Delhi, percorrer a costa ocidental passando em Damão e Goa até Kanyakumari, o ponto mais a sul, e regressar pela costa leste, por Calcutá, até Delhi novamente. Vamos dar a volta às nossas vidas, à nossa maneira de pensar, à nossa maneira de viver, à nossa maneira de namorar, à nossa maneira de estar, ao tempo, sem horas marcadas e sem bilhete de regresso. Simplesmente não queremos voltar ao mesmo sítio, por isso, fizemos deste sonho a nossa realidade. Escolhemos fazer isso. E aqui estamos. Prontos para percorrer a nossa (des)conhecida Índia de sidecar.
E escrevo estas crónicas, estes “retratos indianos” como gosto de lhes chamar, por várias razões. Mais do que percorrer esta estreita linha geográfica, quero fixar estas paisagens, estas pessoas, estes cheiros e estes sabores. Quero conhecer gente invulgar e quero dar-lhes vida. É aqui que encontro sentido para o que vou fazer. É como se fosse a explicação que constitui a desculpa por ter feito as malas e partido.
Mas como surgiu esta “brincadeira”? Sabíamos o que queríamos, o que desconhecíamos ainda, era a forma de o fazer. Queríamos a Índia. Queríamos uma viagem de mochila às costas. Queríamos conhecer o máximo do país em cinco meses (nos restantes três, o Inácio estaria a trabalhar). Queríamos algo diferente, original e minimamente apelativo para que outras pessoas se interessassem por nós. Queríamos um projeto. Queríamos uma viagem nossa, a dois, mas também evocar a possibilidade de levar os outros a viajar connosco e através de nós. E com tudo isto no pensamento, sentamo-nos num café no Porto, abrimos o Lonely Planet e olhamos um para o outro. Como fazer isto? Quanto a mim, de uma coisa tinha a certeza. Queria voltar à Índia e não queria, pelo menos para já, começar a procurar um primeiro emprego. Após uma hora de ideias atiradas e perdidas no ar, o Inácio perguntou, muito sério “E se fizéssemos de mota?”. “Mota, Inácio?! Nunca andei de mota na minha vida! E se for com aquela coisinha de lado?”. “Sidecar, Leninha, chama-se sidecar”. E assim surgiu a ideia. E tínhamos cinco meses para delinear, organizar, elaborar e projetar este capricho, a que decidimos chamar “Dar a Volta”. Durante este tempo, e enquanto tratávamos dos aspetos mais práticos da viagem, como os bilhetes de avião, os vistos e os seguros de viagem, demos largas, mais uma vez, à nossa imaginação e desenvolvemos uma campanha, que tem tanto de estúpido como de original, que apelidamos de “Ofereça uma Emoção”. E é tão simples como isto: como forma de agradecer os donativos monetários das pessoas para enchermos o depósito da nossa mota, enviamos uma fotografia nossa com o sidecar e uma placa com a mensagem escrita que a pessoa escolher, na data que escolher, no local que escolher e para a(s) pessoa(s) que escolher.
Se somos loucos? Digam-me vocês. Porque, quer dizer, quem se lembra de querer dar a volta à Índia numa mota com sidecar? O problema não é a mota. Nem o sidecar. O problema não é este país chamado Índia. O problema pode ser juntar isto tudo num só sonho. Porque quem veio à Índia sabe do que falo. E por nunca antes ter andado de mota, deixo para quem percebe a ousadia de prever o que de pior nos pode acontecer. Mas, apesar de tudo isto, acredito que o apelo do desafio está no desconhecido e, assim, só temos de ser otimistas. Por isso, queremos correr esse risco, mesmo que andemos constantemente no fio da navalha, porque desespero é o sofá e foi disso que fugimos, foi a isso que escolhemos virar costas.
Helena Pimentel