A antiga sala de reuniões do grupo parlamentar do PS foi transformada num gabinete para Pedro Nuno Santos. Mas, por enquanto, o secretário-geral socialista para pouco por lá. Na maior parte do tempo, está no primeiro andar do Largo do Rato. É ali que se concentra o seu quartel-general e onde tem recebido nas últimas semanas todo o tipo de pessoas, das que lhe pedem audiências até às que chama para ter opiniões sobre os mais diversos assuntos. “Ele ouve pessoas do seu inner circle, mas também pessoas que não estão ativas no PS e outras não socialistas”, conta à VISÃO um dirigente socialista, explicando que grande parte destes primeiros três meses na oposição foram passados a arrumar a casa.
A ressaca do poder é complicada. Depois de oito anos no governo, muitos militantes colocados em gabinetes perderam os lugares, numa altura em que o grupo parlamentar também encolheu e, com ele, o financiamento do partido. Foi preciso fazer uma reestruturação, que ainda está em curso. Mas que Pedro Nuno aproveitou também para renovar e reformular a equipa que estava no Rato, com uma aposta grande na comunicação. “O PS precisa de melhorar muito a sua comunicação e de rejuvenescer a sua informação”, diz um dos responsáveis pela estrutura socialista. Para o conseguir, Pedro Nuno Santos contratou uma equipa para fazer “assessoria política robusta” e preparar argumentário político.
As mudanças não deixaram todos contentes e, durante semanas, foi preciso resistir a essa pressão, mas pela primeira vez em muitos anos não há assessores a trabalhar no Largo do Rato pagos pelo Parlamento. Esse foi um ponto de honra para a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, que foi aceite pelo secretário-geral. “Foi preciso fazer uma reorganização financeira. O Pedro Nuno nessas coisas é profundamente rigoroso e exigente. Tem muito cuidado”, assevera um dos seus mais próximos, explicando que houve uma necessidade de trazer para o Rato “novas pessoas, novas políticas”.
Os conselheiros de Pedro Nuno
Hugo Mendes, o antigo secretário de Estado do Ministério das Infraestruturas que esteve no centro da polémica indemnização da TAP a Alexandra Reis, é uma das peças-chave da equipa que está com Pedro Nuno Santos no Rato. Apesar de todas as polémicas (que incluem indicações à TAP para alterar um voo para ficar nas boas graças do Presidente da República) e de haver no PS quem torça o nariz a esta escolha, Pedro Nuno Santos confia em Hugo Mendes, com quem trabalha há muitos anos e cujo pensamento respeita. Hernâni Loureiro, com quem também esteve no governo, é o seu chefe de gabinete. E Márcia Galrão, sua assessora de imprensa desde os tempos em que era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, é quase a sua sombra, segue-o para todo o lado.
Pedro Nuno
está a fazer uma
reestruturação
do PS. Pela
primeira vez, não
há assessores no
Rato pagos pela AR.
E há uma equipa
de assessoria
política renovada
na direção
Além desta equipa, Pedro Nuno Santos tem um núcleo duro político que inclui Alexandra Leitão, o deputado Pedro Delgado Alves, Pedro Vaz, que tem a pasta da organização do partido, mas também António Mendonça Mendes e Mariana Vieira da Silva, que eram muito próximos de António Costa e que são agora conselheiros de Pedro Nuno. Duarte Cordeiro, que esteve sempre ao seu lado, está agora mais afastado da política, agastado por ter sido envolvido na Operação Influencer, mas continua a aparecer no Rato sempre que é necessário. “Está a trabalhar na sua vida privada e tem menos tempo, mas não falha as reuniões do secretariado”, garante um dirigente socialista. Outros dos próximos de Pedro Nuno Santos desde os tempos da JS que se mantêm nesse grupo são Francisco César (hoje mais ocupado com a liderança do PS Açores) e João Paulo Rebelo, que é agora secretário nacional para administração do PS, herdando um cargo que em tempos foi do já falecido Luís Patrão. Em regra, estas são as pessoas que se sentam no Largo do Rato todas as terças-feiras para as reuniões de coordenação política com Pedro Nuno Santos.
Fora deste núcleo duro mais jovem, há uma figura que continua a ter um peso fundamental: o presidente do PS, Carlos César. “Há uma dimensão geracional neste grupo que acompanha o líder, mas César é uma das pessoas com quem Pedro Nuno mais se aconselha e é de outra geração”, diz Alexandra Leitão à VISÃO. De resto, por norma, é Carlos César quem acompanha sempre Pedro Nuno Santos nas idas a Belém.
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A surpresa de Marta Temido e o “trabalho de formiguinha”
Descrito como alguém que gosta muito de ouvir os que o rodeiam, Pedro Nuno Santos consegue, ainda assim, surpreender o seu núcleo duro e até contrariá-lo. Foi o que aconteceu quando escolheu Marta Temido para cabeça de lista às europeias. Na disputa pela liderança, Temido não tinha apoiado publicamente nem Pedro Nuno nem José Luís Carneiro, mas tinha na concelhia do PS alguma oposição interna de pedronunistas e o apoio de carneiristas, pelo que por aí não seria uma escolha óbvia. “Marta Temido não colhia muita unanimidade [no núcleo duro]”, revela um dirigente socialista. Mais: vários dirigentes do PS garantem à VISÃO que a lista para as europeias foi mantida em segredo por Pedro Nuno quase até à sua apresentação. “Soube das listas quando elas foram ao Secretariado Nacional”, confessa um membro daquele órgão.
A forma como geriu esse dossier foi sinal de que não se deixou influenciar e um argumento de peso interno fundamental para um líder que tem de fazer o caminho das pedras da oposição. “As europeias eram um teste. Se tivesse perdido, internamente agitavam-se mais as águas”, diz uma fonte próxima de Pedro Nuno. “As europeias já foram um bom sinal. O normal era o Governo limpar essas eleições. O Pedro Nuno arriscou, foi à luta e ganhou, mesmo que não seja por muitos votos”, nota outro socialista.

O empenho de Pedro Nuno Santos nas eleições para o Parlamento Europeu foi tal que esteve quase sempre na estrada, ao lado de Marta Temido. Depois de semanas fechado no Rato, fez a campanha e voltou à sede socialista. “Está a ouvir imensa gente da sociedade civil no Rato, de forma discreta”, revela Alexandra Leitão. O trabalho de bastidores, que um membro da sua equipa descreve como sendo “de formiguinha para construir uma alternativa ao Governo”, faz com que tenha voltado a fechar-se mais. E isso leva alguns críticos internos a falar num “grande fechamento” desta direção.
As pressões internas e o “gelo fino” do OE
Quem esteve com José Luís Carneiro nas diretas lamenta que o candidato derrotado não tenha sido “chamado nem ouvido, nem sobre as listas para as legislativas e europeias nem sobre a composição de comissões parlamentares nem sobre opções políticas”. Na ala carneirista também se aponta o dedo à forma como a geração de Pedro Nuno (que anda pelos 40 do líder e os sub-40, em que estão os também cada vez mais influentes Marina Gonçalves e Miguel Costa Matos) está a comandar o partido. “Há um sentimento de que se está a desguarnecer a relação intergeracional. Esse é o aspeto mais negativo desta liderança.”
Há semanas que
Pedro Nuno ouve
no Rato socialistas
e independentes.
O líder quer usar
os Estados Gerais
para renovar
o programa do PS
“à esquerda”
Na cúpula do PS desvalorizam-se essas críticas. “Os partidos têm todos estas coisas e muito mais quando o líder não é primeiro-ministro. A 6 de novembro, no PSD todos diziam que Luís Montenegro não tinha gravitas nem estofo para ser líder”, diz um dirigente socialista. “Não vejo onde há fechamento. Há é duas ou três pessoas que queriam fazer parte do círculo e não fazem. Mas há na direção pessoas que vêm do círculo próximo do governo anterior”, frisa Alexandra Leitão.
Conquistado o desafio das europeias, a pressão sobre a liderança do PS está toda no Orçamento do Estado para 2025. “Há opiniões para tudo. Ninguém sabe qual é a melhor linha”, desabafa um elemento do Secretariado Nacional, admitindo que o tema “está a ser sufocante” para o PS. “Está-se sobre gelo muito fino mesmo”, declara outro dirigente. A saída, para já, foi encontrada na Comissão Política Nacional do PS que, nesta segunda-feira, mandatou o líder para negociar com o Governo “sem linhas vermelhas”.
Problema? O PS vê já, com a soma das medidas anunciadas, a margem orçamental de Costa muito comprometida. “O Governo vai viabilizar a matéria fiscal com a direita e depois vão negociar connosco um Orçamento com menos dois mil milhões de euros?”, questiona um dirigente. “Ou o PS deixou os cofres mais cheios ainda do que andou a dizer ou isto vai ter de ter um fim.”
Apesar destas dúvidas, na terça-feira ficou a saber-se que o Governo chamou todos os partidos da oposição para negociar o Orçamento. O resultado dessas conversas é uma incógnita, mas na direção do PS viu-se a iniciativa com agrado.
A tática para esvaziar a ala direita
Há semanas que
Pedro Nuno ouve
no Rato socialistas
e independentes.
O líder quer usar
os Estados Gerais
para renovar
o programa do PS
“à esquerda”
Na direção do PS sublinha-se a ideia de que Pedro Nuno Santos tem tentado fazer acordos com a AD. “Ele queria muito que houvesse acordo no IRS”, diz um dirigente, enquanto outros notam o repto para um pacto sobre a Justiça que, até agora, ainda não teve sequência da parte do Governo, mas no qual o PS já está a trabalhar para avançar com propostas que sirvam de base a uma conversa que os socialistas gostariam que resultasse num “consenso” com a AD.
Independentemente do resultado das negociações sobre o Orçamento, o núcleo duro de Pedro Nuno vê já na afirmação de abertura ao diálogo que saiu da Comissão Política Nacional uma forma de arrumar a ala direita do partido. “Nem a ala direita aceita que viabilizemos sem diálogo, seria uma humilhação para o PS.” É que a aprovação do Orçamento do Estado para garantir a governabilidade e a execução do PRR era um dos grandes argumentos dos socialistas que estavam com José Luís Carneiro na disputa pela liderança.
Mas não é só a ala direita que pressiona internamente para a viabilização do Orçamento. Os autarcas socialistas, encabeçados pela pedronunista Luísa Salgueiro, têm deixado clara a importância de haver estabilidade para executar fundos comunitários num ano que é de contagem decrescente para as autárquicas. “Qual é a véspera de ano eleitoral em que não há autarcas nervosos? É o normal, é o clássico”, reage-se no Rato.
O “carinho” de que o partido precisa
“Houve uma diminuição do grupo parlamentar, deixámos de ter governo, mas o partido tem uma vida que vai para lá disso”, afirma Pedro Vaz, o dirigente responsável pela estrutura que garante que “o partido está vivo” apesar de estar ainda a adaptar-se a estar na oposição. “O PS tem uma capacidade muito grande de se regenerar”, declara, lembrando que há duas semanas houve 50 mil militantes a votar nas eleições internas para as concelhias, o que considera ser uma mostra de vitalidade, num momento em que já se veem as autárquicas de 2025 no horizonte.
Durante anos, Pedro Nuno Santos fez aquilo a que se costuma chamar “a rota da carne assada”. Poucos conhecerão tão bem o aparelho socialista como ele. Essa proximidade era uma das marcas que o tornaram tão desejado no PS. Mas ser líder, ficar na oposição e ter pelo meio eleições na Madeira e europeias tornou mais complicado manter o registo de proximidade e resposta rápida que sempre teve quando era o putativo candidato a secretário-geral. Há quem se ressinta disso. “Hoje, é mais difícil falar com Pedro Nuno”, admite um deputado que o apoiou nas diretas.
José Luís Carneiro, pelo contrário, tem aproveitado para fazer o seu caminho, ensaiar aproximações, criar pontes. “Se Carneiro se eclipsasse, seria estranho. Está a esbracejar para se manter à tona”, diz um membro do secretariado. Até agora, sem grandes resultados visíveis e sem que as recentes eleições para as concelhias e secções sejam mostra de uma onda carneirista. Aliás, as eleições para as federações, que estão marcadas para setembro, também não parecem permitir (pelo perfil dos candidatos) fazer leituras nacionais. “Se há coisa que o Pedro Nuno Santos tem bem oleada é o aparelho”, diz um alto dirigente socialista.
De resto, Fernando Medina, visto como outro potencial futuro candidato a líder, tem estado discreto. “Vai pouco às comissões no Parlamento”, nota um dirigente, enquanto outro releva a forma como Medina veio a terreiro defender as contas do PS e ajudar no combate à narrativa que a AD ensaiou sobre um possível desaire orçamental atribuível ao PS que até agora tem sido desmentido por todas as instâncias.
Mesmo assim, há pelo menos uma contenda nas eleições federativas que pode constituir um embaraço para o líder: Aveiro, o seu distrito, tem dois candidatos pedronunistas que são seus amigos próximos. Hugo Oliveira disputa o lugar de Jorge Sequeira, numa guerra fratricida que dentro do PS é vista como potencialmente criadora de problemas para Pedro Nuno. Apesar disso, Pedro Nuno Santos preferiu manter-se neutro. A explicação, dada por quem lhe é próximo, prende-se com o histórico de os secretários-gerais do partido se manterem afastados das disputas pelas estruturas.
Consciente da importância da máquina partidária, no núcleo duro de Pedro Nuno compreende-se que “o partido também precisa de carinho” e que nesta fase será preciso dar “carinho redobrado” às estruturas. O que acontecerá terminadas as eleições federativas.
Pedro Nuno, o ponderado
Quem está mais próximo de Pedro Nuno Santos garante que a imagem de alguém impulsivo já não faz sentido. “Hoje em dia, é ponderado. Não era. Mas é de convicções fortes. Discute, debate e decide. Quando decide, vai até ao fim”, descreve quem o conhece desde os tempos da faculdade. “Pedro Nuno Santos é bastante institucional, ouve bastante. Não é impulsivo. Eu próprio conhecia-o mal”, diz um dos socialistas que só começaram a aproximar-se de Pedro Nuno depois de ele ter chegado a secretário-geral.
A inesperada crise política que fez cair o governo de maioria absoluta de Costa baralhou os tempos de Pedro Nuno Santos, que tinha acabado de se estrear como comentador na SIC Notícias e que procurava distanciar-se das polémicas relacionadas com a TAP e com a localização do novo aeroporto. “Estava a fazer o seu percurso, a dar-se a conhecer ao País. De um dia para o outro, mudou tudo. Ele sentiu muito isso na pele”, admite um amigo, que diz que o resultado nas europeias ajudou a dar-lhe outro fôlego, e que as sondagens que mostram o PS em (ligeira) vantagem em relação à AD também ajudam.
Leitura para essas sondagens? “As pessoas não confiam, não acreditam na AD”, diz uma fonte próxima de Pedro Nuno Santos, notando que em 2016, depois de ter ido para o governo sem ser o partido mais votado, o PS já liderava as intenções de voto, pelo que o natural, “ainda para mais a anunciar milhões”, seria a AD ter uma vantagem nestes estudos de opinião.
Depois da rentrée, Pedro Nuno Santos deve voltar a sair mais do Largo do Rato e a usar aquele que é um dos seus maiores trunfos: o contacto pessoal. “Ele é fortíssimo no contacto pessoal. Nunca estive numa reunião com ele em que não sentisse uma verdadeira surpresa de agrado nos interlocutores. Mistura uma densidade ideológica com o lado pragmático daquela coisa de fazer e não arrastar os pés”, descreve um dirigente socialista. Por enquanto, Pedro Nuno tem feito algumas saídas temáticas (nas últimas semanas, fez visitas sobre Habitação, Saúde e empresas), que servem também para falar à comunicação social, mas em breve a dose de rua deve aumentar.
“É preciso ter calma”, o ciclo não é um sprint
O próximo passo serão os Estados Gerais, que ainda não têm data, mas que poderão acontecer só depois do Orçamento do Estado. “Estamos a montar uma estrutura”, diz Pedro Vaz. Os contactos que Pedro Nuno Santos tem feito nas últimas semanas com muitos não militantes de várias áreas da governação têm ajudado a preparar o evento que o PS espera que sirva para retomar a iniciativa política e dar resposta à campanha de apresentação de pacotes que tem sido feita pelo Governo.
O calendário para o anúncio dos Estados Gerais está a ser apontado para o último trimestre do ano e o trabalho está a ser feito sem ter em conta o Orçamento do Estado. “Não estamos a tomar decisões em função disso”, assegura uma fonte próxima de Pedro Nuno Santos, que não está a olhar para este ciclo político como um sprint, mas antes como uma maratona. Os Estados Gerais são a prova disso: está ser gizado um evento que se prolongará com iniciativas ao longo de meses.
Depois disso, terá de encontrar soluções para as autárquicas, com Lisboa à cabeça, numas eleições que se complicam por grande parte dos autarcas socialistas ter atingido o limite de mandatos e por, na capital, Carlos Moedas estar só no primeiro. E há ainda que cumprir a promessa de o PS ter um candidato forte para as presidenciais, um desafio que se torna mais difícil sem poder contar com António Costa, no Conselho Europeu, nem com António Guterres, na ONU.
“Temos de ter calma e paciência e recuperar pessoas”, diz uma fonte da cúpula do PS, explicando que a estratégia passará por fazer “uma renovação programática do partido à esquerda”, mas rejeitando a ideia de que Pedro Nuno Santos vá posicionar-se como um Jeremy Corbyn à portuguesa. “O que é que fizemos de esquerdista até agora?”, pergunta um dirigente socialista, enquanto uma fonte da direção da bancada parlamentar nota que o PS “votou sempre ao lado do Governo nas matérias que envolviam a Administração Pública”, incluindo para travar as propostas do Chega, do PCP e do PAN para aumentar as forças de segurança.
A aposta será, por isso, em “conquistar quem está na abstenção”. O PS tem feito estudos eleitorais que ajudaram a firmar a ideia de que o partido perdeu poucos votos para a AD e “quase nenhuns para IL”, mas que “há um eleitorado que está desmobilizado” e que “se desencantou com os partidos do centro”. É para esses que Pedro Nuno quer trabalhar.