Um dos clássicos mitos dos comentadores de direita, e dos discos riscados de tanto rodar das confederações patronais, é o da rigidez do mercado de trabalho português e da dificuldade em promover a maior competitividade agilizando os despedimentos individuais ou coletivos.
Sucessivas vagas de revisão das leis laborais, quer no governo de Durão Barroso, com a aprovação do Código do Trabalho, quer com o tsunami das medidas da troika implementadas pelo agora retornado ministro Álvaro Santos Pereira, tornaram Portugal um país marcado por um dos mais elevados índices de precariedade laboral, com novas gerações que chegam aos 40 anos sem saber o que é um contrato sem termo, horários de trabalho superiores à média europeia, uma banalização do trabalho extraordinário e ao fim de semana, desconhecida na Europa com que gostamos de nos comparar, e um grande embaratecimento dos custos a pagar em caso de despedimento coletivo ou sem justa causa.
Verdade seja dita que os Governos PS, se estancaram a torrente de desregulação do mercado de trabalho, foram sempre muito contidos na reposição de direitos, exceto a preocupação da Agenda do Trabalho Digno com situações extremas de unilateralidade patronal ou com as novas formas de servidão como os pseudo-profissionais liberais que pedalam pela cidade a entregar refeições ou outras encomendas.
Tudo isto num ambiente com uma deriva ideológica, seguida até pela comunicação social, que tem vergonha de falar de trabalhadores e refere que as empresas têm “colaboradores”, em que o receio da não renovação do contrato a termo abre espaço a todas as arbitrariedades e em que os sindicatos no setor privado são vistos como um anacronismo com taxas de filiação das mais baixas da Europa.
Os sindicatos também não perceberam esta radical mudança do mundo do trabalho e enquistaram-se cada vez mais na defesa dos direitos dos trabalhadores com vínculo permanente do Estado ou das empresas públicas, cada vez mais apontados pelo novo linguajar como privilégios obsoletos. Para os jovens trabalhadores abaixo dos 40 anos, no setor privado e nas pequenas e médias empresas, o diálogo social ou as reivindicações coletivas são miragens desconhecidas por quase todos.
É por isso surpreendente a prioridade dada pelo Governo à revisão das leis laborais, num quadro económico de desemprego residual, em que muitas funções são asseguradas por imigrantes com escassos direitos e em que os baixos salários tornam cada vez mais difícil reter os trabalhadores mais qualificados.
Num contexto de baixíssima natalidade e de saldo natural negativo com caráter estrutural, a manutenção das mulheres no mundo do trabalho deveria ser uma cruzada que poderia aliar a defesa da economia e dos valores da família, promovendo formas ativas de conciliação da vida profissional e da vida familiar.
Neste quadro é um escândalo o silêncio do Governo perante os dados da CITE-Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego que apontam para um número recorde, desde o ano da pandemia, de despedimentos ilegais de mulheres grávidas ou em gozo de licença parental. Claro que a forma mais usada em mais de 90% dos casos é a da não renovação do contrato a termo ou a cessação do período experimental.
Sobre a prevenção desta violência social não fala a reforma da legislação laboral proposta pelo Governo.
As prioridades, para além de mais uma simplificação do despedimento e a dispensa da obrigação de reintegrar trabalhadores despedidos ilegalmente, são o retorno do “banco de horas” individual até às 60 horas de trabalho semanais, como se patrão e trabalhador estivessem em posição de igualdade negocial, a maior flexibilidade de trabalho ao fim de semana, ou as limitações dos direitos de acompanhamento de filhos menores ou da amamentação.
Esta opção ideológica, porque também há “ideologia” no pensamento de direita, pelo regresso progressivo ao estatuto de servos da gleba e da contratação à jorna, teria como complemento comum nas redes sociais de inspiração americana o regresso das mulheres às virtudes do lar, que só os baixos rendimentos médios portugueses não permitem defender de forma mais descarada.
Sabemos que a ministra do Trabalho é uma mulher profissional de sucesso e com experiência de maternidade, mas por toda esta falta de “consciência de classe” e pelo silêncio perante o aumento do despedimento de grávidas e de jovens mães merece o prémio Laranja Amarga de hoje.
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