Tinham-me falado da beleza dos seus crepúsculos e, a bem da verdade, não exageraram nem um pouquinho. Ali, instalado numa das dezenas de socalcos suspensos na vertiginosa falésia em que se ergue Fira, a capital da ilha grega de Santorini, fui testemunha disso. Saboreando vagarosamente o meu copo de ouzo, um licor de anis, senti uma estranha paz interior enquanto os meus olhos, perdidos no horizonte marinho, contemplavam o espectáculo mágico do Sol a desaparecer sobre as plácidas águas do mar Egeu. Junto de mim, seguindo em silêncio aquela liturgia, centenas de pessoas faziam o mesmo noutros socalcos. É que aquela sinfonia multicolor era uma autêntica ópera visual que uns poucos privilegiados – ou muitos, segundo a perspectiva – tinham a ocasião de desfrutar a partir de balcões igualmente privilegiados devido à sua magnífica localização.
Tudo começou uns dias antes, no preciso momento em que me dirigia a Atenas, a capital da milenária Grécia, ponto de partida desta apaixonante viagem. As Cíclades são meia centena de ilhas – além de um incontável número de pequenas ilhotas desabitadas – disseminadas num imaginário circo marinho ladeado pelas costas greco-turcas e fechado por Creta. Daí o seu nome, que deriva da palavra Kyklos, que signifi ca círculo. O círculo de ilhas que rodeava Delos, berço do deus Apolo, e um dos lugares sagrados da antiga Grécia.
As Cíclades são um fascinante labirinto aquático que nos incita a metermo- nos ao mar em busca das mil e uma praias, muitas das quais solitárias e silenciosas, perdidas entre múltiplas e ocultas passagens. Umas ilhas que ostentam a auréola de uma antiga história, uma cultura milenária e uma lenda mitológica.
Os ferries e cruzeiros que realizam as viagens pelas ilhas gregas têm o seu ponto de partida no Pireu, dez quilómetros a sudoeste de Atenas. Este velho e cosmopolita porto, que chegou a ser o maior do mundo antigo, é ainda hoje um dos principais do Mediterrâneo: dá abrigo às mais variadas embarcações desde os luxuosos iates aos pequenos barcos a motor, desde vistosos veleiros a simples barcos sem motor. E, claro, aos ferries e grandes cruzeiros que ligam a Grécia terrestre e profunda a essa outra Grécia, pura e paradisíaca, que emerge dispersa sobre as serenas águas do Egeu.
Já no porto do Pireu vou à procura do ferry que há-de levar-me a Mikonos. São oito da manhã, mas a fila é surpreendentemente longa. Mikonos, a minha ilha preferida, talvez hoje a mais carismática das Cíclades, fica a 94 milhas marítimas. Ou, o que é o mesmo, a cerca de cinco horas de navegação. O trajecto, porém, é muito agradável e aproveito para me bronzear enquanto dou uma vista de olhos pela documentação sobre outras ilhas que vamos deixando pelo caminho: Kea, a mais próxima do continente; Andros, autêntico berço dos velhos lobos do mar…
Ao longe, vislumbro uma paisagem familiar: a de uns moinhos de vento que inevitavelmente me remetem para a Mancha, a terra por onde andou o ilustre fi dalgo Dom Quixote. Uns moinhos situados numa fi la perfeita que constituem uma das principais marcas de identidade de Mykonos, a famosa, popular, animada, excitante e, porque não dizê-lo?, ambígua
“ilha branca”.
Mikonos conserva o ar beat e hippie dos anos 60, com as suas tendas de quinquilharias, as paredes caiadas das suas casas e um peculiar ambiente nocturno com danças e sons muito diferentes do tradicional sirtaki grego. O porto e passeio marítimo de Mykonos-capital, repleto de tabernas onde se vêem as pessoas mais diversas, é um verdadeiro escaparate de sensações que serve de preâmbulo a uma das cidades mais belas da Grécia insular.
O imaculado das casas brancas contrasta, em Mikonos, com sedutor o azul-turquesa das portas e janelas de madeira ou com as cúpulas bizantinas vermelhas das suas igrejas. Tudo isto no enquadramento de um labirinto de estreitas ruelas especialmente desenhado nas suas origens para despistar os piratas que outrora costumavam frequentar esta pérola branca do Egeu.
De noite, o porto surge abarrotado de embarcações em busca do refúgio na sua generosa baía, que resplandece com as luzes coloridas das tabernas e dos pubs, cuja vida começa, precisamente, ao fim do dia.
Em Mikonos há um recanto cuja imagem deu a volta ao mundo: “a pequena Veneza”, assim chamada pela forma peculiar das suas casas, que quase beijam o mar, e os seus pequenos bares, que se enchem de parzinhos ao entardecer para ver o pôr-do- Sol, com os moinhos de vento alinhados à esquerda.
Para os sibaritas da boa comida, o templo gastronómico da cidade é Antonini, no centro do passeio marítimo, na Praça Manto Mauroyenous. É um lugar ideal para degustar uma deliciosa musaka, um tsatsiki, um suvlaki ou uma feta, a salada grega por excelência.
Situada a apenas cinco milhas marítimas de Mykonos encontra-se Delos, uma ilha sagrada da Grécia clássica. Segundo a mitologia helénica, foi aqui que veio ao mundo Apolo, fi lho de Zeus e deus da Beleza.
Desabitada desde há décadas, a ilha só se anima de dia com a presença dos que vêm visitar as ruínas arqueológicas deste verdadeiro museu ao ar livre. De todos os seus tesouros, o de maior relevância é o impressionante Terraço dos Leões, composto por nove altivas fi guras de aspecto arcaico, que datam do século VII a.C. Também chamam a atenção os mosaicos das mansões antigas. A da Cleópatra, a das Máscaras, a de Dionísio, a do Tridente e a dos Golfi nhos. A melhor vista do conjunto contempla-se subindo a um pequeno monte de apenas uma centena de metros de altitude, o monte Khintos. É hora de continuar a viagem pelas Cíclades, pelo que é inevitável regressar ao barco. Despeço-me de Mykonos e Delos. O nosso próximo destino: Santorini. Antes, no entanto, realizaremos uma pequena paragem em Paros, a cerca de duas horas de navegação. O céu continua de um azul incrível, por isso aproveitamos o tempo e decidimos tomar banho na piscina do barco.
Pelo caminho, fomos deixando para trás outras ilhas: Serifos, Sifnos, Naxos… Finalmente, chegamos a Paros. Terceira ilha maior das Cíclades, é muito tranquila e montanhosa; um lugar ideal para relaxar. Ao chegar a Parikia, a capital da ilha, surpreendemo-nos com a robusta fortaleza veneziana, cujas muralhas defendiam outrora a população.
Tal como Mykonos, Paros também se orgulha de uma jóia arquitectónica de grande signifi cado religioso: a igreja de Ekatontapiliani, um dos monumentos bizantinos mais importantes da cristandade ortodoxa.
Reza a lenda que a igreja foi mandada construir pelo imperador Justiniano no século VI d.C. para cumprir a promessa feita pela sua mãe, Helena, que lhe salvou a vida numa tempestade ao encontrar inesperado refúgio nesta ilha. São muitos os turistas gregos e os canadianos que decidem passar uns dias nesta ilha. Os restantes, a imensa maioria, optaram por continuar o itinerário, rumo à bela Santorini.
O tempo continua magnífico e permite uma plácida travessia marinha. Antes de chegar, passamos entre Sikinos, à minha direita, e Ios, à minha esquerda. Já não há mais nenhuma ilha até Santorini, que cerra o círculo das Cíclades pelo sul. Estou inquieto. Ouvi, ou li, tanto sobre esta ilha que receio poder decepcionar-me. Exagerarão a sua beleza e mistério? De súbito, um rumor generalizado põe todos em alerta. As pessoas abandonam as suas cadeiras e espreguiçadeiras e procuram um lugar privilegiado junto à amurada. Todos sacam das suas máquinas fotográficas e alguns, os mais previdentes, ajustam as potentes teleobjectivas. Ninguém quer perder pitada do espectáculo.
Santorini emerge no horizonte longínquo mais negra e misteriosa, se tal é possível, à contraluz, com a sua célebre silhueta em forma de meia-lua. À medida que nos aproximamos, perante a sua impressionante parede natural de 20 quilómetros de comprimento por 300 metros de altura no ponto mais elevado, dou-me conta de que não tinham exagerado os que lhe louvaram a grandeza.
O desembarque no porto de Athinios volta a surpreender-nos. Dezenas de mulheres, a maioria de idade avançada, aguardam impacientes para se lançarem à caça do visitante. A sua oferta não vai além de alojamento em casas particulares. A falta de hotéis para absorver todos os turistas torna estes lugares uma aceitável e económica alternativa a dormir à intempérie.
Subo para um dos autocarros que aguardam a passagem e inicio uma nova aventura. E é assim que deve considerar-se a vertiginosa ascensão através de uma estrada sinuosa.
Já em Fira (Th ira), a capital da ilha, dedico-me a percorrer as ruelas estreitas tomando um primeiro contacto com as suas esplanadas. Peço um café e um copinho de Metaza, espécie de conhaque ligeiramente frutado, enquanto contemplo a paisagem singular formada ante os meus olhos pela ilha vulcânica de Nea Kameni, situada no círculo fechado pelas extremidades de Santorini e pelas ilhas próximas de Th irasia e Apronisi. Tudo isto, no seu conjunto, é o único vestígio da explosão de um vulcão em 1625 a.C.
Utilizando os serviços de um teleférico aproximo-me de Skala, o porto de Fira. Uma descida (ou subida) que pode fazer-se também através de 680 degraus ou de burro.
Já não há muito tempo disponível e o barco espera-nos, mas há uma agradável excursão que não posso perder: Nea Kameni, a ilha negra. Subo por um estreito caminho de lava até à cratera. Assim poderá perceber-se o ténue fumo de certas furnas e, embora a última erupção tenha tido lugar em 1956, só desejamos que o vulcão continue, senão morto, pelo menos adormecido.
Há muito mais para ver em Santorini. No entanto, já se sabe, os barcos não podem permanecer nas ilhas durante muito tempo e há que empreender a viagem de regresso. Não sem antes me deslocar a Ia, a segunda cidade mais importante de Santorini. Situada na parte norte, e tão suspensa da falésia como Fira, permite outra perspectiva visual. Sinto-me cativado pela magia desta ilha.
O final desta viagem é o espectáculo maravilhoso de um crepúsculo digno de deuses. É a chave de ouro de uma rota pelas Cíclades, as pérolas do Egeu que nunca se apagarão da minha memória.