Há pouco mais de uma semana por terras gregas e já tão apaixonados ao ponto de termos posto a hipótese de alugar por aqui um espaço e ficarmos por cá durante uns tempos. Não podemos é ainda dizer em quê! Mas antes de tudo…
Sair de Istambul, foi um pequeno alívio na nossa viagem. Voltaríamos às pequenas cidades, às aldeias quase sem gente, ao contacto com as pessoas. Apesar de tudo, no dia em que decidimos abandonar a cidade, pedalámos 5 horas debaixo de chuva; enterrámos as bicicletas na lama, passámos mais de uma hora a lavar-nos (a nós e a elas) numa pequena torneira numa bomba de gasolina; caminhámos com as bicicletas à mão, à noite e sem luz, em sentido contrário na via rápida; pedalámos povoações adentro tentando descobrir um telhado dum café fechado que nos protegesse da chuva, que cairia com certeza de madrugada; cozinhámos umas massas instantâneas horríveis, que comprámos num qualquer supermercado no caminho e que quase nos faziam vomitar e rogamos pragas ao dia, mas sempre seguidas de uma gargalhada bem disposta!
O dia acabaria com um senhor a aparecer, sabe-se lá de onde, que, pelo que percebemos pela mímica que ia fazendo, era o guarda do condomínio onde estávamos acampados (ups…) Assegurando-nos que nada nos aconteceria nessa noite e que, uns minutos depois nos passava o telemóvel para as mãos, onde, do outro lado, as únicas palavras que percebemos foram: “Sleep”, “Tomorrow”, “My house” e “Go”! Suficientes para que o senhor guarda (!) nos levasse atrás dele e nos abrisse a porta de uma vivenda de 2 andares, nos explicasse como tomar um banho quente e nos mostrasse a cama de casal onde dormiríamos nessa noite! Antes de se despedir e de nos deixar sozinhos na casa, ainda houve tempo para um chá e mais alguns dedos de mímica! Fim de dia perfeito!
Tekirdag seguia-se. Uma cidade sem qualquer interesse de maior, com um caminho que nos levava até ela sem interesse também. Entediante. A Emel, uma professora de inglês, esperava-nos para nos mostrar um pouco da sua cidade e nos levar para sua casa, onde passámos o dia e meio mais “sem história” da viagem. Comer, dormir e “pastar” foram os verbos dominantes. Nada aconteceu, a não ser um rol de palavras que nos iam saindo da boca, da nossa e da dela, para o ar, sem que alguma vez tivéssemos chegado ao ponto de pensar: “Uau, está a ser espectacular!” – porque não estava. Há dias em que a inactividade nos cansa.
Saímos dali para fora eram oito horas, fazendo a primeira paragem logo à entrada da casa para remendar, mais uma vez, a câmara-de-ar de um dos pneus. Coisa que viria a suceder uns quilómetros mais tarde e outra vez, e outra vez mais tarde, até ao ponto em que parámos e tirámos todas as câmaras-de-ar para fora e passámos mais de uma hora a remendá-las por completo. O joelho esquerdo do Rafael doía. A Tanya estava constipada, muito constipada. O dia adivinhava-se complicado. 100km depois, estávamos pasmados connosco próprios. Os nossos pés tinham-nos levado até cerca de 10 – meros – quilómetros da fronteira com a Grécia! Um lago esperava-nos, ali ao lado, e centenas de mosquitos também! A paisagem era perfeita, o repelente forte e a noite não muito fria. O sol deitava-se lá ao longe e nós perguntávamo-nos, gozando, porque é que ainda ninguém nos tinha vindo oferecer um chá!
Uma pancada seca marcou-nos o passaporte. A Turquia despedia-se de nós. A Grécia dava-nos as boas-vindas e, pela cara simpática das pessoas, acreditámos que poderia ser um país do qual iríamos gostar! Já na Turquia tínhamos visto imensos, mas os olivais na Grécia são às centenas. Nesse dia dormiríamos em Alexandropolis, uma cidade “pensada” pelos russos, durante a guerra entre gregos e turcos que, mais tarde, seria conquistada pelos búlgaros para, mais tarde ainda, em 1920, passar definitivamente para mãos gregas. Quase à chegada, soubemos que afinal o casal que nos receberia, não estava em casa. Seria o 2º dia sem tomar banho, o que não nos agradou nada, mas que fazer? Passámos a cidade, não estávamos cansados, mas não queríamos fazer um percurso tão grande como o anterior. A ideia seria montar a tenda na areia, com o mar mesmo ao lado, mas depois de analisado o terreno, optamos por montá-la num olival – outro! – e passar a noite num dos cenários mais bonitos até agora!
Dali até Komotini, pouca estrada para fazer e, por isso, pedalámos nas calmas, parando muitas vezes. As cidades que se situam perto da fronteira com a Turquia – Komotini, Alexandropolis, Xanthi – são compostas, na sua maioria, por mais ou menos 20% da população de origem islâmica. Apesar de não haver confrontos, há uma tensão no ar que não se sente por quem passa, como nós, a correr, mas que se vê por quem lá habita. Em Komotini, ficámos em casa duma família que quase se mudou dentro da sua própria casa só para que descansássemos em condições! Comemos, bebemos e saímos à noite…tudo por conta da família! Até nos sentíamos mal. Apesar de não ser o nosso género passar a noite num bar a beber copos e a gastar dinheiro “mal gasto”, era o género do nosso anfitrião e acompanhámo-lo pela noite, comendo, bebendo e ouvindo falar de bares, coisa que não nos interessa minimamente. Enfim… gostos!
Mas a melhor experiência da viagem até agora estava para chegar em Xanthi! A cidade onde contávamos ficar por duas noites, acolheu-nos durante quatro. E a vontade era ficar um mês! O Yorgos e a Ireine são um casal de professores na casa dos trinta que leccionam em escolas com minorias étnicas, a maior parte deles de origem muçulmana búlgara. Estes povos vivem nas montanhas, afastadas daquilo que se entende por sociedade grega. Face às más relações que a Bulgária e a Turquia tiveram durante anos – o que leva a que, nesta zona, a fronteira ainda esteja fechada – os Pomacos aproximaram-se mais dos turcos muçulmanos. Têm, neste momento, grandes dificuldades na aprendizagem da língua, pois em casa falam o seu dialecto e na escola aprendem turco e grego, daí nunca aprenderem nenhuma língua em condições, o que lhes dificulta, mais tarde, a integração na sociedade grega. Alguns dos povos são altamente religiosos e conservadores noutros, como aquele em que estivemos, vemos até mulheres a gerirem cafés e a conduzirem motas! O lenço é colocado à volta dos cabelos para, na maior parte das vezes, manter a tradição e assumir a cultura, e não tanto como uma coisa obrigatória, pois a mesma mulher que hoje o coloca, amanhã o tira sem qualquer preconceito. Estivemos presentes numa das suas muitas festas, falámos com muita gente, recebemos presentes, descalçámo-nos para tomar café e comer chocolates em casas de família. Inesquecível! Mas não ficaríamos por aqui! Dois dias depois, viajávamos até outra parte da cidade onde estivemos em contacto com os ciganos de origem turca. Enquanto o Yorgos dava uma aula, fomos dar uma volta pela povoação e 20 metros depois, estávamos rodeados de crianças e adultos que queriam saber quem éramos e o que fazíamos ali, num espaço da cidade onde nem um grego entra. Depois de breves explicações com as nossas poucas palavras gregas, um sorriso saia e aquecia-nos o coração! As crianças davam-nos as mãos, apresentavam-nos aos familiares, tirávamos fotos e até fomos levados a casamentos que aconteciam no meio da rua, a ver mulheres que brilhavam por entre danças tradicionais, notas que voavam, tiros para o ar, música altíssima, comida para toda a gente e muita simpatia, generosidade e amizade por parte da comunidade!
Estávamos ali sozinhos e sentíamo-nos no sítio mais seguro do mundo!