Da recta final da viagem, pouco há a contar. Uma semana de praia em Nha Trang, um dia de autocarro para o aeroporto de Ho Chi Min e dois dias de voos.
Não sei de onde vem a expressão “fila indiana”, mas da Índia não é de certeza. Uma curta escala no aeroporto de Bombaim (e outra à ida, em Dehli) fez-me sentir uma pequena ilha no meio de um mar muito agitado de indianos. Uma tarefa simples como a de passar no raio-x do aeroporto acaba por ser uma aventura. Cada vez que olhamos para a frente, na fila, vemos uma nuca diferente. “De onde vem esta gente toda que passou à minha frente?”, pergunto-me. “Não sei nem me interessa. Tenho é que abrir os braços e ir rodando com a volumosa mochila às costas para afastar os furões”, respondo-me.
Quando me perguntam se a viagem correspondeu às minhas expectativas, tenho alguma dificuldade em responder. A verdade é que não sabia bem ao que ia, as aventuras e os percalços que me esperavam. Percalços, tive muito poucos, aventuras, tive algumas. Memórias não me faltam. A minha busca de países genuínos e alheados do turismo acabou por sair frustrada: não é fácil fugirmos aos roteiros mais turísticos, quando a única comunicação possível é em inglês, língua que, praticamente só quem vive do turismo, por estas bandas, sabe falar.
Ficou tanto por ver… Do Laos, fico com a memória do povo mais simpático que conheci. Do Vietname, com a sensação de um sonho realizado, embora com muito pouco tempo (leia-se, também, t€mpo). Da Tailândia, não saio com muitas recordações. Foi o país a que me dediquei menos, por opção prévia: era o Laos, o Vietname e o Camboja (que terá que ficar para uma próxima viagem) que eu queria visitar. Perdi alguns dias em transportes e outros à espera dos vistos.
Lembro-me agora de uma viagem de autocarro pelo Laos, onde se iam vendo várias casas construídas em madeira, que se conseguia ver lá para dentro, sem qualquer peça de mobília, salvo uma cama em alguns casos mas sempre – e foi mesmo sempre – com uma televisão. Dessa não me esqueço… Lembro-me do Tim (que não se escreve assim certamente), em Hué, no Vietname, que me pediu para falar comigo em inglês. Sentou-se ao meu lado, abriu um caderno onde tinha escrito várias palavras em inglês. Eram palavras que ele ia ouvindo e que escrevia como lhe soavam. Ia-me perguntando o seu significado e como se escrevia correctamente. Passado um bocado, chegou um amigo do Tim, que se chamava Tim (quando não conhecemos a língua, soa tudo ao mesmo), muito abalado. Na noite anterior tinha ido beber um copo com uns amigos – 5 cervejas, precisou ele várias vezes – e esqueceu-se do portátil da empresa, que tinha informação confidencial. Resultado, tinha acabado de perder o emprego. “Três anos de trabalho que se perderam por causa de cinco cervejas” repetia enquanto baixava a cabeça. Lembro-me do Joe, o tal da Papua Nova Guiné que tinha como maior sonho vir a Lisboa e Fátima e da Mummy e dos miúdos sem-abrigo que a abraçaram.
Hierarquizando o que me fica na memória, não tenho dúvida em colocar no topo as pessoas. As amizades que fui travando, as conversas de circunstância mas cheias de conteúdo. A humildade comum a quase todos os habitantes locais com que fui falando. Esta viagem vale a pena pelas paisagens, inquestionavelmente, pela cultura, pela comida mas, acima de tudo, pelas pessoas. Esta e todas as viagens, de resto.