Sofre de ansiedade ou de depressão? Das primeiras coisas que deve fazer é regular os horários do sono. Quer emagrecer? Vá para a cama às horas certas. Anda com o sistema imunológico fragilizado? Já sabe… durma bem. Quer prevenir doenças cardíacas, diabetes ou derrames vasculares? Adivinhe o que precisa fazer. Gostaria de ter uma boa concentração, mais atenção e proteger a memória? Exatamente: cama!
Para quem tem mais de 40 anos, esta abordagem das boas noites de sono como panaceia para tantos males pode parecer algo desfasada. Sim, crescemos a ouvir dizer que “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”, mas também passámos pelos anos 80, em que a cultura de trabalho yuppie prometia tudo menos dormir – era o tempo em que se achava que o mérito resolvia tudo, trabalhar intensamente para alcançar grande sucesso e mais dinheiro, como se uma funcionária da caixa de um supermercado enriquecesse por fazer longas e intermináveis horas.
Depois enchemo-nos de referências de mentes aguçadas e que dormem muito pouco, como o nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em 2012, Donald Trump proclamava aos quatro ventos que o segredo para estar sempre um passo à frente da concorrência era o facto de repousar apenas entre três e quatro horas por noite. O estilista Tom Ford três. A apresentadora de televisão Martha Stewart menos de quatro. Bill Clinton entre cinco e seis… E a lista da Business Insider, publicada nesse ano com o título 10 pessoas de sucesso que mal dormem segue com um conjunto de CEO de grandes multinacionais.
Por outro lado, no tempo dos nossos pais e avós, o direito à preguiça não era sequer um direito, quanto mais visto de forma positiva. Dormir muito seria coisa de gente malandra.
Na verdade, conta-nos a História, o sono, sendo uma necessidade biológica, teve os seus padrões definitivamente alterados com a Revolução Industrial e a introdução da iluminação pública artificial, primeiro a gás, depois a eletricidade. Antes do século XIX, dormiam-se dois sonos. O primeiro, entre as 21 horas e as 23 horas, permitia descarregar a exaustão dos pesados trabalhos diários. Depois as famílias acordavam e conviviam até à uma da manhã. Ou trabalhavam em casa. Essas duas horas serviam também para os casais se encherem de filhos, como conta o historiador Roger Ekirch à BBC. O segundo sono ia até ao raiar do sol.
O sono dividido é muito comum no reino dos mamíferos. Mas o mais incrível são os resultados de uma experiência levada a cabo nos anos 90 pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos da América. Depois de se reduzir consideravelmente o tempo de iluminação artificial à noite a um grupo de homens, ao fim de alguns dias, eles, que toda a vida tinham dormido um só sono, passaram a dormir dois.
Os ciclos circadianos alteraram-se, então, com a iluminação das ruas das cidades e, agora, só em regiões muito remotas do planeta é que ainda se encontram povos com o hábito do chamado sono bifásico.
O problema é que dormimos cada vez pior. E não é só pela omnipresença da luz elétrica – é também pela falta de vontade de a desligar. Os serões prolongam-se e, desde os anos 60, concluíram vários estudos ingleses e norte-americanos, a duração do sono foi encurtada em duas horas. Primeiro veio a televisão, depois os restantes ecrãs que tanto nos viciam. Juntamente com a ideia de que é preciso ser muito produtivo e a multiplicação das atividades noturnas nas cidades que nunca dormem.
“Somos uma espécie extremamente arrogante. Sentimos que podemos abandonar quatro bilhões de anos de evolução e ignorar o facto de que pertencemos a um ciclo que envolve a noite e o dia. Agir contra o nosso relógio biológico pode trazer sérios problemas”, afirmou o investigador Russell Foster, da Universidade de Oxford, ao The Telegraph.
Quais são as consequências disto para a nossa saúde? Porque precisamos tanto de dormir?
Crescimento e solidão
Décadas e décadas de investigação resultaram num consenso: um adulto precisa de dormir entre sete e oito horas por dia. Se um bebé chega facilmente às 17 horas diárias, a necessidade de sono vai progressivamente diminuindo com a idade até estabilizar num mínimo de sete a partir dos 18 anos (ver infografia Horas ideais de sono).
Um estudo do norte-americano Brain and Mind Institute, de 2018, mostra que dormir abaixo, mas também acima, do intervalo de sete a oito horas compromete as competências verbais e o raciocínio. Outra das conclusões é que não dormir o suficiente numa base regular produz mais danos do que passar uma noite em claro.
Lutar contra o relógio biológico, algo que os adultos tanto fazem, como se fossem crianças em birra na hora de ir para a cama, traz consequências para a nossa saúde – e não estamos só a falar das olheiras. A privação contribui para o risco de desenvolver cancro, doenças cardíacas, diabetes tipo 2, obesidade, hipertensão, depressão, entre outros males. Sem falar dos efeitos nefastos que provoca no cérebro.
Dormir não é uma perda de tempo. Como destaca Joaquim Moita, coordenador do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC), num artigo da VISÃO Saúde, “o sono é vital para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo”. É “durante a noite que são exercidas as funções de reparação dos tecidos musculares e se consolidam aprendizagens”, garante.
A hormona do crescimento é libertada durante o sono, com os maiores picos a acontecerem no sono profundo, percebendo-se a necessidade de as crianças dormirem mais horas. Além do crescimento físico, esta hormona também é responsável pela reparação de tecidos. A sua insuficiência resulta num crescimento mais lento e numa estatura mais baixa.
Quanto à aprendizagem, um estudo publicado na JAMA Pediatrics concluiu, a partir de uma amostra de adolescentes, que os que dormiam menos de oito horas por dia tinham mais propensão para ter dificuldades de aprendizagem e de avaliação das situações de perigo, levando a um aumento de condutas de risco e de acidentes.
Além disso, aponta a Associação Portuguesa de Sono, de acordo com um estudo do Centro de Ciências do Sono Humano da Universidade de Berkeley, na Califórnia, mostra que “tanto a solidão como o isolamento social representam grandes riscos para a saúde e estão ligados a um sono pior.” Recorrendo à ressonância magnética funcional, percebeu-se que, no próprio cérebro, a privação provoca um funcionamento socioemocional inferior, prejudicando “as regiões do cérebro que normalmente estimulam o envolvimento social e a compreensão da intenção de outra pessoa”. Além do próprio comportamento se alterar, já que não estamos tão “frescos” para sair de casa e conviver após um dia de trabalho.
Nesta sociedade ultraconectada, com serviços disponíveis 24 horas por dia, a falta de sono tem sido uma praga. Ou melhor, um problema de saúde pública. Um inquérito da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e da Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, de março deste ano, mostra que 46% dos portugueses com mais de 25 anos dormem menos de seis horas por dia. Mais de 20% têm insónia inicial, ou seja, demoram mais de 30 minutos a adormecer, 32% consideram o seu sono razoavelmente mau ou mau, e 40% referem, pelo menos, um episódio, no último mês, em que tiveram dificuldade em manter-se acordados enquanto conduziam, durante as refeições ou em atividades sociais.
“A má higiene do sono afeta negativamente a qualidade de vida em termos de perda de memória, sonolência acentuada, défice de concentração, irritabilidade e alteração do humor. A sonolência associada a esta má higiene do sono aumenta o risco de acidentes de viação e de acidentes de trabalho. Se o número de horas de sono for inferior ou igual a cinco horas, o risco cardiovascular também aumenta”, refere o comunicado da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Dormir sobre o assunto
Mas porque dormimos? Já sabemos que o cérebro não dorme, que durante o sono o nosso corpo passa por diversos processos… mesmo assim, que vantagem evolutiva existe em passar tantas horas em estado de inconsciência quando esse facto deixava os nossos antepassados tão vulneráveis aos outros predadores (que também dormem, naturalmente)?
Ainda existe um elevado grau de mistério no sono. Por exemplo, os cientistas ainda não perceberam se a atividade cerebral de processar memórias, o famoso “dormir sobre o assunto”, requer mesmo que estejamos a dormir (e, daí, a resposta à pergunta: porque dormimos?) ou se acontece durante o sono porque acaba por ser mais prático e eficiente do que se fosse feita durante o dia.
Outras questões ainda em aberto prendem-se com os porquês de o sono ser essencial à sobrevivência, já que, se não dormirmos, podemos morrer. O Livro de Recordes do Guinness deixou de registar, em 1997 e por razões de segurança, os recordes sobre o número de dias que um ser humano aguenta sem dormir. O atual detentor do recorde é o norte-americano Robert McDonald que, em 1986, passou 453 horas (18 dias) e 40 minutos sem adormecer. Além de ter perdido peso e da dificuldade de se lembrar das coisas, não registou efeitos na saúde a longo prazo.
Cada pessoa é diferente, porque, antes dele, o DJ Peter Tripp passou, em 1959, 201 horas sem dormir, sofrendo psicoses e alucinações, embora não se perceba se a Ritalina que tinha tomado estava a ajudar à “festa”. As alucinações, no entanto, são comuns a partir do quarto dia em privação. Na altura, os médicos notaram que as alucinações de Peter Tripp ocorriam em ciclos de cerca de 90 minutos, tal como o sono REM, concluindo que o cérebro do homem estava a criar uma versão acordada do sono REM para lidar com a privação.
O que acontece no caso da insónia familiar fatal, uma doença hereditária extremamente rara, em que as pessoas vão perdendo a capacidade de dormir, é que a morte ocorre entre os sete e os 73 meses após o início dos sintomas. No entanto, o início dos sintomas ainda incluem horas de sono e só em estado avançado é que se dá a privação total da capacidade de dormir, uma vez que a doença afeta o tálamo. O final da vida é já numa espécie de coma acordada, depois de se ter passado pela perda da coordenação motora, pelo declínio cognitivo até à demência, e pelo aumento da frequência cardíaca.
Como se morre – se é que se morre – de sono? Numa pessoa saudável, o cérebro vai lutar? Os cientistas já observaram que a falta de sono mata ratos no laboratório e encurta a vida das moscas da fruta. E colocam hipóteses. Nos primeiros, se dormir faz com que as células do cérebro encolham, deixando fluir o líquido cefalorraquidiano, que vai remover resíduos acumulados, a privação pode fazer com que estes resíduos tóxicos se acumulem no cérebro. Nas segundas, estudou Dragana Rogulja, neurobióloga da Harvard Medical School, pode ter sido uma acumulação de moléculas altamente reativas, contendo oxigénio, no intestino.
Outra questão que intriga Dragana Rogulja é por que razão o sono implica uma perda de consciência e um fechamento ao mundo exterior para dar lugar ao admirável mundo interior. Como é que o cérebro se desliga do meio ambiente, quando o corpo começa a dormir? “O sono é um estado unificado, mas parece ter múltiplos componentes que são regulados por diferentes mecanismos”, explica a investigadora, desfazendo o mito que o sono é “do cérebro, pelo cérebro e para o cérebro”: “As pesquisas mostram que a privação provoca todo o tipo de doenças no corpo, o que nos sugere que o sono é sobre mais do que o cérebro”, adianta.
Numa entrevista ao site da universidade, Dragana Rogulja, com investigação publicada na Cell, especula ainda se o toque ou a temperatura são processados da mesma forma durante o sono. Ou se existe uma só zona do cérebro onde a informação sensorial está atenuada quando dormimos ou se, pelo contrário, são várias as zonas implicadas. Muito ainda para desvendar.
O que é um bom repouso?
O facto é que o cérebro não descansa, permanecendo ativo. As áreas que envolvem o processamento sensorial são as mesmas que atuam na fase desperta, embora haja funções cerebrais “desligadas”. Caso do tálamo, que deixa de enviar sinais sensoriais ao córtex – e assim podemos adormecer no sofá e deixar de ouvir e ver a televisão ligada à nossa frente.
Entram em ação a melatonina, a hormona do crescimento e o neurotransmissor GABA que paralisam os músculos e inibem o movimento. O tronco cerebral, situado na base da cabeça, mantém o corpo em repouso e cumpre-se a função reparadora do sono: a produção de líquido cefalorraquidiano favorece a eliminação de toxinas e, simultaneamente, as memórias do que foi aprendido durante o dia são consolidadas. “São 133 triliões de ligações a assegurar a manutenção das funções orgânicas e quatro milhões de ações por segundo em funções de limpeza e consolidação de aprendizagens”, explicava o médico Anselmo Pinto, da Clínica do Sono, na VISÃO Saúde, adiantando que “o nosso cérebro gasta 30% de energia que consumimos à noite”.
Ora, a teoria de que dormimos para poupar energia – uma das que tenta explicar esse mistério que é a necessidade do sono – cai por terra, tendo em conta que gastamos bastantes calorias durante a noite, quase tantas como quando acordados.
HORAS IDEAIS DE SONO
Idades/ Nº de horas
0-3 meses 14 a 17
4-11 meses 12 a 15
1-2 anos 11 a 14
3-5 anos 10 a 13
6-13 anos 9 a 11
14-17 anos 8 a 10
18-25 anos 7 a 9
26-64 anos 7 a 9
+65 anos 7 a 8
Fonte: National Sleep Foundation
A Terra tem o seu ciclo de luz e escuridão e a nossa saúde agradeceria se respeitássemos o relógio biológico. “Quando começa a produção de melatonina é de evitar a exposição a leds ou luz azul para não trocar as voltas ao sono nem ir para a cama com níveis de excitabilidade elevados”, aconselha Joaquim Moita. De madrugada, quando a luz do Sol entra na retina, surgem outros neurotransmissores (dopamina e noradrenalina) e hormonas (cortisol) que promovem o acordar.
Como sabemos que tivemos uma boa noite de sono? Acordar descansado e pronto para a vida pode ser um bom indicador, mas a resposta tem outras dimensões. Para a Ciência, uma noite bem dormida implica que tivemos quatro ou cinco ciclos de sono completos. Cada ciclo é composto de quatro fases (ver infografia As fases do sono).
Nas três fases “não REM” (N1, N2 e N3), o cérebro fecha-se aos estímulos do ambiente e reduz a sua atividade. Na fase REM (rapid eye movement, movimento rápido dos olhos), o sistema nervoso simpático fica ativo e a mente mostra-se pronta para a ação, como se estivesse desperta. Um hipnograma é um registo gráfico dos estágios do sono, obtido a partir de um exame de polissonografia.
Na fase N1, que dura cerca de 10 minutos, começamos a adormecer, fechamos as pálpebras e estamos num estado de consciência entre a vigília e o sono. A fase N2 (cerca de 40 minutos) é a mais longa do ciclo. A respiração, a frequência cardíaca, a temperatura e o tónus muscular reduzem-se e o cérebro já não está a receber estímulos ambientais. Depois entramos na N3, o sono profundo, que dura cerca de 20 minutos. É a grande fase reparadora. Finalmente, na fase REM (cerca de 20 minutos), há uma atividade cerebral intensa e é aqui que sonhamos. Esta fase vai aumentando de duração ao longo da noite, na proporção em que diminui o sono profundo.
A qualidade de uma noite descansada é feita de vários parâmetros, como a quantidade de vezes que se acorda e, sobretudo, o tempo que passamos na fase do sono profundo. Com implicações na saúde.
As doenças da privação
Começamos pelo risco cardíaco, muito potenciado pela doença da apneia do sono (ver entrevista). Vânia Caldeira, coordenadora da comissão de trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, explica como funciona: “Quando existe uma apneia dá-se uma interrupção do fluxo aéreo, ou seja, durante uns segundos a pessoa não está a respirar. Como a perda de oxigénio é periódica, a curva do oxigénio torna-se um vai e vem, a chamada hipóxia intermitente crónica, que aumenta o risco cardiovascular, tanto hiperativando o sistema nervoso simpático, que faz a regulação da parte cardíaca, o que leva a um aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, como libertando citocinas inflamatórias, ou seja, a apneia é uma doença do sono, mas que se comporta como uma doença inflamatória sistémica. As citocinas e as perdas de oxigénio alteram as paredes dos vasos sanguíneos e há um risco de aterosclerose precoce.”
A hipertensão e a insuficiência cardíaca estão muito relacionadas com a apneia do sono, mas também doenças como enfartes e arritmias. “Quem tem uma arritmia tem de fazer o estudo do sono”, avisa a pneumologista, adiantando que “o risco cardíaco durante a noite fica mais potenciado (enfarte e AVC, que está muito associado às subidas de tensão durante a noite). Na apneia, não existe a habitual descida da tensão durante a noite, ou seja, o corpo está em esforço.”
O excesso de peso é uma das principais causas da apneia e é também regulado durante a noite. “A expressão da leptina e a grelina, as hormonas da saciedade e do apetite, está dependente do sono e, se este está comprometido, pode gerar uma desregulação na produção destas duas hormonas, com efeitos na obesidade”, continua a médica.
A regulação do metabolismo, importantíssima no caso da diabetes, faz-se também a dormir, assim como a regulação do sistema imunológico. Se o sono for curto, por exemplo menos de seis horas por dia, há mais hipóteses de se ser infetado por vírus respiratórios. “Nas diferentes fases do sono, uma das principais funções é a regulação do sistema imunitário. Existem células que reconhecem os organismos nocivos e, enquanto dormimos, tem lugar a formação de células de resposta imediata a estímulos nocivos. A isto aliam-se os processos de memória, ou seja, células que memorizam a resposta adequada a vírus e bactérias, por exemplo. E há ainda um processo de recuperação celular, eliminando células más e produzindo células mais úteis. O sono é também um momento de recuperação do estado de doença”, descreve Pedro Americano, pneumologista no Hospital de Portimão.
Cancro e depressão
Menos referido é o efeito do sono na prevenção do cancro. “O processo é por via da reparação celular. O cancro surge porque há um erro na multiplicação celular, as células estão constantemente a dividir-se e dá-se uma mutação, as células dividem-se de forma descontrolada, forma-se uma massa. Como o sono é fundamental para a regulação da multiplicação celular, reparando células, tem um papel no caso do cancro”, explica Pedro Americano.
Mas não só ao nível da prevenção – a privação do descanso é um fator que pode contribuir para desencadear um cancro e há estudos que relacionam uma maior incidência desta doença em trabalhadores por turnos, um grupo muito afetado pela disrupção dos nossos ritmos biológicos.
De acordo com a investigadora Cátia Reis, especialista na área do sono e ritmos biológicos, em entrevista ao jornal Público, verifica-se que em “cancros ligados ao aparelho reprodutor, o cancro da mama e o cancro da próstata, no caso dos homens, existe uma associação superior em pessoas que têm mau sono”.
No que diz respeito ao cérebro, já vimos como uma boa noite de sono é fulcral para o processamento e consolidação da memória. A atenção, o foco, a concentração muito devem a umas horas bem dormidas.
“Outro aspeto fulcral é o papel do sono na regulação do humor, que ocorre nas fases mais profundas. Isso é muito visível quando se dormiu mal e se acorda de mau humor. Temos reações exageradas, maior irritação e desregulação emocional”, continua Pedro Americano, aliando aqui na desregulação das emoções a questão da ansiedade.
Mas a ansiedade está também ligada à produção de serotonina, a chamada “hormona da felicidade”. Este neurotransmissor que estabiliza o humor, regula o apetite e função cognitiva, desempenha um papel na prevenção da depressão. O sono e a depressão influenciam-se: esta pode provocar tanto insónias como hipersónias (dormir em excesso). Já os problemas com as horas de descanso agravam os sintomas de depressão. E se houver desequilíbrio nos níveis de serotonina, também o sono sofre, tornando-se mais agitado, com despertares frequentes.
A depressão e ansiedade são responsáveis por 30% a 40% das insónias, que afetam mais as mulheres e os idosos. Podemos ter insónia inicial (demorar mais de meia hora a adormecer), intermédia (quando se acorda a meio da noite e não se consegue voltar a dormir) e terminal, num despertar mais cedo do que o suposto.
Poderíamos sugerir não ruminar nos problemas do dia a dia, afastar os ecrãs do quarto, ter uma rotina horária, não fazer exercício físico antes de dormir e, claro, não beber café. Porque há muito no nosso comportamento que vai afetar as tão preciosas horas de sono. Mas também existe toda uma construção social que pesa aqui, do excesso de trabalho e de solicitações ao crescente número de trabalhadores por turnos, porque a sociedade de consumo não encerra para descanso do pessoal. Foquemo-nos no que podemos controlar e em tentar, mesmo, dormir oito horas por noite.
*com Clara Soares
A evitar
- Deitar-se com os pés frios
- Fumar
- Comer chocolate seis horas antes de ir dormir
- Fazer exercício físico imediatamente antes de se ir deitar
- Discussões e assuntos complexos antes de ir para a cama
- Ingerir álcool quatro horas antes da hora de dormir
- Consumir cafeína seis horas antes de ir dormir. Isto inclui café, chá e vários refrigerantes
- Se tem o hábito de fazer sestas, não exceda os 45 minutos de sono durante o dia
- Comidas pesadas, picantes ou doces, quatro horas antes da hora de dormir. Uma refeição pequena e ligeira antes de se ir deitar é aceitável