Ao todo, serão 48 os concertos que celebram a 25.ª edição do Festival de Músicas do Mundo de Sines, prometendo, como já é tradição, uma verdadeira viagem musical e multicultural. Os espetáculos alternam entre a vila de Porto Covo, de 18 a 20 de julho, e os tradicionais palcos em Sines, até dia 26.

A programação, de luxo, reúne nomes consagrados da música global como a histórica Orchestra Baobab e, também do Senegal, Youssou N’Dour, a mexicana Julieta Venegas, a maliana Rokia Traoré, os palestinianos-jordanos 47Soul, o jamaicano Max Romeo ou o icónico coro búlgaro The Mystery of the Bulgarian Voices.

Estes artistas, imortalizados pelas suas trajetórias e estilos singulares, são acompanhados de perto pela imensa delegação dos países de língua portuguesa, na qual se destacam os brasileiros Nação Zumbi e Bia Ferreira, as portuguesas Lena d’Água, Ana Lua Caiano e Capicua, o angolano Bonga ou o moçambicano Roberto Chitsondzo.

Nesta edição tão especial, o FMM Sines continua ainda assim fiel a si próprio, apostando tanto na renovação como na descoberta, com as estreias de países como Bolívia, Gabão, Guatemala, Jordânia, Indonésia (Java) e, curiosamente, Somalilândia – um estado que ainda busca pelo reconhecimento no panorama musical. O habitual compromisso com a diversidade é refletido na presença de artistas oriundos de quatro continentes, evidenciando o objetivo inicial do festival em construir pontes culturais e musicais.

Os concertos têm início em Porto Covo, no Largo Marquês de Pombal, onde o ambiente descontraído e a proximidade entre os artistas e o público proporcionam um cenário tão intimista quanto vibrante.

Depois, entre 21 e 26 de julho, o festival transfere-se para Sines e volta a ter como epicentro o histórico castelo, mas com as ondas de choque a espalharem-se um pouco por toda a cidade, com espetáculos gratuitos no Centro de Artes, Largo Poeta Bocage, Pátio das Artes e Avenida Vasco da Gama, onde a festa se prolonga noite fora.

Além de música ao vivo, esta 25.ª edição contará também com iniciativas paralelas que envolvem as mais diversas artes, promovendo a reflexão e dinamizando os espaços públicos, ou seja, o FMM Sines 2025 continua a assumir-se como uma celebração da diversidade e da partilha de experiências entre realidades aparentemente diferentes, mas com muito mais em comum do que à partida aparentam.

Num mundo cada vez mais globalizado, mas ao mesmo tempo tão dividido, Sines volta assim a ser um espaço de encontro e diálogo, onde a música se transforma na linguagem universal que une as pessoas.

Festival Músicas do Mundo > Vários locais de Porto Covo e Sines > 18-26 jul > grátis a €75 (passe) > programa completo aqui

Ana Paula Martins tem passado os dias a apagar fogos. Esta segunda-feira, chamou ao Ministério da Saúde responsáveis do INEM, da Liga dos Bombeiros e da Cruz Vermelha. Depois de mais um domingo com seis urgências encerradas, a ministra quis saber se é possível pôr mais ambulâncias a fazer transporte de doentes para os hospitais que têm estes serviços abertos. O problema, explica uma das fontes presentes da reunião, é que “muitas vezes as ambulâncias ficam muito tempo à espera, por exemplo, das macas, ou há trânsito ou é preciso passar a Ponte 25 de Abril e, de repente, um transporte que se fazia em 20 minutos passa a demorar 40 ou mais”. António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros, disse ao Público que os bombeiros estão “disponíveis para ajudar a responder à emergência pré-hospitalar”. Mas a VISÃO sabe que da reunião não saiu fumo branco. O encontro acabou com todos a prometer fazer esforços para dar mais resposta e concentrar as viaturas nas regiões onde elas têm feito mais falta (na Margem Sul, em Aveiro e em Leiria), mas ninguém sabe ao certo como se vai resolver o problema. “Ambulâncias até se arranjam. O problema são as equipas”, comenta um dos presentes na reunião.

Em novembro de 2024, no rescaldo de uma greve para a qual não tratou de impor serviços mínimos e durante a qual morreram 11 pessoas, Ana Paula Martins deu aos jornalistas uma daquelas respostas que ficam coladas à pele. “A matéria é de tal maneira importante, urgente e prioritária que o meu tempo no dia a dia tem de ser dedicado em mais de 70% a resolver os problemas do INEM.” A irritação com a sua então secretária de Estado, Cristina Vaz Tomé, foi impossível de disfarçar. “O INEM passou a estar debaixo da minha dependência direta desde há dois dias, porque é uma matéria de uma prioridade enorme, como se está a ver”, disse, anunciando, assim, com estrondo, que tirava a pasta a Vaz Tomé.

Uma “imprudência” e uma “trapalhada”

As palavras inusitadas da ministra tiveram grande eco. Não é normal ver um ministro a desautorizar publicamente desta forma um secretário de Estado, ainda por cima sem que este se demita. Mas a forma como Ana Paula Martins falou não apanhou de surpresa quem lhe está mais próximo, muito menos os que há muito viam nos corredores do Ministério a incompatibilidade notória entre as duas mulheres. “A Ana Paula não tinha experiência política. Foi imprudente e delegou na Cristina Vaz Tomé”, conta quem acompanhou o caso de perto e assistiu à forma como a secretária de Estado lidou com o INEM “sem estar por dentro das coisas da Saúde” e foi chocando cada vez mais de frente com a ministra. “Foi uma trapalhada.”

A “trapalhada” incluiu não só ignorar os pré-avisos de greve dos sindicatos do INEM e as suas tentativas para negociar evitando a paralisação, mas também o ignorar dos alertas do Tribunal de Contas, do INEM e da Força Aérea sobre a necessidade a abrir o concurso para os helicópteros do serviço de emergência médica até 30 de setembro – haveriam de ser abertos no final de novembro.

Quem conhece os bastidores da história diz que a má relação entre Ana Paula Martins e Cristina Vaz Tomé não ajudou e lembra que, ao contrário do que é normal, a ministra da Saúde chegou ao primeiro Governo de Luís Montenegro sem escolher um único secretário de Estado. Mas a tal “trapalhada” do INEM pode ainda não ter terminado e os custos políticos estão longe de estar controlados. Os próximos episódios terão seguramente palco na Comissão Parlamentar de Inquérito ao INEM, proposta na semana passada pela IL e aprovada com os votos a favor dos liberais, do Chega, do Livre, do PCP, do BE, do PAN e do JPP e com a abstenção do PSD, do PS e do CDS.

A estranha história dos helicópteros

Já os custos financeiros da verdadeira “trapalhada” em que se tornou a contratação de helicópteros para o INEM são mais fáceis de fazer: para já, pelo menos 1 milhão de euros por mês. É que a Gulf Med – a empresa que ganhou o concurso lançado por esta ministra – terá avisado o Governo, já depois de assinar o contrato, de que afinal não tinha as certificações necessárias para fornecer os quatro aparelhos que era suposto. Quando se percebeu que, ao contrário do que o Governo tinha garantido, a Força Aérea não tinha condições para assegurar este serviço durante a noite (só tem um aparelho disponível e as dimensões dos helicópteros que opera são incompatíveis com a maioria dos heliportos dos hospitais), a solução encontrada foi um ajuste direto com… a Gulf Med.

A mesma empresa que não teria já disponíveis todos os meios para executar o contrato de 77,4 milhões assinado com o Estado foi contratada por um ajuste direto (que pode durar até um ano) para fornecer esse serviço por cerca de 1 milhão de euros por mês, segundo o jornal Público, cerca do dobro do que recebia a Avincis, a empresa à qual até ao ano passado estava adjudicada a contratação de helicópteros para o INEM.

Ao Público, o INEM esclareceu que o custo pago à Gulf Med será deduzido no valor a pagar no concurso “na proporção prevista”, mas não explicou ainda por que motivo aparentemente não foi acionada a multa de 190 mil euros por helicóptero por dia, prevista no contrato assinado com a empresa que tem ligações a outras duas empresas envolvidas num escândalo de corrupção em Malta relacionado com a privatização de hospitais. Também ainda não foi dada qualquer explicação para a notícia – avançada pela Sábado – segundo a qual Portugal vai pagar à Gulf Med 15 vezes e meia mais do que a Irlanda pelo serviço de transporte de emergência, quando por cá foram contratados apenas mais dois helicópteros do que na Irlanda (que só contratou dois).

“A ministra foi descuidada. Ela e a secretária de Estado tinham uma relação terrível. Davam-se muito mal”, comenta uma fonte próxima de Ana Paula Martins, admitindo que todo o caso tem potencial para uma “investigação judicial”. A mesma fonte assegura que Luís Montenegro “só se apercebeu tarde” dos problemas entre a ministra e a sua secretária de Estado.

Mas nem a relação difícil com Ana Paula Martins nem os problemas com o INEM foram razão para Luís Montenegro castigar Cristina Vaz Tomé. Pelo contrário. Começou por a pôr num lugar elegível nas listas de deputados em Lisboa, garantiu-lhe depois uma vice-presidência na bancada do PSD no Parlamento e, esta semana, escolheu-a para presidir ao Conselho de Administração do Metropolitano de Lisboa. O lugar estava vago desde o final de 2024, mas foi só agora que o primeiro-ministro decidiu nomear a gestora, que já esteve na Autoeuropa, na KPMG, na RTP, na Impresa e na Alpac, a empresa que detém o jornal Nascer do Sol e a Euronews e que, segundo o Expresso, é suspeita de ter recebido mais de 45 milhões de euros da Hungria de Viktor Orbán.

Cristina Vaz Tomé já está há muito afastada do dossiê do INEM, mas os casos em torno deste serviço ainda devem fazer mais uma baixa: Sérgio Dias Janeiro. Álvaro Almeida, diretor executivo do SNS, não hesitou em atirar para cima do atual diretor do INEM as responsabilidades sobre o atraso na resposta médica a um doente que sofreu um acidente na Covilhã e só deu entrada em Coimbra quase seis horas depois. “Esta é uma questão que devem colocar ao INEM”, disse, depois de se disponibilizar para dar à CNN uma entrevista sobre o caso.

A VISÃO sabe que o Governo já está pronto para dar guia de marcha a Sérgio Dias Janeiro, estando a estudar a possibilidade de pôr no seu lugar um dos nomes que já tinham sido analisados pela CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) para o lugar.

Pacote para a Saúde

A possível saída de Sérgio Dias Janeiro será uma maneira de fazer rolar uma cabeça, poupando para já a de Ana Paula Martins. No PSD, ninguém põe em cima da mesa a possibilidade de a ministra de Saúde sair antes do final do ano. Luís Montenegro quer que seja Ana Paula a concluir a reorganização das urgências que está a ser planeada e que só deve começar a ser implementada depois das eleições autárquicas de 12 de outubro.

O tema é politicamente muito sensível. Prova disso é a forma como, no final de janeiro, os deputados do PSD, eleitos pelo distrito de Setúbal, pediram à ministra uma reunião de urgência depois de Ana Paula Martins ter feito saber que iria estudar a proposta de um grupo de peritos para a criação de um centro materno-infantil na Península de Setúbal e a integração do Hospital do Barreiro e do Hospital Garcia de Orta (em Almada) num regime de urgência metropolitana. “A situação não é fácil de resolver, mas encerrar definitivamente uma maternidade que é a segunda maior do distrito em nascimentos, e num dos maiores distritos do País, não pode ser solução”, diziam então os deputados Bruno Vitorino, Teresa Morais, Sónia dos Reis e Paulo Edson Cunha, numa nota enviada à imprensa, na qual notavam que “o PSD sempre se opôs a esta possibilidade”.

Mais duras ainda foram as palavras do então vereador do PSD no Montijo, João Afonso, que pediu mesmo a demissão da ministra. “A sra. ministra da Saúde tem manifestado um desnorte que a todos nos deve preocupar, não aceitando o PSD do Montijo que os montijenses vítimas do socialismo passem a vítimas da Social Democracia. A sra. ministra da Saúde deverá informar os portugueses se tem ou não capacidade e condições para o exercício do cargo e para executar as reformas estruturais que o SNS desesperadamente precisa”, disse reagindo à notícia do fecho do serviço de urgência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital do Barreiro. Ana Paula Martins não se demitiu. Foi João Afonso quem acabou por sair de cena, demitindo-se da liderança da concelhia do PSD do Montijo e deixando de ser candidato autárquico do partido. “O presidente da distrital disse que eu teria de me retratar. Eu achei que era um ultimato e que não me deveria retratar. Eu acho que tinha razão”, declarou na altura à VISÃO.

Apesar das resistências internas à ideia, Ana Paula Martins não abandonou o plano de criar urgências regionais. Falou nisso, na semana passada, numa entrevista à SIC, pensada para suavizar a imagem da ministra e preparada pela equipa de comunicação de António Cunha Vaz, que está há meses a tentar ajudar Ana Paula Martins. O media training pode tê-la feito repetir várias vezes a palavra “empatia” e até ter contado o seu caso pessoal como mãe para se mostrar sensível aos casos das duas grávidas que nas últimas semanas perderam os bebés em Setúbal, mas a criação de urgências regionais voltou a suscitar críticas. “Na prática, pode significar que muitas grávidas vão continuar a ter de fazer quilómetros e quilómetros para receber cuidados básicos”, reagiu à Lusa Joana Bordalo e Sá, líder da FNAM, que contabilizou 36 nascimentos em ambulâncias desde o início do ano.

O plano de Luís Montenegro não se esgota na criação de urgências regionais. A VISÃO sabe que o Governo está a preparar um pacote de medidas na área da saúde, algumas das quais com potencial para serem muito populares, por serem tentativas de dar resposta a alguns dos principais problemas do SNS, quer no que toca à dificuldade de ter cirurgias a tempo quer no que diz respeito ao acesso a médicos de família – um problema que Montenegro prometia resolver em 2024 e que está longe de ter solução. Neste momento, o número de cidadãos sem médico de família já ultrapassa os 1,5 milhões.

Luís Montenegro também quer que seja Ana Paula Martins a lançar os concursos para as novas Parcerias Público Privadas (PPP) na Saúde. O objetivo é passar para gestão privada 174 centros de saúde agregados a cinco hospitais, que passarão a ser PPP, Braga, Loures, Vila Franca de Xira, Amadora-Sintra e Garcia de Orta, que em conjunto servem mais de um milhão e 700 mil pessoas. Resta saber que condições exigirão os privados para ficar com a gestão, sendo que o presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), Óscar Gaspar, já disse que os hospitais privados saíram “traumatizados” das primeiras PPP do País, que terminaram nos últimos anos.

Ministra deve sair para o ano

“Ana Paula Martins em nenhuma circunstância será afastada antes do final do ano, era preciso acontecer um tsunami para sair antes”, terá dito Luís Montenegro a um círculo mais restrito. Isto, apesar de fontes próximas da ministra darem conta de que Ana Paula está cada vez mais desgastada com toda a pressão pública a que está sujeita e de o verão não se afigurar fácil, com escalas de urgências a serem preenchidas muito à custa de médicos tarefeiros pagos à hora, que não só saem muito mais caros (no ano passado, o SNS gastou 695 milhões em tarefeiros e horas extra, que contribuíram para o pior défice na saúde nos últimos dez anos) como não dão garantias de se apresentarem efetivamente ao serviço.

“Ela está fisicamente exausta. Não tem uma pele muito resistente nem tem experiência política”, relata à VISÃO um amigo de Ana Paula Martins. Apesar do cansaço e do desgaste, a ministra tem pelo menos três missões a cumprir antes de sair: reestruturar o INEM, lançar as PPP e reorganizar as urgências. “Alguém tem de fazer o trabalho sujo”, comenta a mesma fonte, garantindo que Ana Paula Martins está “mentalizada para sair” depois disso.

O senhor que se segue pode ser Álvaro Almeida, o atual diretor-executivo do SNS. De resto, o Governo deve alterar o funcionamento da Direção Executiva e esvaziá-la, mudando o paradigma que tinha sido lançado por António Costa e Fernando Araújo e voltando a concentrar os poderes no Ministério da Saúde. No Governo, espera-se que o próximo ministro possa vir já a beneficiar dos resultados positivos das medidas (algumas muito impopulares) que Ana Paula Martins deve lançar até ao início do próximo ano. Resta também saber como ficarão, nessa altura, as contas do Ministério, já que há quem estime que as medidas que o Governo prepara poderão fazer os custos disparar para os 24 a 25 mil milhões de euros.

Um ministro mentir não será propriamente uma novidade, mas não é um acontecimento banal; um Presidente da República pôr em causa estatísticas oficiais, dizer claramente que tem dúvidas fundadas sobre os números da imigração e sugerir que o Governo toma medidas com base em perceções e não em factos não é assunto corriqueiro; um partido central e fundador da nossa democracia aliar-se a um movimento de extrema-direita em questões vitais não será mais um momento na vida da nossa democracia. 

Tirando o segundo ponto, que foi olimpicamente ignorado por quase toda a gente, como se o que o Presidente da República diz não tivesse importância ou por já estarmos todos convencidos de que os factos valem tanto como as perceções, os outros dois foram bastante glosados por muita gente.

Uma organização, porém, se destacou pela tibieza, sendo simpático, no tratamento destes temas: o Partido Socialista. 

As mentiras do ministro Leitão Amaro foram denunciadas por deputados socialistas no Parlamento, mas não me recordo de uma declaração que fosse acerca do que disse Marcelo Rebelo de Sousa e apenas passada uma semana vi José Luís Carneiro a reagir à união de facto entre o PSD e o Chega num acontecimento no Bombarral…

Já se sabe que nas redes sociais não seria possível encontrar uma grande campanha comunicacional em que os socialistas tentassem mostrar que são a oposição a esta revolucionária aliança e os temas em que ela se baseia ou onde respaldassem as preocupações do Presidente da República. A razão é simples: o PS não existe nesses espaços.

As redes sociais são, para o bem e para o mal, onde, hoje, em larga medida, se forma a opinião, mas os socialistas escolhem não estar lá. O mundo não é aquilo que gostaríamos que fosse, é o que é; neste momento, ignorar o poder das redes é puro e simples suicídio. 

Esperei por entrevistas a televisões com sinal aberto, declarações ao País, comunicados, barreiras comunicacionais. Nada. Seria até um excelente momento para alguém que tem uma imagem, digamos, pouco carismática se afirmar. Aproveitar a exibição da tal união de facto para promover a sua liderança e mostrar que é a verdadeira oposição. José Luís Carneiro preferiu desafiar Montenegro para um acordo sobre Defesa … ninguém nega a importância, mas não perceber que este não era o momento é de uma cegueira política atroz. 

O Governo ofereceu ao PS a oportunidade de poder mostrar que é a oposição e, além de tudo, que é moderado e não embarca em posições contra o património da nossa democracia. Ao escolher a aliança com a direita não democrática, o Governo deixou todo um espaço político descoberto, José Luís Carneiro e o seu extraordinário secretariado não quiseram. Preferiram ser invisíveis. Preferiram encolher os ombros quando se fazem acordos iníquos sobre imigração e nacionalidade. 

Talvez achem que não fazer oposição, não tentar pôr os dois pés no campo da moderação contra o radicalismo seja confundido com intolerância, com falta de vontade de negociar, com falta de responsabilidade. É exatamente ao contrário.

No fundo, Carneiro dispõe-se a ajudar naquilo que Montenegro não conseguir acordar com Ventura. Quem escolheu o parceiro preferencial foi Montenegro, e, aplauda-se a clareza, não o escondeu nem disfarçou.

José Luís Carneiro não denunciou claramente que o primeiro-ministro preferiu ignorar o PS e que essa escolha faz com que os socialistas estejam libertos de qualquer entendimento com o Governo. É que os acordos de regime entre PSD e PS tornaram-se inviáveis quando alguém toma posições que vão contra os fundamentos do regime e se alia com forças não democráticas. 

Irresponsável é não fazer uma oposição clara e vocal, sobretudo quando o Governo escolhe o caminho que escolheu. Irresponsável é ser suave com as escolhas na imigração e nacionalidade do Governo. Irresponsável é ver esta mudança brutal no nosso espaço político-partidário e fingir que está tudo igual. Irresponsável é deixar o País sem oposição. 

O PS deixou-se enfiar na conversa autocomplacente da reflexão interna e anda de baraço ao pescoço a pedir desculpa por existir.

Claro que os socialistas cometeram muitos erros enquanto Governo, claro que tiveram uma trágica liderança pós-Costa, mas estranhamente não reclamam nenhum dos méritos. Mais, deixaram a narrativa de que os últimos dez anos foram uma catástrofe ser um dado adquirido. Foi um feito comunicacional ter conseguido que exista esta visão, mas é falsa. Chega a ser patético ver pessoas que nada têm que ver com o PS a terem que fazer essa ressalva.

Nunca houve tanta população empregada, Portugal teve um crescimento económico notável nos últimos dez anos, as exportações bateram pela primeira vez as importações, a Segurança Social está sólida como nunca, o salário mínimo e médio cresceram de forma notável. Sim, os últimos dez anos foram muito bons para Portugal. Basta olhar para os números. 

José Luís Carneiro está a impor ao seu partido uma autopunição que pelos vistos o impede de fazer oposição, de denunciar a colaboração do Governo com a extrema-direita e de ocupar o espaço moderado.

Aprender grego ou francês será o próximo passo.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O Partido Socialista perdeu 7 500 votos no concelho de Loures, nas eleições legislativas de maio. Isto num ano, desde as legislativas de 2024. O Chega ganhou 5 mil votos, ultrapassando a AD e posicionando-se como segunda força política. Dois mil votos separam PS e Chega e faltam três meses para as eleições autárquicas. O atual presidente socialista de Loures, Ricardo Leão, sem maioria absoluta, irá defrontar Bruno Nunes, do Chega, Nélson Batista, do PSD, Gonçalo Caroço, da CDU, e Rita Sarrico, do Bloco de Esquerda. Não será, nem de perto, um passeio no parque para o socialista.

A Câmara de Loures notificou na sexta-feira os moradores do Bairro do Talude Militar que, na segunda-feira, 64 casas autoconstruídas iriam ser demolidas. Viviam lá 161 pessoas, 60 das quais crianças. Os moradores pediram para falar com Ricardo Leão mas, segundo a vereadora socialista Paula Magalhães, “não existe essa necessidade”. E não tiveram resposta.

Na segunda-feira, dezenas de famílias foram desalojadas. Estão a dormir em tendas e numa Igreja. Questionada sobre o prazo que decorreu entre o aviso e a demolição ter coincidido com o fim de semana, impossibilitando os moradores de contestar a medida nos tribunais, Paula Magalhães respondeu: “Foram notificados com as 48 horas que a lei obriga.”

Não há alternativas habitacionais para estas pessoas, entre as quais mães solteiras a ganhar o salário mínimo. A vereadora socialista foi perentória: “Temos uma lista de mil pessoas em espera para realojar e não seria de todo justo passar à frente de quem espera pacientemente por uma habitação, com estas pessoas muitas delas acabadas de chegar diretamente de um aeroporto para aqui.”

Um discurso e uma ação de uma autarquia “musculada”, bem ao jeito do eleitorado que votou Chega. Na noite de segunda-feira, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa emitiu um despacho impedindo a Câmara Municipal de Loures de “executar o ato de demolição”. Mas já tinham vindo abaixo 51 casas.

O problema de partidos como o PS, em Loures, ou o PSD, no Governo, adotarem medidas para cativar um eleitorado mais extremado está por demais explícito na fábula do sapo e do escorpião. O escorpião pede ao sapo para o carregar às costas de modo a poder atravessar um rio. O sapo tem medo, pelo risco de ser picado pelo escorpião, mas este convence-o: “Se te picasse, estaríamos ambos condenados.” O sapo acede e, no meio do rio, leva uma ferroada. Ainda pergunta ao escorpião porquê, ao que este responde: “Não pude evitá-lo; está na minha natureza.”

A estes sapos que se dispõem a carregar um escorpião, achando que tiram daí vantagem na luta política, falta um olhar mais abrangente da democracia: o perigo para o regime democrático não está no Chega, mas nas ideias do Chega, nas sementes do ódio que se espalham. Como no Brasil o “bolsonarismo” sobreviveu a Jair Bolsonaro; como nos Estados Unidos da América, o “trumpismo” sobreviveu à derrota de Donald Trump contra Joe Biden, permitindo até o seu regresso ao poder.

E o Governo português, com as miniguerras ideológicas (da disciplina de Cidadania à violência obstétrica) segue o mesmo rio. Temos um problema gravíssimo de habitação que vai muito além dos bairros de barracas, dos imigrantes e dos desfavorecidos – afeta toda a classe média nacional. Talvez fosse hora de o levar a sério.

É conhecida a forma de reagir do regime israelita e da administração norte-americana, sobretudo desde que Trump regressou à Casa Branca, contra todos aqueles que se lhe opõem ou simplesmente lhe criticam as práticas. Dos simples apelos ao cessar-fogo em Gaza até à enunciação de que o governo de Telavive pode estar a pôr em prática uma política de genocídio nos territórios palestinianos ocupados, passando pelos apelos óbvios à necessidade de proteger os mais básicos direitos humanos de milhões de cidadãos inocentes, tudo é pretexto para que os executivos liderados por Netanyahu e Trump lancem o anátema do antissemitismo. Os mais diversos líderes e organizações internacionais já foram acusados de ódio ao povo judeu pelo simples facto de condenarem as práticas daqueles que desempenham funções governativas em Telavive.

O último alvo da ira de Netanyahu e Trump é a italiana Francesca Albanese, jurista e professora universitária especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos. Com 48 anos e com formação académica feita nas universidades de Pisa, Londres, Amesterdão, Roterdão e Georgetown, em Washington, esta professora em diversas instituições universitárias europeias e árabes foi nomeada, em 2022, para o cargo de relatora especial das Nações Unidas para os direitos humanos nos territórios palestinianos, depois de vários anos de colaboração enquanto perita do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e da Agência de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente. Desde então, não se tem cansado de apelar aos Estados-membros daquela organização para que desenvolvam “um plano para pôr termo à ocupação colonial israelita e ao regime de apartheid”. Ao mesmo tempo, acusa os Estados Unidos da América de estarem “subjugados ao lobby israelita” e a União Europeia de continuar vergada pela “culpa do Holocausto”. Depois dos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 e da reação israelita que se lhes seguiu, Albanese lançou inúmeros apelos ao cessar-fogo, alertando para que “os palestinianos estavam a sofrer um grave risco de limpeza étnica”. Mais tarde, em 2024, o título do relatório que apresentou ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU não deixava margem para dúvidas quanto às suas conclusões: “Anatomia de um Genocídio.” No documento, afirma que existem “motivos razoáveis” para acreditar que Israel cometeu vários atos de genocídio na Faixa de Gaza.

Gota de água

No passado dia 1 de julho, Albanese apresentou mais um relatório, no qual revelou aquilo a que chamou de “economia do genocídio”, acusando 48 empresas, muitas delas norte-americanas, de correrem o risco de serem cúmplices de crimes de guerra ao usarem os territórios de Gaza e da Cisjordânia ocupada como campo de testes para novas tecnologias, exortando-as a suspender os negócios com Israel, sob pena de serem levadas a julgamento no Tribunal Penal Internacional. Estão em causa empresas como a fabricante de armas Lockheed Martin, as gigantes da tecnologia Microsoft, Amazon, IBM, Google ou Alphabet Inc., acusadas de ajudarem a rastrear os habitantes de Gaza. A Caterpillar, a HD Hyundai e a Volvo fornecem equipamentos usados para demolir casas em Gaza. Os portais de aluguer Booking.com e Airbnb são citados por ajudarem aos assentamentos ilegais. São também mencionados, entre muitas outras empresas, os bancos BNP Paribas e Barclays. A ligar quase todas estas companhias estão as duas maiores empresas de gestão de ativos do mundo, a BlackRock e a Vanguard, ambas sediadas nos EUA.

Uma semana depois, 9 de julho, os EUA, aliados fieis de Israel, sancionaram Francesca Albanese, com o secretário de Estado, Marco Rubio, a acusá-la de espalhar “antissemitismo descarado” e de empreender uma “campanha de guerra política e económica contra os Estados Unidos e Israel”. Depois de já ter sido banida em 2024 por Israel, a relatora das Nações Unidas, bem como os seus familiares mais próximos, ficam impedidos de entrar nos EUA e os bens ou ativos que lá possam possuir serão confiscados. A italiana, por seu lado, promete não se atemorizar nem calar-se: “Os poderosos punirem aqueles que falam pelos impotentes não é um sinal de força, mas de culpa.” Para a jurista e professora italiana há uma missão mais importante a levar a cabo: “Todos os olhos devem permanecer em Gaza, onde crianças morrem de fome nos braços das suas mães, enquanto os seus pais e irmãos são bombardeados e mortos enquanto procuram comida.”

Hoje, a primeira escolha dos jovens é o digital, o remoto, o “cool” — escritórios modernos, startups tecnológicas, ambientes com mesas de pingue-pongue. Fala-se em inovação, futuro, disrupção — mas raramente se fala de indústria. Poucos ambicionam carreiras industriais, especialmente em novos produtos e projetos empreendedores.

Esquecemo-nos de um facto essencial: sem indústria, não há inovação real. É na indústria que as ideias deixam de ser slides em PowerPoint e se transformam em soluções concretas. O futuro não se constrói apenas com código. Constrói-se com matéria-prima, engenharia, maquinaria e pessoas que literalmente moldam o progresso.

A indústria é onde a inovação ganha corpo. É onde se produzem edifícios, infraestruturas, energia, mobilidade. Sempre foi — e continuará a ser — a espinha dorsal das economias.

Em Portugal, o setor industrial representa cerca de 18–20 % do PIB e emprega quase 25 % da força de trabalho. Além disso, as cinco maiores empresas portuguesas são precisamente industriais.

Durante décadas, deixámos que a indústria perdesse prestígio. Tornou-se “menos sexy”, menos falada e menos desejada. Esquecemos que um engenheiro de produção ou um técnico especializado é tão essencial quanto um programador ou designer. Ignorámos que a indústria também pode ser tecnológica, sustentável e cheia de propósito.

Está na hora de mudar essa narrativa. De dar novamente prestígio a quem veste farda, a quem opera máquinas e a quem transforma ideias em realidade. De comunicar o impacto real da indústria, o seu potencial tecnológico e o seu papel central numa economia sustentável.

Devemos atrair os melhores talentos para um setor decisivo. Mostrar nas escolas, universidades e redes sociais que construir é tão nobre quanto programar, que transformar é tão criativo quanto projetar, e que inovar também acontece com luvas, capacetes e botas, não apenas com laptops.

A indústria é, de facto, o futuro — um futuro verde, tecnológico, ambicioso e cheio de propósito. Mas, para isso, tem de ser vista como tal novamente.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

A guerra na Ucrânia e os ataques russos estão a aproximar-se cada vez mais das fronteiras da Polónia — e, por isso, da NATO — alertam os polacos. Há uma crescente preocupação em Varsóvia, cidade que sentiu na pele o impacto da invasão nazi e soviética durante a Segunda Guerra Mundial, e que mais tarde viveu sob a sombra da Cortina de Ferro. E tudo isto sem falar nos desmembramentos territoriais da era napoleónica, ou mesmo de períodos ainda anteriores.

A história da Polónia é um mar de sofrimento, marcado pela desumanidade imposta pelos mais fortes. É por isso que Varsóvia adotou o lema dos israelitas: «Nunca mais». Os polacos não têm receio de estar na linha da frente e confiam no artigo 5.º da NATO.

Contando ou não com a NATO, as Forças Armadas da Polónia mantêm-se em alerta total. Sempre que são lançados mísseis ou drones contra a Ucrânia, toda a Força Aérea polaca entra em ação, pronta a prevenir qualquer erro ou ataque deliberado. Putin não quer, para já, uma guerra com a NATO; mas, se cimentar a aliança estratégica com a China, então o cenário torna-se muito mais preocupante.

Um míssil ou drone russo atingiu recentemente uma fábrica em território polaco, o que motivou o alerta de Varsóvia a todos os parceiros — e em especial ao Kremlin: estão a pisar a linha vermelha, e isso é cada vez mais perceptível. Cabe agora a Trump fornecer os mísseis de cruzeiro a Kiev, para que Moscovo perceba que esta «guerra» já será de outra natureza.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Sofre de ansiedade ou de depressão? Das primeiras coisas que deve fazer é regular os horários do sono. Quer emagrecer? Vá para a cama às horas certas. Anda com o sistema imunológico fragilizado? Já sabe… durma bem. Quer prevenir doenças cardíacas, diabetes ou derrames vasculares? Adivinhe o que precisa fazer. Gostaria de ter uma boa concentração, mais atenção e proteger a memória? Exatamente: cama!

Para quem tem mais de 40 anos, esta abordagem das boas noites de sono como panaceia para tantos males pode parecer algo desfasada. Sim, crescemos a ouvir dizer que “deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer”, mas também passámos pelos anos 80, em que a cultura de trabalho yuppie prometia tudo menos dormir – era o tempo em que se achava que o mérito resolvia tudo, trabalhar intensamente para alcançar grande sucesso e mais dinheiro, como se uma funcionária da caixa de um supermercado enriquecesse por fazer longas e intermináveis horas.

Depois enchemo-nos de referências de mentes aguçadas e que dormem muito pouco, como o nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em 2012, Donald Trump proclamava aos quatro ventos que o segredo para estar sempre um passo à frente da concorrência era o facto de repousar apenas entre três e quatro horas por noite. O estilista Tom Ford três. A apresentadora de televisão Martha Stewart menos de quatro. Bill Clinton entre cinco e seis… E a lista da Business Insider, publicada nesse ano com o título 10 pessoas de sucesso que mal dormem segue com um conjunto de CEO de grandes multinacionais.

Por outro lado, no tempo dos nossos pais e avós, o direito à preguiça não era sequer um direito, quanto mais visto de forma positiva. Dormir muito seria coisa de gente malandra.

Na verdade, conta-nos a História, o sono, sendo uma necessidade biológica, teve os seus padrões definitivamente alterados com a Revolução Industrial e a introdução da iluminação pública artificial, primeiro a gás, depois a eletricidade. Antes do século XIX, dormiam-se dois sonos. O primeiro, entre as 21 horas e as 23 horas, permitia descarregar a exaustão dos pesados trabalhos diários. Depois as famílias acordavam e conviviam até à uma da manhã. Ou trabalhavam em casa. Essas duas horas serviam também para os casais se encherem de filhos, como conta o historiador Roger Ekirch à BBC. O segundo sono ia até ao raiar do sol.

O sono dividido é muito comum no reino dos mamíferos. Mas o mais incrível são os resultados de uma experiência levada a cabo nos anos 90 pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos da América. Depois de se reduzir consideravelmente o tempo de iluminação artificial à noite a um grupo de homens, ao fim de alguns dias, eles, que toda a vida tinham dormido um só sono, passaram a dormir dois.

Os ciclos circadianos alteraram-se, então, com a iluminação das ruas das cidades e, agora, só em regiões muito remotas do planeta é que ainda se encontram povos com o hábito do chamado sono bifásico.

O problema é que dormimos cada vez pior. E não é só pela omnipresença da luz elétrica – é também pela falta de vontade de a desligar. Os serões prolongam-se e, desde os anos 60, concluíram vários estudos ingleses e norte-americanos, a duração do sono foi encurtada em duas horas. Primeiro veio a televisão, depois os restantes ecrãs que tanto nos viciam. Juntamente com a ideia de que é preciso ser muito produtivo e a multiplicação das atividades noturnas nas cidades que nunca dormem.

“Somos uma espécie extremamente arrogante. Sentimos que podemos abandonar quatro bilhões de anos de evolução e ignorar o facto de que pertencemos a um ciclo que envolve a noite e o dia. Agir contra o nosso relógio biológico pode trazer sérios problemas”, afirmou o investigador Russell Foster, da Universidade de Oxford, ao The Telegraph.

Quais são as consequências disto para a nossa saúde? Porque precisamos tanto de dormir?

Crescimento e solidão

Décadas e décadas de investigação resultaram num consenso: um adulto precisa de dormir entre sete e oito horas por dia. Se um bebé chega facilmente às 17 horas diárias, a necessidade de sono vai progressivamente diminuindo com a idade até estabilizar num mínimo de sete a partir dos 18 anos (ver infografia Horas ideais de sono).

Um estudo do norte-americano Brain and Mind Institute, de 2018, mostra que dormir abaixo, mas também acima, do intervalo de sete a oito horas compromete as competências verbais e o raciocínio. Outra das conclusões é que não dormir o suficiente numa base regular produz mais danos do que passar uma noite em claro.

Lutar contra o relógio biológico, algo que os adultos tanto fazem, como se fossem crianças em birra na hora de ir para a cama, traz consequências para a nossa saúde – e não estamos só a falar das olheiras. A privação contribui para o risco de desenvolver cancro, doenças cardíacas, diabetes tipo 2, obesidade, hipertensão, depressão, entre outros males. Sem falar dos efeitos nefastos que provoca no cérebro.

Dormir não é uma perda de tempo. Como destaca Joaquim Moita, coordenador do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC), num artigo da VISÃO Saúde, “o sono é vital para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo”. É “durante a noite que são exercidas as funções de reparação dos tecidos musculares e se consolidam aprendizagens”, garante.

A hormona do crescimento é libertada durante o sono, com os maiores picos a acontecerem no sono profundo, percebendo-se a necessidade de as crianças dormirem mais horas. Além do crescimento físico, esta hormona também é responsável pela reparação de tecidos. A sua insuficiência resulta num crescimento mais lento e numa estatura mais baixa.

Quanto à aprendizagem, um estudo publicado na JAMA Pediatrics concluiu, a partir de uma amostra de adolescentes, que os que dormiam menos de oito horas por dia tinham mais propensão para ter dificuldades de aprendizagem e de avaliação das situações de perigo, levando a um aumento de condutas de risco e de acidentes.

Além disso, aponta a Associação Portuguesa de Sono, de acordo com um estudo do Centro de Ciências do Sono Humano da Universidade de Berkeley, na Califórnia, mostra que “tanto a solidão como o isolamento social representam grandes riscos para a saúde e estão ligados a um sono pior.” Recorrendo à ressonância magnética funcional, percebeu-se que, no próprio cérebro, a privação provoca um funcionamento socioemocional inferior, prejudicando “as regiões do cérebro que normalmente estimulam o envolvimento social e a compreensão da intenção de outra pessoa”. Além do próprio comportamento se alterar, já que não estamos tão “frescos” para sair de casa e conviver após um dia de trabalho.

Nesta sociedade ultraconectada, com serviços disponíveis 24 horas por dia, a falta de sono tem sido uma praga. Ou melhor, um problema de saúde pública. Um inquérito da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e da Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, de março deste ano, mostra que 46% dos portugueses com mais de 25 anos dormem menos de seis horas por dia. Mais de 20% têm insónia inicial, ou seja, demoram mais de 30 minutos a adormecer, 32% consideram o seu sono razoavelmente mau ou mau, e 40% referem, pelo menos, um episódio, no último mês, em que tiveram dificuldade em manter-se acordados enquanto conduziam, durante as refeições ou em atividades sociais.

“A má higiene do sono afeta negativamente a qualidade de vida em termos de perda de memória, sonolência acentuada, défice de concentração, irritabilidade e alteração do humor. A sonolência associada a esta má higiene do sono aumenta o risco de acidentes de viação e de acidentes de trabalho. Se o número de horas de sono for inferior ou igual a cinco horas, o risco cardiovascular também aumenta”, refere o comunicado da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

Dormir sobre o assunto

Mas porque dormimos? Já sabemos que o cérebro não dorme, que durante o sono o nosso corpo passa por diversos processos… mesmo assim, que vantagem evolutiva existe em passar tantas horas em estado de inconsciência quando esse facto deixava os nossos antepassados tão vulneráveis aos outros predadores (que também dormem, naturalmente)?

Ainda existe um elevado grau de mistério no sono. Por exemplo, os cientistas ainda não perceberam se a atividade cerebral de processar memórias, o famoso “dormir sobre o assunto”, requer mesmo que estejamos a dormir (e, daí, a resposta à pergunta: porque dormimos?) ou se acontece durante o sono porque acaba por ser mais prático e eficiente do que se fosse feita durante o dia.

Outras questões ainda em aberto prendem-se com os porquês de o sono ser essencial à sobrevivência, já que, se não dormirmos, podemos morrer. O Livro de Recordes do Guinness deixou de registar, em 1997 e por razões de segurança, os recordes sobre o número de dias que um ser humano aguenta sem dormir. O atual detentor do recorde é o norte-americano Robert McDonald que, em 1986, passou 453 horas (18 dias) e 40 minutos sem adormecer. Além de ter perdido peso e da dificuldade de se lembrar das coisas, não registou efeitos na saúde a longo prazo.

Cada pessoa é diferente, porque, antes dele, o DJ Peter Tripp passou, em 1959, 201 horas sem dormir, sofrendo psicoses e alucinações, embora não se perceba se a Ritalina que tinha tomado estava a ajudar à “festa”. As alucinações, no entanto, são comuns a partir do quarto dia em privação. Na altura, os médicos notaram que as alucinações de Peter Tripp ocorriam em ciclos de cerca de 90 minutos, tal como o sono REM, concluindo que o cérebro do homem estava a criar uma versão acordada do sono REM para lidar com a privação.

O que acontece no caso da insónia familiar fatal, uma doença hereditária extremamente rara, em que as pessoas vão perdendo a capacidade de dormir, é que a morte ocorre entre os sete e os 73 meses após o início dos sintomas. No entanto, o início dos sintomas ainda incluem horas de sono e só em estado avançado é que se dá a privação total da capacidade de dormir, uma vez que a doença afeta o tálamo. O final da vida é já numa espécie de coma acordada, depois de se ter passado pela perda da coordenação motora, pelo declínio cognitivo até à demência, e pelo aumento da frequência cardíaca.

Como se morre – se é que se morre – de sono? Numa pessoa saudável, o cérebro vai lutar? Os cientistas já observaram que a falta de sono mata ratos no laboratório e encurta a vida das moscas da fruta. E colocam hipóteses. Nos primeiros, se dormir faz com que as células do cérebro encolham, deixando fluir o líquido cefalorraquidiano, que vai remover resíduos acumulados, a privação pode fazer com que estes resíduos tóxicos se acumulem no cérebro. Nas segundas, estudou Dragana Rogulja, neurobióloga da Harvard Medical School, pode ter sido uma acumulação de moléculas altamente reativas, contendo oxigénio, no intestino.

Outra questão que intriga Dragana Rogulja é por que razão o sono implica uma perda de consciência e um fechamento ao mundo exterior para dar lugar ao admirável mundo interior. Como é que o cérebro se desliga do meio ambiente, quando o corpo começa a dormir? “O sono é um estado unificado, mas parece ter múltiplos componentes que são regulados por diferentes mecanismos”, explica a investigadora, desfazendo o mito que o sono é “do cérebro, pelo cérebro e para o cérebro”: “As pesquisas mostram que a privação provoca todo o tipo de doenças no corpo, o que nos sugere que o sono é sobre mais do que o cérebro”, adianta. 

Numa entrevista ao site da universidade, Dragana Rogulja, com investigação publicada na Cell, especula ainda se o toque ou a temperatura são processados da mesma forma durante o sono. Ou se existe uma só zona do cérebro onde a informação sensorial está atenuada quando dormimos ou se, pelo contrário, são várias as zonas implicadas. Muito ainda para desvendar.

O que é um bom repouso?

O facto é que o cérebro não descansa, permanecendo ativo. As áreas que envolvem o processamento sensorial são as mesmas que atuam na fase desperta, embora haja funções cerebrais “desligadas”. Caso do tálamo, que deixa de enviar sinais sensoriais ao córtex – e assim podemos adormecer no sofá e deixar de ouvir e ver a televisão ligada à nossa frente.

Entram em ação a melatonina, a hormona do crescimento e o neurotransmissor GABA que paralisam os músculos e inibem o movimento. O tronco cerebral, situado na base da cabeça, mantém o corpo em repouso e cumpre-se a função reparadora do sono: a produção de líquido cefalorraquidiano favorece a eliminação de toxinas e, simultaneamente, as memórias do que foi aprendido durante o dia são consolidadas. “São 133 triliões de ligações a assegurar a manutenção das funções orgânicas e quatro milhões de ações por segundo em funções de limpeza e consolidação de aprendizagens”, explicava o médico Anselmo Pinto, da Clínica do Sono, na VISÃO Saúde, adiantando que “o nosso cérebro gasta 30% de energia que consumimos à noite”.

Ora, a teoria de que dormimos para poupar energia – uma das que tenta explicar esse mistério que é a necessidade do sono – cai por terra, tendo em conta que gastamos bastantes calorias durante a noite, quase tantas como quando acordados.

HORAS IDEAIS DE SONO

Idades/ Nº de horas

0-3 meses 14 a 17
4-11 meses 12 a 15
1-2 anos 11 a 14
3-5 anos 10 a 13
6-13 anos 9 a 11
14-17 anos 8 a 10
18-25 anos 7 a 9
26-64 anos 7 a 9
+65 anos 7 a 8

Fonte: National Sleep Foundation

A Terra tem o seu ciclo de luz e escuridão e a nossa saúde agradeceria se respeitássemos o relógio biológico. “Quando começa a produção de melatonina é de evitar a exposição a leds ou luz azul para não trocar as voltas ao sono nem ir para a cama com níveis de excitabilidade elevados”, aconselha Joaquim Moita. De madrugada, quando a luz do Sol entra na retina, surgem outros neurotransmissores (dopamina e noradrenalina) e hormonas (cortisol) que promovem o acordar.

Como sabemos que tivemos uma boa noite de sono? Acordar descansado e pronto para a vida pode ser um bom indicador, mas a resposta tem outras dimensões. Para a Ciência, uma noite bem dormida implica que tivemos quatro ou cinco ciclos de sono completos. Cada ciclo é composto de quatro fases (ver infografia As fases do sono).

Nas três fases “não REM” (N1, N2 e N3), o cérebro fecha-se aos estímulos do ambiente e reduz a sua atividade. Na fase REM (rapid eye movement, movimento rápido dos olhos), o sistema nervoso simpático fica ativo e a mente mostra-se pronta para a ação, como se estivesse desperta. Um hipnograma é um registo gráfico dos estágios do sono, obtido a partir de um exame de polissonografia.

Na fase N1, que dura cerca de 10 minutos, começamos a adormecer, fechamos as pálpebras e estamos num estado de consciência entre a vigília e o sono. A fase N2 (cerca de 40 minutos) é a mais longa do ciclo. A respiração, a frequência cardíaca, a temperatura e o tónus muscular reduzem-se e o cérebro já não está a receber estímulos ambientais. Depois entramos na N3, o sono profundo, que dura cerca de 20 minutos. É a grande fase reparadora. Finalmente, na fase REM (cerca de 20 minutos), há uma atividade cerebral intensa e é aqui que sonhamos. Esta fase vai aumentando de duração ao longo da noite, na proporção em que diminui o sono profundo.

A qualidade de uma noite descansada é feita de vários parâmetros, como a quantidade de vezes que se acorda e, sobretudo, o tempo que passamos na fase do sono profundo. Com implicações na saúde.

As doenças da privação

Começamos pelo risco cardíaco, muito potenciado pela doença da apneia do sono (ver entrevista). Vânia Caldeira, coordenadora da comissão de trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, explica como funciona: “Quando existe uma apneia dá-se uma interrupção do fluxo aéreo, ou seja, durante uns segundos a pessoa não está a respirar. Como a perda de oxigénio é periódica, a curva do oxigénio torna-se um vai e vem, a chamada hipóxia intermitente crónica, que aumenta o risco cardiovascular, tanto hiperativando o sistema nervoso simpático, que faz a regulação da parte cardíaca, o que leva a um aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, como libertando citocinas inflamatórias, ou seja, a apneia é uma doença do sono, mas que se comporta como uma doença inflamatória sistémica. As citocinas e as perdas de oxigénio alteram as paredes dos vasos sanguíneos e há um risco de aterosclerose precoce.”

A hipertensão e a insuficiência cardíaca estão muito relacionadas com a apneia do sono, mas também doenças como enfartes e arritmias. “Quem tem uma arritmia tem de fazer o estudo do sono”, avisa a pneumologista, adiantando que “o risco cardíaco durante a noite fica mais potenciado (enfarte e AVC, que está muito associado às subidas de tensão durante a noite). Na apneia, não existe a habitual descida da tensão durante a noite, ou seja, o corpo está em esforço.”

O excesso de peso é uma das principais causas da apneia e é também regulado durante a noite. “A expressão da leptina e a grelina, as hormonas da saciedade e do apetite, está dependente do sono e, se este está comprometido, pode gerar uma desregulação na produção destas duas hormonas, com efeitos na obesidade”, continua a médica.

A regulação do metabolismo, importantíssima no caso da diabetes, faz-se também a dormir, assim como a regulação do sistema imunológico. Se o sono for curto, por exemplo menos de seis horas por dia, há mais hipóteses de se ser infetado por vírus respiratórios. “Nas diferentes fases do sono, uma das principais funções é a regulação do sistema imunitário. Existem células que reconhecem os organismos nocivos e, enquanto dormimos, tem lugar a formação de células de resposta imediata a estímulos nocivos. A isto aliam-se os processos de memória, ou seja, células que memorizam a resposta adequada a vírus e bactérias, por exemplo. E há ainda um processo de recuperação celular, eliminando células más e produzindo células mais úteis. O sono é também um momento de recuperação do estado de doença”, descreve Pedro Americano, pneumologista no Hospital de Portimão.

Cancro e depressão

Menos referido é o efeito do sono na prevenção do cancro. “O processo é por via da reparação celular. O cancro surge porque há um erro na multiplicação celular, as células estão constantemente a dividir-se e dá-se uma mutação, as células dividem-se de forma descontrolada, forma-se uma massa. Como o sono é fundamental para a regulação da multiplicação celular, reparando células, tem um papel no caso do cancro”, explica Pedro Americano.

Mas não só ao nível da prevenção – a privação do descanso é um fator que pode contribuir para desencadear um cancro e há estudos que relacionam uma maior incidência desta doença em trabalhadores por turnos, um grupo muito afetado pela disrupção dos nossos ritmos biológicos.

De acordo com a investigadora Cátia Reis, especialista na área do sono e ritmos biológicos, em entrevista ao jornal Público, verifica-se que em “cancros ligados ao aparelho reprodutor, o cancro da mama e o cancro da próstata, no caso dos homens, existe uma associação superior em pessoas que têm mau sono”.

No que diz respeito ao cérebro, já vimos como uma boa noite de sono é fulcral para o processamento e consolidação da memória. A atenção, o foco, a concentração muito devem a umas horas bem dormidas.

“Outro aspeto fulcral é o papel do sono na regulação do humor, que ocorre nas fases mais profundas. Isso é muito visível quando se dormiu mal e se acorda de mau humor. Temos reações exageradas, maior irritação e desregulação emocional”, continua Pedro Americano, aliando aqui na desregulação das emoções a questão da ansiedade.

Mas a ansiedade está também ligada à produção de serotonina, a chamada “hormona da felicidade”. Este neurotransmissor que estabiliza o humor, regula o apetite e função cognitiva, desempenha um papel na prevenção da depressão. O sono e a depressão influenciam-se: esta pode provocar tanto insónias como hipersónias (dormir em excesso). Já os problemas com as horas de descanso agravam os sintomas de depressão. E se houver desequilíbrio nos níveis de serotonina, também o sono sofre, tornando-se mais agitado, com despertares frequentes.

A depressão e ansiedade são responsáveis por 30% a 40% das insónias, que afetam mais as mulheres e os idosos. Podemos ter insónia inicial (demorar mais de meia hora a adormecer), intermédia (quando se acorda a meio da noite e não se consegue voltar a dormir) e terminal, num despertar mais cedo do que o suposto.

Poderíamos sugerir não ruminar nos problemas do dia a dia, afastar os ecrãs do quarto, ter uma rotina horária, não fazer exercício físico antes de dormir e, claro, não beber café. Porque há muito no nosso comportamento que vai afetar as tão preciosas horas de sono. Mas também existe toda uma construção social que pesa aqui, do excesso de trabalho e de solicitações ao crescente número de trabalhadores por turnos, porque a sociedade de consumo não encerra para descanso do pessoal. Foquemo-nos no que podemos controlar e em tentar, mesmo, dormir oito horas por noite.

*com Clara Soares

A evitar

  • Deitar-se com os pés frios
  • Fumar
  • Comer chocolate seis horas antes de ir dormir
  • Fazer exercício físico imediatamente antes de se ir deitar
  • Discussões e assuntos complexos antes de ir para a cama
  • Ingerir álcool quatro horas antes da hora de dormir
  • Consumir cafeína seis horas antes de ir dormir. Isto inclui café, chá e vários refrigerantes
  • Se tem o hábito de fazer sestas, não exceda os 45 minutos de sono durante o dia
  • Comidas pesadas, picantes ou doces, quatro horas antes da hora de dormir. Uma refeição pequena e ligeira antes de se ir deitar é aceitável