Desde cedo que António Caçorino quis seguir uma carreira no mundo financeiro. Inspirado pelo pai, que fundou a boutique financeira StormHarbour, direcionou o percurso académico para essa área. Começou a carreira em Londres, cidade onde passou grande parte da infância, e seguiram-se passagens pelo banco BNP Paribas, uma boutique de investimento suíça e um fundo de private equity. Além do interesse pelo setor financeiro, o gestor de 33 anos teve sempre uma paixão pelo desporto, contando com alguns atletas como melhores amigos. Durante a pandemia, numa fase em que ficou em confinamento com o piloto António Félix da Costa, surgiu a ideia de criar uma sociedade de investimento para atletas e com foco no desporto. António Caçorino ainda regressou à sua antiga atividade, mas já com planos para lançar a APEX. Com António Félix da Costa, Pedro Félix da Costa e o piloto neozelandês Mitch Evans, o conceito arrancou a todo o gás. Pouco tempo depois, a sociedade conta já com dezenas de atletas de topo como investidores e com ativos de cerca de €100 milhões.
Como surgiu a ideia de criar uma sociedade de investimento dedicada exclusivamente ao desporto?
A fundação da empresa vem da nossa proximidade aos atletas. Sendo muito próximo de vários atletas – o António Félix da Costa é um dos meus melhores amigos desde criança – e sendo um amigo deles que estava muito ligado ao mundo dos investimentos, faziam-me muitas perguntas sobre este tema. E foi aí que comecei a perceber que eles poderiam investir de uma forma mais ativa. Antes de vermos uma oportunidade no desporto, vimos uma oportunidade com os atletas. E o setor em que fazia sentido apostar era o do desporto, porque eles entendem-no como ninguém, têm um valor comercial e um network fundamentais, o que é ótimo para qualquer empresa em que invistam. Têm ainda a vontade de ser cada vez mais reconhecidos para lá de atletas. Fundámos a empresa no final de 2020 e no primeiro ano fizemos mais de 12 investimentos, com 30 a 40 atletas, cada um com a sua história. E foi aí que começámos a perceber que tínhamos um diamante.
Como são feitos os investimentos? Através de fundos?
Temos um fundo de venture capital. Em private equity – como o investimento que temos na Alpine, por exemplo –, é tudo feito deal by deal. Queremos manter esta liberdade para não estarmos limitados a maturidades e a um determinado tipo de estratégia. Enquanto APEX, o nosso objetivo é fazer aquisições e operar, mas temos de reconhecer que somos ainda uma empresa em crescimento, portanto preferimos ter posições minoritárias com algum tipo de governance. Quando se vai levantar um fundo, tem de se ter uma estratégia bastante definida e foi assim que fizemos no nosso fundo de venture capital. Tivemos dois anos de deal by deal e percebemos exatamente qual era o nosso sweet spot e as oportunidades para definirmos uma estratégia. Eventualmente, vamos chegar a esse momento também em private equity.
Há algum objetivo para o prazo em que isso pode acontecer?
Só nos últimos seis meses já quase triplicámos o valor sob gestão em private equity e temos cada vez mais family offices, high-net-worth individuals [HNWI, pessoas com elevado património líquido] e mesmo fundos de fundos que querem entrar connosco porque se olharmos para o landscape de private equity não existe nenhum verdadeiramente expert no desporto…
Há a CVC, uma das maiores sociedades de private equity da Europa, mas não é apenas desporto…
Temos nos EUA um ou dois que nascem no desporto, mas são apenas um ou dois. Temos os americanos a entrar na Europa e temos alguns, como o CVC, que começam a criar verticais no desporto mas não nascem no desporto, que é um ativo completamente diferente em que tem de se entender certas coisas. Eles criam estratégias de desporto, mas nascem das equipas deles que não são necessariamente dessa área. Nós vemos uma oportunidade de ser o primeiro private equity no desporto que está confortável em tomar risco nesse setor. Os fundos de private equity não tomam risco de desporto.
Se a CVC ou outra grande sociedade de private equity que queira entrar no desporto tentasse comprar a APEX, vendê-la-ia?
Nesta fase, não. O preço que iriam pôr não seria o que acredito ser justo. É verdade que crescemos brutalmente nos primeiros três anos, mas a visão que temos é a de que ainda estamos nos primeiros passos. Seria um corte, quando agora fizemos a parte mais difícil. Mas claro que tudo tem o seu preço. E já tivemos conversas, até mais do lado das grandes agências mundiais…
Que tipo de agências?
Agências que lidam com atletas. Percebem cada vez mais que o atleta é uma marca. Há 30 anos, estas agências faziam apenas gestão de carreira. Há 15, começaram também a fazer gestão comercial. E esta vertical do investimento e do posicionamento tem de ser um serviço que precisam de oferecer e ainda não sabem muito bem como e olham para a APEX nesse sentido. A forma como crescemos rapidamente para os melhores atletas do mundo foi o facto de estarmos a entrar numa área onde ninguém estava.
Qual o valor sob gestão da APEX e o número de investidores?
Só em atletas, entre investidores no fundo e em deals nossos, temos mais de 100. E fora de atletas, diria que temos mais uns 30. Alguns HNWI, family offices, mas essencialmente institucionais. Sob gestão, temos acima dos €100 milhões, incluindo venture capital e private equity.
A maior parte é venture capital?
Sim. Lançámos um fundo com um objetivo de €50 milhões. Já fizemos um second close e estamos confortáveis a caminho da nossa meta.
Quais os maiores investimentos, em termos de avaliação, da APEX?
Estamos investidos numa liga de golfe, a TRW Sports, a liga criada pelo Tiger Woods e o Rory McIlroy em que investimos em dezembro de 2021, numa ronda pre-seed. Ficámos com um terço dessa ronda. Não podemos especificar valores, mas podemos dizer que a nossa participação já vale quase dez vezes mais do que quando entrámos e só agora é que os investidores mais institucionais estão a entrar. No nosso fundo, já representa um grande markup.
E quais são os investidores mais conhecidos?
O Carlos Sainz, o Lando Norris, o Valtteri Bottas. Já fizemos um investimento com o Pierre Gasly. No futebol, o John Stones, o João Mário, o Raphaël Varane, o Christian Eriksen, o Cody Gakpo. Já fizemos dois investimentos com o Anthony Joshua, do boxe. Surfistas como Kanoa Igarashi. Ciclistas como Mark Cavendish e Demi Vollering, que venceu a Volta a França feminina no ano passado, e é muito importante para nós termos atletas femininas. Vamos anunciar também o Marcelo, ex-Real Madrid.
Como é feito o processo de seleção dos investimentos?
Tivemos a sorte, pela natureza do nosso negócio e pela ligação aos atletas, de entrar num momento muito oportuno em que muita gente está a olhar para o desporto com mais respeito como classe de investimento. Antigamente, olhava-se mais como um ativo-troféu ou para marketing. Nos últimos anos essa perceção tem mudado e percebe-se que é um setor em que se pode fazer muito dinheiro e que aguenta crises. O nosso maior problema é demasiado sourcing. Chegam-nos empresas de todo o lado e, portanto, o nosso processo é muito mais de filtragem. Na parte de venture capital, é muito claro. Definimos uma estratégia, sabemos aquilo de que gostamos ou não e até chegar a uma terceira ou quarta fase do processo, é quase matemático. Sabemos o que a empresa faz, quais são os investidores, qual o potencial, se pode trabalhar com mais do que um desporto, quanto está a levantar, gostamos de ter no mínimo 5% das empresas. Há um critério que filtra e a partir daí entramos num processo de diligência. E depois temos o nosso comité de investimento, que tem de aprovar. Desde que uma empresa entra aqui até ser aprovada no comité de investimento demora entre um e dois meses.
Têm ativos em Portugal?
Na parte de venture capital, um dos nossos primeiros investimentos foi numa empresa chamada Full Venue. Foi um investimento pequeno, mas importante para nós, e a empresa tem crescido muito bem. É um software que integra com as equipas de marketing e comerciais de clubes ou de proprietários do desporto e que ajuda a fazer um marketing mais direcionado e já trabalha com federações e clubes a nível mundial.
É possível ter uma ideia da rendibilidade do fundo de capital de risco ou ainda é muito cedo para avaliar?
Temos investidores ainda a entrar. Mas num fundo de venture capital estamos a falar de dez anos de maturidade. Nos primeiros quatro a cinco anos, estamos a investir e depois temos cinco a seis anos para desinvestir. Na parte de venture capital, investe-se em empresas com mais risco e, portanto, nas que ganham, ganha-se muito mais, mas há sempre mais que perdem. Vai olhar-se muito para os markups das que estão a correr bem e temos empresas a valerem mais de dez vezes, outras quatro a cinco vezes mais e não tivemos nenhum write-off. Já temos oito participadas e todas elas positivas. O nosso objetivo é termos uma taxa de rentabilidade acima de 20% por ano.
Dentro do desporto, quais as áreas que apresentam maior potencial de valorização? Para onde está a olhar com mais atenção?
Muitas coisas. Mas vou dar alguns exemplos. Desporto feminino, sem qualquer dúvida. Tem muito por onde crescer e isso já se vê na parte comercial, com as marcas a investirem quase o mesmo dinheiro que no desporto masculino. Há um potencial de crescimento brutal. O que aconteceu nos EUA com o futebol feminino começa a ver-se agora aqui. Mesmo no Benfica, por exemplo, houve uma grande mudança nos últimos três anos. Acreditamos também muito em ligas emergentes: desportos novos que possam surgir ou variantes dentro de um desporto, mas para resolver problemas inerentes. Por exemplo, a liga de golfe em que investimos. O golfe, apesar de ter muitas estrelas, tem falta de valor mediático. Ninguém vê na televisão e mesmo ao vivo não é fácil ver os jogadores. Esta liga em que investimos tem uma parte no simulador e outra, quando se chega ao green, que é feita numa arena [com público e maior proximidade com os jogadores].
Nos últimos anos, o desporto deu sinais de ser uma classe de ativos quase à prova de crises e começou a atrair investidores financeiros. O que pode explicar este maior interesse?
Mesmo quando as pessoas estão mais limitadas financeiramente, não abdicam de ver o seu clube de futebol, por exemplo. Há uma lealdade ao desporto que poucos setores têm. E numa fase em que o mundo está mais dividido – com mais pessoas à esquerda ou à direita ou com mais ou menos dinheiro – ao apoiar o mesmo clube ou ao gostar do mesmo desporto, esse momento unifica. E isso dá uma grande resiliência. Mas há dificuldades em como monetizar os fãs, que não é fácil. Os modelos americanos fazem muito mais sentido do ponto de vista do negócio…
Na Europa esses modelos podem ser de difícil implementação. O caso da Superliga, por exemplo, não correu muito bem…
Mas são precisas essas ideias mais disruptivas. Olha-se para os EUA e vê-se que o Super Bowl, com dez vezes menos audiência, fatura seis a sete vezes mais do que a final da Champions League. Estamos a fazer alguma coisa mal. Porém, também não se pode trazer os modelos americanos, porque aqui a cultura é a base desta paixão e por isso é que as audiências são maiores e os desportos na Europa são mais globais do que nos EUA. O grande desafio é encontrar esse equilíbrio entre trazer uma abordagem mais americana e de entretenimento para a Europa sem perder a paixão à volta do desporto.