Visão
O VOLT Live é um programa/podcast semanal sobre mobilidade elétrica feito em parceria com a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE).

Analisamos uma proposta do país com a presidência do Conselho Europeu, a Hungria, para criar uma novo apoio à compra de veículos elétricos e instalação de postos de carregamentos. Comentamos ainda o possível fecho da fábrica da Audi que produz Q8, o atraso do robotaxi da Tesla, a chegada de um novo operador de carregamento a Portugal e contamos a nossa experiência ao volante do novo Peugeot e-3008.
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A Unilever já tinha anunciado um plano de reestruturação que implicou dizer adeus ao negócio dos gelados, e que previa o corte de 7500 postos de trabalho em termos globais. Na Europa, onde a multinacional – que tem também presença em Portugal – tem cerca de 10 mil funcionários, a empresa prepara-se para despedir 3 200 pessoas, um terço da sua força de trabalho.
A informação foi avançada esta sexta-feira pelo Financial Times, que teve acesso aos detalhes discutidos durante uma video-chamada feita por uma das responsávei dos departamento de Recursos Humanos, Constantina Tribou.
“O impacto esperado nos postos de trabalho na Europa, entre este momento e o final de 2025 é na ordem dos 3000 a 3200 lugares”, referiu, adiantando que estes cortes vão atingir “em primeiro lugar as funções administrativas”, e que não inclui trabalhos que sejam desempenhados nas fabricas da multinacional.
O objetivo deste plano de reestruturação, como já tinha sido revelado, é o de conseguir aumentar as margens da Unilever, que tem estado a perder terreno para os seus concorrentes com o passar dos anos. Foi essa também a justificação apresentada quando a empresa decidiu separar o seu negócio dos gelados, para que não criasse lastro e lhe permitisse focar-se na higiene e no lar.
Responsáveis da Unilever dizem que todas as geografias serão afetadas por igual, no que concerne a esta redução de postos de trabalho, mas em particular os centros de Londres e Roterdão.
Apanhados de surpresa, os funcionários da Unilever terão expressado o seu desagrado e frustração pela informação passada à distância, e por parte dos responsáveis receberam pedidos para que não deixassem a ansiedade ganhar.
“Ao invés de gastarem energia com ansiedade, vamos colocar a nossa energia ao serviço dos nossos clientes e consumidores, e transformar este serviço em algo realmente incrível. Isso é o que está no nosso controlo.
Mensagens escritas no fórum da videochamada, e a que a publicação britânica teve também acesso, revelam trabalhadores indignados e dececionados com a forma como a mensagem foi passada.
O CEO da Unilever, Hein Schumacher, tem estado muito pressionado para apresentar resultados financeiros melhores do que os anteriores, numa altura em que a empresa continua a apresentar dificuldades em acompanhar os seus concorrentes.
Respondendo aos anseios provocados por aquela que é a maior reestruturação elvada a cabo na última década, fonte official da Unilever, citada pelo Financial Times, referiu que “em março anunciámos o lançamento deste programa de reestruturação para aumento da produtividade, para garantir maior crescimento e foco e uma organização mais responsável. Temos consciência da ansiedade que estas propostas causam no seio da nossa organização e estamos comprometidos em apoiar todos durante este períodos de mudança, enquanto levamos a cabo este período de consulta”, que começa já nos próximos dias.
Depois de ter dito adeus aos gelados, a Unilever parece agora disposta a dizer adeus ao seu maior ativo: as pessoas. A multinacional emprega cerca de 128 mil pessoas em todo o mundo.
Uma visita guiada aos lugares de Leonor Teles
No início de novembro de 1376, as cortes reuniram-se no paço real de Leiria para jurar herdeira D. Beatriz, a única filha de D. Fernando e D. Leonor Teles. A infanta ainda não completara quatro anos, mas era urgente deixar claro aos meios-irmãos do rei fortemente tentados a usurpar o trono, que a sucessão estava garantida. No mesmo dia a pequenina infanta cumpriu também o papel de noiva, prometendo casar com o infante Fadrique, filho de Enrique de Castela, naquele que já era o segundo dos quatro “casamentos” a que a estratégia diplomática errática dos pais a obrigariam. Fernão Lopes assegura-nos que Leonor Teles ainda usou a filha como isco para provocar a morte da sua irmã, Maria Teles, e aniquilar a ameaça que representava João de Castro, filho de D. Inês e de D. Pedro, mas essa é outra história, para contar num outro lugar…
Se não conhece o magnífico castelo de Leiria aqui tem um ótimo pretexto para o visitar.
Palavras-chave:
Como é que um jovem prodígio, com uma educação esmerada nas melhores escolas e universidades francesas, alto quadro da administração pública, antigo administrador do banco Rothschild e descrito como um “Mozart das finanças”, se torna um dos presidentes mais impopulares de França? De acordo com a consultora Ipsos, 68% dos cidadãos do Hexágono reprovam o desempenho do social-liberal que militou no Partido Socialista e foi ministro da Economia para, a partir de 2017, se instalar no Palácio do Eliseu, residência oficial do Chefe de Estado, em Paris. Ao contrário do seu antecessor no cargo (François Hollande), Emmanuel Macron, atualmente com 46 anos, nunca quis ser um “Presidente normal”, alguém humilde e capaz de interagir com a população. Bem pelo contrário, Macron nunca escondeu que pretendia ser um “Presidente jupiteriano” (de Júpiter, o pai dos deuses) e que o exercício do poder se deve fazer de “forma vertical”, de acordo com a fórmula “manda quem pode, obedece quem deve”. Num depoimento anónimo ao Figaro Magazine, um dos seus antigos colaboradores alega que Macron é mais parecido com o implacável e maquiavélico Frank Underwood, personagem principal da série House of Cards (com Kevin Spacey a fazer de Presidente dos EUA), do que com François Mitterrand ou Charles de Gaulle, dois dos mais carismáticos chefes de Estado franceses do último século.
EGOCÊNTRICO, EU?
Underwood tinha o hábito de dizer que o “caminho do poder é feito de hipocrisia, e também de cadáveres, mas nunca de arrependimentos”. Como se não bastasse, esse antigo colaborador de Macron acusa-o ainda de exibir um lamentável “desconhecimento da História e das instituições”, a que se soma um ego descomunal. Alain Minc, empresário e consultor político de vários governos e presidentes, numa entrevista recente que concedeu à revista L’Express, diz que Macron lançou França – e possivelmente a União Europeia – num “drama shakespeariano” quando decidiu convocar eleições legislativas antecipadas, a 9 de julho, na sequência do sufrágio para o Parlamento Europeu: “A dissolução do Parlamento é fruto de um narcisismo exacerbado – num estado quase patológico –, o que conduz à negação da realidade.”

Em certa medida, os resultados do último domingo, 7 de julho, demonstraram que dissolver a Assembleia Nacional – designação oficial da câmara baixa do Parlamento francês – tem quase sempre efeitos funestos e indesejados para quem recorre a esse expediente. Desde 1816, esta foi a 19ª dissolução e, ao contrário das expectativas e do que indiciavam as sondagens, a extrema-direita e a União Nacional (RN, de Rassemblement National) de Marine Le Pen e de Jordan Bardella não só não ganharam como ficaram em terceiro lugar (ver infografia). Portanto, se a intenção de Emmanuel Macron era a de que o seu partido (Renascimento) e respetivos aliados do centro-direita perdessem deliberadamente as eleições, forçando Le Pen a assumir o poder e a desgastar-se em tempos de austeridade, essa tese conspirativa deixa de fazer sentido.
O próximo Parlamento, cuja sessão inaugural está agendada para 18 de julho, tem agora 577 deputados divididos em três grandes blocos: a Nova Frente Popular (NFP), as forças macronistas e a RN (que conta com o apoio de parte da direita tradicional, os Republicanos).

Esta configuração ideológica do hemiciclo coloca o país à beira da ingovernabilidade, por ninguém ter obtido maioria absoluta (289 lugares) e por não haver a mínima vontade, nem tradição, de se assumirem compromissos políticos. Só mais dois factos adicionais: a idade média dos deputados aumentou para os 49 anos e dois meses, e, pela terceira legislatura consecutiva, o número de representantes femininas volta a baixar (só 208). Como seria previsível, face à inesperada vitória da esquerda e da extrema-esquerda, a soirée dominical revelou ainda que será difícil formar um governo de coabitação, o quarto da V República (ver caixa). Pela simples razão de que Macron não detém o monopólio do egocentrismo. A primeira figura a apresentar-se perante os jornalistas e as câmaras de televisão foi Jean-Luc Mélenchon, ufano da prestação nas urnas da sua França Insubmissa. O histriónico e polémico antigo trotskista, socialista e ministro da Educação apelou ao inquilino do Eliseu para que nomeie o quanto antes um executivo da NFP, dando a entender que ele, aos 72 anos, está mais do que pronto para o liderar. Opinião bem diferente é a dos demais dirigentes desta mega coligação das esquerdas que inclui ainda diversas personalidades centristas, da democracia cristã e neogaullistas (caso do ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin). Na última terça-feira, o secretário-geral do PSF, Olivier Faure, também se disponibilizou para ficar com as chaves do Palácio de Matignon (residência oficial do chefe do governo), embora seja visto como um homem do aparelho socialista, sem rasgo nem capacidade para lidar com os desafios que o país enfrenta.
OÁSIS DE FRATERNIDADE!
Os socialistas têm plena consciência de que Macron, por razões táticas e de princípio, jamais aceitará Mélenchon como primeiro-ministro. Comunistas, ecologistas e restantes forças da NFP (no total, 46 partidos e movimentos) também acham que o líder da França Insubmissa deveria permanecer fora desta corrida, mas têm um problema prático, consequência de um pecado original: o acordo que fizeram para barrar o poder à RN, e que foi negociado em apenas cinco dias, não incluiu o nome de quem deveria liderar o executivo. Resultado: estão novamente em bolandas para concretizar esse objetivo nos próximos dias. E as personalidades consensuais escasseiam. A possibilidade de se escolher alguém da sociedade civil e com um perfil técnico, à semelhança do que sucedeu em Itália com Mario Draghi (2020-21) e Mario Monti (2011-2013), está praticamente excluída. Outra alternativa passaria por Laurent Berger, o antigo líder da Confederação Europeia de Sindicatos que já deu sobejas provas do seu talento negocial e conta com uma legião de admiradores – um deles é o decano dos intelectuais franceses, Edgar Morin, que, do alto dos seus 103 anos, lhe gabou as virtudes numa entrevista ao Libération e na qual apelou à camaradagem e à formação de “oásis de fraternidade” entre os seus compatriotas.

Ainda antes da ida às urnas, o antigo jornalista François Ruffin, um dos mentores da Nova Frente Popular com o eurodeputado Raphaël Glucksmann (ver caixa), ofereceu-se igualmente para rumar a Matignon e fazer frente a Macron. Neste momento, após ser reeleito para a Assembleia Nacional por um círculo (Somme, no Norte do país) que a NFP dava como perdido para a RN, não é de estranhar que mantenha o interesse no cargo. Sucede que Ruffin é um dissidente da França Insubmissa e possui demasiados anticorpos à direita e à esquerda, e sobretudo entre a entourage de Jean-Luc Mélenchon. Ou seja, em Paris poucos levam a sério as suas palavras quando repete que a vida política e os franceses “precisam de ternura” (ver entrevista com Diogo Sardinha). E tendresse não é exatamente um dos fortes dos melénchonistas.
MEUS, DESEMERDEM-SE!
Se o líder histórico da França Insubmissa ficar fora do jogo para liderar o governo, o partido já tem um plano B: avançar com Clémence Guetté, 33 anos, discípula de Jean-Luc e vice-presidente da Assembleia Nacional na última legislatura. Está bem de ver que todo este imbróglio favorece os interesses de Macron e lhe permite ganhar tempo. Segundo o site Político Europe, o Presidente não pretende convidar ninguém que lhe faça sombra e retire poder. Na reunião que teve com alguns colaboradores na noite de segunda-feira, a mensagem foi muito clara: “Desemerdem-se!”

É por estas e por outras que muitos macronistas até há bem pouco tempo incondicionais perderam a paciência para o narcisismo e a arrogância do chefe de Estado. A começar por Gabriel Attal, que se deslocou nesse mesmo dia ao Eliseu para apresentar a demissão, algo que não foi aceite por Macron, face à imperiosa necessidade de “garantir a estabilidade do país”. Recorde-se que a pátria do iluminismo e dos direitos humanos tem uma imagem a defender. Além das questões burocrático-administrativas, está em curso a Volta a França em Bicicleta (termina a 21 de julho) e no final do mês começam os Jogos Olímpicos na Cidade Luz. Há questões práticas e logísticas que não podem ser deixadas ao acaso. Daí que o Presidente queira manter Attal e o governo com plenos poderes, nomeadamente em matéria orçamental e de segurança. Em simultâneo, aproveita-se das indefinições da NFP, que não dispõe de uma maioria clara nem escolheu ainda a tal figura com quem, melhor ou pior, terá de coabitar.
Se Attal e outros dirigentes da maioria presidencial já contam espingardas para 2027, ano em que Macron está constitucionalmente impedido de se recandidatar a novo mandato, Bruno Le Maire, o ministro da Economia, ainda alinha nas jogadas de bastidores e alerta para os perigos que as esquerdas representam: “A aplicação do programa de rutura da Nova Frente Popular destruiria os resultados da política que nós conduzimos nos últimos sete anos.”

Para Le Maire, algumas propostas ocultam a “realidade económica” e são um ‘‘delírio total’’. Vamos a elas: aumento do salário mínimo para 1 600 euros líquidos mensais; aumentos na ordem dos 10% para os funcionários públicos, reintrodução do imposto sobre as grandes fortunas (abolido por Macron em 2017), revogação da reforma das pensões, diminuição da idade de aposentação para os 60 anos, agravamento das taxas sobre os lucros das empresas, agravamento da carga fiscal sobre os produtos importados (com base, por exemplo, na proveniência e nos quilómetros), congelamento dos preços da energia aos consumidores (gás e eletricidade), construção de 200 mil casas públicas por ano até ao final do mandato, criação de meio milhão de lugares em creches e infantários (que passariam a ser gratuitos), refeições a um euro (no máximo) em todos os refeitórios dos estabelecimentos de ensino público, redução da lotação das salas de aula a 19 alunos, etc., sem esquecer que os proponentes destas medidas asseveram que vão manter o país no euro, reforçar os investimentos em infraestruturas e continuar a defender as indústrias nuclear e de defesa.
MANU, BAZA!
No entender de mais de três centenas de académicos e intelectuais franceses (como Esther Duflo, a economista agraciada com o Nobel da Economia em 2019, ou Thomas Piketty, outra sumidade em questões de pobreza e desigualdade), o programa da NFT é realista e exequível. Centros de reflexão conotados com a direita liberal, casos do Instituto Montaigne e da Fundação IFRAP, discordam em absoluto. Esta última instituição, em colaboração com o diário Figaro, deu-se ao trabalho de quantificar o aumento da despesa pública se houver uma geringonça de esquerda no poder: 233 mil milhões adicionais por ano.
Quem vai mandar?
Principais candidatos à liderança do governo, de acordo com a imprensa francesa

Gabriel Attal
O vingador
Antigo militante socialista, tornou-se um macronista incondicional e é primeiro-ministro desde janeiro. Por discordar das estratégias do Presidente, demitiu-se nesta segunda-feira, 8, mas continuará em funções até haver alternativas. Com 35 anos, já pensa na corrida ao Eliseu, em 2027.

Laurent Berger
O desejado
Católico progressista, o antigo presidente da Confederação Europeia de Sindicatos é das poucas personalidades da sociedade civil que podem reunir consensos. Tem 55 anos.

Marine Tondelier
A ecologista
Especialista na gestão de estabelecimentos de saúde, a líder dos Verdes é um animal político, como se verificou nesta campanha eleitoral. Tem 37 anos e não esconde as suas ambições.

Raphaël Glucksmann
O intelectual
Filho e neto de filósofos, este ensaísta social-democrata foi um dos mentores dos entendimentos à esquerda e da Nova Frente Popular. É eurodeputado e tem 44 anos.
Um choque fiscal que, a concretizar-se, agravaria ainda mais a delicada situação da segunda maior economia da União Europeia. Com o défice nos 5,5% e dívida a representar 112% do PIB, Paris já está sob a pressão dos mercados e da própria Comissão Europeia, que lhe instaurou o chamado “procedimento por défice excessivo”. As entidades patronais reunidas no MEDEF e a associação francesa das empresas privadas (AFEP) também manifestaram as suas reservas quanto às intenções da Nova Frente Popular, mas preferem aguardar na expectativa de que ainda venha a formar-se uma coligação centrista que reúna o bloco presidencial, os republicanos e algumas forças de esquerda, em particular o PSF e os Verdes. Um cenário difícil. A única certeza, para já, é que França não pode ir a eleições antes de julho de 2025 e que o Presidente pode continuar a governar por decreto, graças ao amaldiçoado artigo 49, alínea 3, da Constituição. A 9 de junho, Emmanuel Macron prometeu aos seus compatriotas que as eleições legislativas iriam “clarificar” a situação política no país ou, para usar uma expressão que lhe é cara, “démêler la pelote de laine” (“desenrolar o novelo de lã”, numa tradução livre). A manter este rumo, habilita-se a bater recordes de impopularidade e a ouvir cada vez mais “Dégage!” (Baza!).
DIOGO SARDINHA / Filósofo
‘‘Os cidadãos têm sido governados com muita brutalização’’
O académico da Universidade de Lisboa e o primeiro estrangeiro a presidir o Colégio Internacional de Filosofia de Paris considera urgente debater a eventual dissolução dos partidos que violam as regras democráticas

França e os franceses saem mais divididos destas eleições?
É difícil, teríamos de encontrar uma maneira de medir a divisão antes e a divisão agora. O sistema eleitoral francês a duas voltas permitiu que a União Nacional (UN) tenha recolhido o maior número de votos e seja o maior partido do novo Parlamento. Os partidos que constituem a Nova Frente Popular (NFP) estão divididos e vão separar-se em vários grupos parlamentares. No final da noite de domingo, ouvi um discurso bastante interessante de um deputado eleito por uma margem tangencial, contra uma candidata da UN, numa antiga região operária, devido ao efeito da barragem republicana. François Ruffin [dissidente da França Insubmissa e um dos mentores da NFP], afirmou: “Não podemos brutalizar as pessoas e devemos governar com respeito e ternura.” Isto pareceu-me inovador…
Em que medida?
Por se tratar, talvez, de uma busca para superar as divisões e os conflitos. Tem havido muita brutalização no discurso político, na forma como os cidadãos são governados. Pensemos na resposta que foi dada aos coletes amarelos, às manifestações organizadas pelos sindicatos, nomeadamente contra a reforma das pensões. Tem havido um grande desprezo pelas camadas do eleitorado que têm vindo a votar na UN: os trabalhadores rurais, as pessoas deixadas ao abandono pelo simples funcionamento da economia, com as perdas de rendimento, com a redução dos serviços públicos, a falta de serviços médicos de proximidade…
Essa fórmula do respeito e da ternura será a melhor para apaziguar a sociedade francesa?
Não é só a sociedade francesa e não há receitas milagrosas. O que é necessário é ir falar com as pessoas, estar no terreno. Em parte, é o que a UN tem conseguido fazer. Ou se muda o estilo de fazer política ou, no médio e no longo prazo, a extrema-direita continuará a crescer.
Um enorme desafio…
A extrema-direita já deu provas de ter muita paciência. Perdem muitas vezes e nunca renunciam. Agora, em França, ficam com um grupo esmagador de deputados e vão usufruir de meios adicionais através das recompensas financeiras do Estado. A mesma coisa acontece no Parlamento Europeu.
É um paradoxo? A UN sai vitoriosa deste processo?
Do ponto de vista político imediato, é uma derrota retumbante. A arte da política consiste em converter derrotas, num dado momento, em vitórias futuras.
Ser oposição beneficia a UN?
Não tenho capacidade para fazer esse tipo de análise. Parece-me mais importante sublinhar a conjuntura. Em Portugal devíamos questionar-nos sobre o que podemos aprender com a experiência francesa. No Parlamento Europeu acaba de formar-se um novo grupo, que reúne a UN, o Chega, o Vox e outros partidos do género, promovido pelo primeiro-ministro húngaro. Face a este grupo de movimentos, e aí França tem algo a ensinar-nos, temos o dever de suscitar o debate sobre se devemos aceitar a sua existência e eventual dissolução.
Um debate complicado…
Pode parecer radical, mas creio ser urgente. Nós, em Portugal, saímos de uma ditadura há 50 anos. Queremos ter um regime semelhante ao que existe na Hungria? Nós que somos os filhos e os netos da geração que lutou pela liberdade e pela democracia, vamos aceitar isto?
Qual é a sua resposta, enquanto cidadão?
Tal como a lei proíbe os discursos de ódio, considero que deve haver uma solução legal para interditar os partidos que representam uma ameaça vital para o sistema.
As turras da coabitação
Com o fim do regime de Vichy e da ocupação nazi, os franceses deram início à IV República, um período conturbado e de grande instabilidade política. Em 1947, o socialista Léon Blum, o então primeiro-ministro, advertiu que o país, “as liberdades cívicas e a paz pública” estavam ameaçados devido à violência política, às greves e à incapacidade dos partidos de se entenderem. A questão é resolvida pelo general Charles de Gaulle que, em 1958, fez aprovar uma nova Constituição a reforçar os poderes presidenciais em detrimento da Assembleia Nacional. Nascia a V República.

1986-1988 François Mitterrand vs. Jacques Chirac
Pela primeira vez em três décadas, os franceses tiveram um Presidente e um primeiro-ministro de diferentes famílias políticas. Nesta “coabitação combativa”, Chirac (conservador) acusou Mitterrand (o chefe de Estado socialista) de nunca o deixar dormir numa “cama de rosas”.

1993-1995 François Mitterrand vs. Édouard Balladur
Na sequência da derrota socialista nas legislativas de março de 1993, Mitterrand, enfraquecido, aceita nomear o antigo ministro da Economia e secretário do falecido Presidente Pompidou. Não se deram mal e protagonizaram a Coligação do Veludo.

1997-2002 Jacques Chirac vs. Lionel Jospin
A vitória das esquerdas, com maioria absoluta, nas legislativas de 1997 obriga Chirac a nomear um socialista para liderar o governo. Apesar da rivalidade (iam ambos às cimeiras europeias), aprovaram a reforma da Constituição (mandatos presidenciais passaram de sete para cinco anos) e a semana de 35 horas de trabalho.