Escrevo este texto numa madrugada de outubro, em pleno outono. Estou de manga à cava e calções e mesmo assim abro as janelas de casa, de par em par. Na rua, não corre uma aragem e parece que moro num país tropical, tal o nível de humidade. Se tivesse daquelas ventoinhas de teto, sentir-me-ia numa das cenas de Apocalipse Now.
No entanto, durante o fim de semana, as minhas experiências oscilaram entre ter de lidar com um calor inesperado, sempre que o sol abriu, ficar feita num pinto, quando a chuva desabou, só de ir do carro à porta de casa, coisa que nem chega a 30 metros, ver trovões que iluminaram a noite escura e observar o desaparecimento da amplitude térmica.
Ao mesmo tempo que penso neste tempo, deito um olho aos noticiários da noite e vou lendo em rodapé que a tempestade Berenice já foi embora (ufa…), mas que a Leslie (passou de furacão a ciclone tropical e agora é uma depressão, que trará chuva, por vezes forte) está já a afetar o arquipélago dos Açores; que a agitação marítima na Madeira é preocupante e que, mais longe, nos Estados Unidos, o furação Milton, causou 21 mortos no Estado da Florida, território que ainda estava a recuperar do furacão Helene do final do mês passado. Lembrei-me, entretanto, que há dias, o deserto do Saara, em Marrocos, ficou inundado devido a cheias nunca vistas por aqueles lados. Em apenas dois dias de chuvas intensas, ultrapassaram-se as médias anuais.
Na última semana, a Agência para a Modernização Administrativa (AMA) confirmou que foi alvo de um ataque informático que causou disrupções na sua rede, com o acesso às suas plataformas e serviços a estar “preventivamente indisponível”. Embora não tenha feito referência ao tipo de ataque sofrido, o Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) deu conta de que foi notificado de um incidente de ransomware que comprometeu as infraestruturas geridas pela entidade e que teve um “impacto substancial” nos seus serviços.
Um dia após o ataque, a AMA avançou, em comunicado partilhado nas suas redes sociais, que “em virtude dos trabalhos realizados para reduzir os impactos do ataque informático” alguns serviços já se encontravam operacionais, o que permitiu o “restabelecimento progressivo do atendimento nas Lojas de Cidadão, bem como o acesso a outras plataformas e serviços digitais”.
Por outro lado, durante o fim de semana, o acesso a alguns serviços continuou condicionado. Como noticiado pelo jornal Público, a autenticação via Cartão de Cidadão, Chave Móvel Digital, número de utente ou número de telefone no Portal SNS 24 e respetiva aplicação esteve indisponível. Além disso, o envio de receitas médicas aos utentes através de SMS também foi afetado.
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À medida que o incidente continua acompanhado pelas autoridades competentes, existem dúvidas importantes, sobretudo para os cidadãos, organizações e entidades que recorrem aos serviços e plataformas geridas pela AMA. Que consequências pode ter este incidente e o que fazer para manter a segurança neste momento?
Logo no seu último comunicado, a AMA deixava já um alerta: “ressalva-se que no caso de existirem eventuais contactos, através de qualquer canal, com pedidos de informações pessoais para recuperação de credenciais da Chave Móvel Digital, estes devem ser ignorados”.
À Exame Informática, Bruno Castro, fundador e diretor executivo da Visionware, explica que “em termos práticos, e visto que somos todos ‘interlocutores’ com a AMA, a probabilidade de virmos todos a ser alvos de ações de phishing – mais ou menos evoluídas – é extremamente elevada”.
Por esse motivo, “é fundamental que todos nós elevemos o nosso nível de alerta para possíveis tentativas de fraude via phishing ou outro método ainda mais evolutivo, até recorrendo a engenharia social”, realça.
Nas palavras do responsável, é também necessário aguardar que a AMA forneça informação mais detalhada sobre o sucedido e sobre que tipo de dados estarão em causa para “percebermos quais as possibilidades de ações maliciosas sobre todos nós”.
Em linha com Bruno Castro, David Russo, diretor executivo da Academia Nacional de Cibersegurança e CTO da CyberS3c.pt, afirma que “é importante aguardar por algum tipo de notificação e comunicação da própria AMA que esclareça que dados é que foram ao certo comprometidos”.
“Neste momento estamos a trabalhar sobre o desconhecido, como é normal em muitos ciberataques. O que deve ser feito é ter especial atenção a todos os serviços em que tenha usado a Chave Móvel Digital ou o Cartão de Cidadão ou qualquer aplicação relacionada”, destaca, acrescentando que é necessário ter igual cuidado com telefonemas de números desconhecidos e suspeitos.
Que consequências pode ter o ataque?
Embora possam assumir diferentes contornos, os ataques de ransomware caracterizam-se pela encriptação da informação presente num sistema após a infeção do mesmo, o que impossibilita o seu uso. Tipicamente, os atacantes pressionam as vítimas para pagarem um resgate, prometendo a recuperação de acesso ao sistema infectado.
Em muitos casos, além da encriptação de dados, os cibercriminosos exfiltram a informação que se encontra no sistema. “Tipicamente, é aqui onde o atacante tem a vantagem”, afirma David Russo. “A primeira consequência é mesmo a quebra da integridade e da confidencialidade da informação”.
“Os ciberataques de ransomware são altamente mediáticos e tipicamente muito destrutivos em todos os aspetos”, detalha Bruno Castro. A par das interrupções nas operações e do roubo de dados de uma organização, outra consequência deste tipo de ataque é a “eventualidade de um comprometimento da integridade dos dados armazenados”, o que pode colocar em risco a informação pessoal e confidencial tanto de colaboradores como parceiros e clientes.
“A situação torna-se particularmente grave no caso do roubo de dados, pois pode implicar também a sua divulgação ou comercialização na comunidade criminosa, que poderá utilizar essa informação para gerar outros vetores maliciosos ou ações de fraude no ecossistema da organização”, realça o responsável. A tudo isto, e “sem garantia da total recuperação”, somam-se ainda os custos associados à resposta a um incidente deste tipo, seja a nível financeiro, legal e mediático.
De modo geral, “qualquer ciberataque com sucesso, seja numa entidade governamental, pública ou do sector privado, acabará sempre por ter consequências”, aponta Bruno Castro. Aqui o impacto nas operações pode variar quanto à gravidade, no entanto, “as consequências em termos mediáticos e reputacionais acabam por estar presentes, ainda que, de forma mais ou menos direta”.
No que respeita aos incidentes que envolvem entidades governamentais, que “têm um compromisso acrescido de garantir a confiança e proteção da informação de todos os seus cidadãos”, estes casos, “pela sua dimensão e sensibilidade, podem criar falta de confiança e levantar questões emergentes sobre uma eventual insuficiência de investimento em cibersegurança e ciberdefesa a nível do Estado”, indica. “Cria naturalmente uma sensação de insegurança junto da sociedade no que respeita à capacidade e maturidade em cibersegurança do Estado Português”.
Motivações políticas ‘no ar’?
Numa altura em que, em Portugal, as atenções se têm centrado na política, com foco na proposta de Orçamento de Estado para 2025, um incidente que envolve uma entidade como a AMA pode deixar ‘no ar’ questões sobre as verdadeiras motivações do ataque. No entanto, os especialistas consultados pela Exame Informática, afastam, para já, um cenário de ataque com motivações políticas.
Bruno Castro explica que “normalmente, as motivações por detrás de um ciberataque, nomeadamente quando envolve a tipologia de ransomware, são essencialmente financeiras”. “Não nos podemos esquecer que o cibercrime está assente num modelo de negócio ultra maduro que tem como mote atacar organizações para gerar ‘dinheiro’ em benefício próprio”, afirma.
É certo que um ciberataque a uma entidade governamental “tem o potencial de colocar em causa a confiança da sociedade civil no nível de maturidade e segurança das nossas instituições públicas”. Além disso, “a AMA pela sua exposição, volume de dados envolvidos e criticidade da sua atividade, preenche o perfil típico do cibercrime para ações de ransomware”. No entanto, o responsável defende que nesta fase, ainda é cedo para apontar uma explicação motivacional clara para o caso.
Já David Russo aponta para a possibilidade de ter sucedido algo já visto em múltiplos incidentes anteriores de ransomware, o que descreve como um “ataque de arrastão”. Estes são casos em que os atacantes recorrem a software concebido para explorar vulnerabilidades numa rede. Ao encontrar uma máquina que corresponda à vulnerabilidade que os cibercriminosos pretendem afetar, este software desencadeia toda uma série de ações para a explorar e, por consequência, ativar o ransomware.
“A maioria do ransomware é um ataque de arrastão, ou seja, houve a infelicidade de uma máquina ter uma vulnerabilidade e essa rede não estar resiliente o suficiente ou de aquela parte da rede ter sido comprometida”, indica o responsável.
Trabalhar a resiliência
O ransomware é uma ameaça conhecida para as organizações, mas a sua evolução implica uma constante necessidade de aumentar não só a resiliência e a segurança, mas também a resposta a incidentes, defende David Russo. Para tal, há todo um conjunto de mecanismos que têm de funcionar em harmonia.
“As organizações têm de assegurar que fazem regularmente rotinas de inspecção”, que validam se têm ou não vulnerabilidades, se têm planos de correção e gestão de falhas de segurança, assim como planos bem definidos de gestão de risco e de continuidade de negócio, sem esquecer se têm os seus backups em dia. “Há aqui outra situação que é muito importante nas organizações que é trabalhar com sistemas XDR (Extended Detection and Response)”, aponta também o responsável.
“É impossível, de alguma forma, assentarmos toda a segurança de uma organização num só ponto. Isto tem de ser um trabalho conjunto entre as pessoas, processos e tecnologia”, realça. “Tem de existir um bom processo preparativo, um processo proativo e um processo de resposta. Isto é, nada mais, nada menos, do que um conjunto de etapas que têm de ser feitas e isto demora tempo e tem de ter o seu investimento”.
1. O Irão não sabe quando será atacado por Israel, em resposta aos 200 mísseis que lançou no início de Outubro e que poderiam ter causado milhares de mortos, não fosse a Cúpula de Ferro israelita. Uma coisa Teerão sabe: os americanos vão enviar uma bateria de mísseis antibalísticos THAAD, e, para abreviar razões, seguirão com cerca de uma centena de soldados americanos para operar o sistema. Por aqui já se adivinha que o ataque estará para breve. O sistema THAAD é composto por várias partes, incluindo um lançador, interceptores (mísseis), radar e uma unidade de controlo de combate. A bateria tem 6 lançadores, o que significa que 48 mísseis estão disponíveis para cada interceptação, e uma equipa muito experiente consegue recarregar em 30 minutos. Acrescentada mais esta camada defensiva à Cúpula, só falta a ordem final do primeiro-ministro israelita. Aqui há várias guerras.
2. A 21 dias das eleições presidenciais americanas, mantém-se tudo em aberto. Kamala continua com vantagem na intenção de voto a nível nacional, mas Trump está a consolidar a primeira posição em estados decisivos para o Colégio Eleitoral. Ao dia de hoje, Trump está em melhor situação do que estava em 2016 e em 2020. O ex-presidente foi à Califórnia fazer um comício gigante, só para irritar Kamala no seu próprio estado, tradicionalmente democrata. Há preocupação pelo mundo fora: um presidente em último mandato pode fazer (quase) tudo o que lhe passa pela cabeça, e a de Trump está em permanente curto-circuito. Se é que existe. Se é que tem alguma coisa lá dentro. Aqui não há paz.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
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Conhece bem os cantos à pequena cidade que é o CCB, a sua “muralhinha”, como lhe chama. Francisca Carneiro Fernandes foi a primeira mulher a ser nomeada presidente do conselho de administração da Fundação Centro Cultural de Belém e passou os meses iniciais no cargo a ouvir todos os 232 trabalhadores da casa. “Houve dias duros, escutei coisas que me preocuparam”, diz à VISÃO, quase um ano depois de o seu nome ter sido anunciado para o cargo. A advogada nascida no Porto construiu uma carreira de gestora cultural no Teatro Nacional de São João (de que foi presidente do conselho de administração entre 2009 e 2018), na Ágora, no Teatro Municipal do Porto (de que foi diretora-executiva) e nos projetos dos centros culturais Matadouro e CACE. Tem um caderno de encargos ambicioso no novo MAC/CCB: tratar das rugas do edifício com 30 anos, construir os dois módulos do projeto original em falta (“estamos prestes a assinar o contrato e creio que as obras poderão começar ainda este ano, algo muito importante para a sustentabilidade do MAC/CCB e para uma nova centralidade da zona”) e apostar numa programação que cruza artes performativas e museu. Francisca Carneiro Fernandes quer “fugir do tokenismo” (esforço superficial para ser inclusivo) e criar um MAC/CCB inclusivo e aberto a públicos que “achavam que não tinham lugar no CCB”, eliminando a “visão elitista existente sobre o edifício”. Uma missão para uma “utópica” assumida.
Foi nomeada para a presidência do conselho de administração do Centro Cultural de Belém em outubro de 2023. Um ano de arrumação de casa é suficiente para deixar um cunho pessoal? Ainda não cumpri um ano de mandato, mas um dos meus grandes desafios era integrar uma equipa que vinha a trabalhar desde o mandato anterior [de Elísio Summavielle] e dar continuidade a coisas que estão a ser bem feitas, sem prejuízo de querer um cunho pessoal no meu mandato e de ter as minhas próprias ideias. Este ano, começaram a fazer-se sentir as linhas programáticas que já vinham de trás, com o trabalho do meu colega Delfim Sardo, nomeadamente o cruzamento das artes performativas com as artes visuais, que é algo que torna o CCB único. Há poucas instituições no mundo que tenham tão grande capacidade de fazer o performativo chegar ao museu. Agora, é continuar esse trabalho sob o cunho de duas direções artísticas próprias – uma de artes performativas e do pensamento com Aida Tavares e outra do museu e das artes plásticas assegurada por Núria Enguita –, o que é uma novidade do MAC/CCB. E já se sente esse cruzamento nas programações. Por exemplo, na celebração do primeiro aniversário do MAC/CCB, a 26 e 27 de outubro, convidaram o bailarino e coreógrafo Xavier Le Roy a fazer uma exposição-performance no museu [no âmbito da exposição Intimidades em Fuga. Em Torno de Nan Goldin]. A 24 de novembro, teremos outro cruzamento muito positivo no espetáculo Aqui, Agora, Neste Momento, de Elizabete Francisca, Mariana Tengner Barros e Vera Mantero. De resto, no mandato que quero fazer, há, naturalmente, prioridades: a excelência da programação e a fidelização do público do MAC/CCB, mas também chegar a outros públicos, democratizar o acesso. Estamos a trabalhar nesse sentido.
No MAC/CCB as artes performativas têm um papel de cidadania? Sim. A arte faz-nos refletir sobre o mundo e é natural que as instituições culturais queiram pensar nos desafios atuais. Tivemos recentemente um espetáculo muito forte, Depois do Silêncio, da artista brasileira Christiane Jatahy, que se debruçou sobre o racismo, a invisibilidade, os preconceitos, algo que pessoalmente me incomoda muito. Seria importante que se percebesse que o CCB trabalha no sentido de combater esses preconceitos existentes na nossa comunidade. Queremos criar acessibilidades económicas e sociais.
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A nossa comunidade é, hoje em dia, tão diversa: imigrantes, afrodescendentes, tantas pessoas diferentes. Para fazermos o que fazemos bem feito, temos de refletir a diversidade da comunidade
Trabalhou na promoção das artes performativas, nomeadamente enquanto presidente da direção da Performart, mas formou-se em Direito. O que a fez trocar as leis pela cultura? Acreditar que o mundo sem cultura é um mundo pior. Eu trabalhava com grandes protagonistas culturais do Porto, como a Fundação de Serralves e o Teatro Nacional São João (TNSJ), no escritório de advogados [Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados], e apreendi sobre os grandes desafios e exigências de gestão dos espaços culturais, que se mantêm até hoje. Quando me convidaram a integrar a direção do TNSJ, senti que o que sabia fazer poderia estar focado ao serviço de algo maior, que é o desenvolvimento das artes e da cultura. Não conseguimos viver sem a cultura – ou se vivemos, vivemos muito pior. A cultura estimula o nosso pensamento crítico, do mais comezinho ao mais grandioso. Na semana passada, inaugurámos a bienal Mostra Espanha aqui no CCB, com a presença dos ministros da Cultura de Portugal e de Espanha, e a senhora ministra Dalila Rodrigues referia que temos de deixar de cair na tentação de afirmar a importância da cultura quase como muleta de outras coisas. A cultura é um dos grandes valores da democracia, da plena cidadania e do desenvolvimento da comunidade, e temos de o afirmar sem pejo nenhum.
E a que chamamos, afinal, “cultura”? Cada vez mais afirmamos a cultura por si mesma. Passámos a fase das “indústrias criativas”, em que parecia que a questão economicista estava sempre à frente. O País atravessou um período complicado com a Troika, exigia-se à cultura que apresentasse resultados imediatos de bilheteira, que se autojustificasse, que dissesse quantos empregos criava ou que riqueza gerava… E depois misturava-se o teatro com a dança ou os videojogos, ou a publicidade, uma enorme confusão. Tentei combater isso o mais possível no TNSJ, porque há coisas que não se conseguem medir – e não é por não serem mensuráveis que não têm valor. Muitas vezes, têm-no ainda mais. Quero acreditar que o País tem caminhado no sentido certo e que há cada vez mais municípios que percebem que a cultura é essencial para o sucesso do seu desenvolvimento e do seu projeto de cidadania. A cultura não está ao serviço do turismo ou da economia. Ponto. São áreas diferentes. As pessoas precisam da cultura tal como de educação, e é preciso deixar de fazer um ranking entre áreas que são necessárias ao desenvolvimento humano por razões diferentes.
Foi saudada como “a primeira mulher a assumir a presidência do CCB”. Isto significa o quê? Eu não escondo que, para mim, é importante. Sou uma feminista assumida e acho que estamos muito longe da paridade desejada. Existe uma divisão muito grande de direitos, até em coisas tão pequeninas e enraizadas no pensamento que nem nos apercebemos, mas que quem trabalha em lugares de liderança sente. Mas há que acreditar que o caminho está a desenvolver-se e a dar frutos. Aqui no CCB, temos duas administradoras, não sou só eu: a Madalena [Reis, vogal], com toda a sua experiência profissional e visão, que admiro. E temos duas diretoras artísticas. É uma casa com quatro mulheres líderes: o Delfim [Sardo, vogal] brinca e diz que está em minoria. Isto é positivo, e devemos celebrá-lo sem problema nem vergonha.
Compete-me, dentro das possibilidades legais, assegurar um bom relacionamento com o comendador Berardo de forma a tentar manter a fruição pública dessa coleção tão vasta e valiosa
Esta liderança com mais mulheres foi uma estratégia? Foi um acaso. As escolhas da Núria e da Mariana Pestana, curadora da Garagem Sul, resultaram de concursos. Não se tratou de uma escolha preferencial por mulheres. A equipa não deve ser só feminina, só masculina, só branca, só negra, só jovem… A Performart – Associação para as Artes Performativas em Portugal desenvolveu um manual inclusivo que está agora a implementar junto das instituições [tem 57 associados a nível nacional], que quer diagnosticar até que nível as instituições são diversas. E foi curioso verificar que a sustentabilidade é um tema muito presente, mas a acessibilidade não é tão trabalhada… O impacto deste trabalho tem sido brutal. Já se notam alguns resultados inclusivos ao nível do recrutamento dos assistentes, mas eu gostaria que a inclusividade fosse ainda mais ampla. É difícil, porque é preciso garantir que as pessoas não vão ser discriminadas, quebrar questões que não estamos habituados a desmontar… Por exemplo, porque é que ainda pedimos uma fotografia no currículo? Há quem se sinta inibido e não envie o currículo porque acha que pode ser discriminado pela cor da pele mostrada na imagem… A nossa comunidade é, hoje em dia, tão diversa: imigrantes, afrodescendentes, tantas pessoas diferentes. Para fazermos o que fazemos bem feito, temos de refletir a diversidade da comunidade. E se formos todos homens brancos privilegiados, a nossa programação não o fará.
Velha questão: as mulheres em cargos de topo ainda têm de provar as suas capacidades em dobro? Ainda sinto essa pressão, ainda há situações que reproduzem padrões antigos. Mas felizmente também há muitos resultados positivos, e outra capacidade da sociedade e das instituições de acolherem a liderança feminina. Quando entrei para o TNSJ, aos 30 anos, se calhar sentia trabalhadores a pensarem: “Eu não quero ter uma chefia feminina, é uma miúda…” É preciso construir um percurso, dar provas, não me focar na misoginia. Estou a recordar-me do que digo à minha filha: “Não cair nos estereótipos e combatê-los todos os dias com o melhor que temos.” E assumir as falhas. Errar é humano, não é masculino nem feminino.
A atual ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, trabalhou no CCB. Isso facilita o diálogo? Facilita o diálogo porque a senhora ministra conhece muito bem a casa e sabe que, com os seus 31 anos, esta acusa desgaste e tem uma necessidade de investimento gigantesca. Estamos a trabalhar para conseguir financiamento extraordinário, para não ser sempre o Estado a financiar estas operações. Precisamos seriamente de investir nos equipamentos, nos edifícios, nos elevadores…
Pode especificar números? Podemos estar a falar de sete milhões de euros. É muito dinheiro, mas é para ser executado em três, quatro anos. O ideal seria que tudo corresse bem com os concursos, que os adjudicatários não tivessem questões com falta de materiais ou atrasos que obrigariam a passar a questão para o orçamento seguinte. A contratação pública tem constrangimentos e alguma dificuldade de execução, mas, por outro lado, assegura que estamos a fazer as coisas bem.
Esse orçamento é só para manutenção? É para grandes obras. Por exemplo, este ano estamos a instalar painéis solares na cobertura, um grande investimento que traz poupança considerável em termos de sustentabilidade. Já lançámos um concurso para os 13 elevadores do edifício, temos de modernizar quartos de banho, melhorar o chão, comprar equipamento atualizado para eventos e palco… O próprio palco tem de ser refeito. Temos de investir na segurança do espaço das reservas. Era também importante verificar os AVAC [ventilação e ar condicionado]. Há problemas de infiltrações em alguns edifícios. Estamos a mudar, aos poucos, toda a iluminação dos auditórios para ser mais sustentável, eficiente e ecológica. Tem de ser feito um planeamento muito bem feitinho: o CCB é uma máquina complexa, não para.
Vão aumentar preços dos bilhetes de acesso como outras instituições fizeram? Estamos a ir no sentido inverso. Fizemos um rebranding do Cartão CCB e decidimos que este passa a ser gratuito para jovens, reformulámos descontos no acesso à programação e não vamos proceder a aumentos. Queremos investir na acessibilidade física e social do público jovem. Por exemplo, há um preço especial para residentes (€7) e um preço para não residentes, pois sabemos que os nossos preços são baixos para a maioria dos turistas.
O MAC/CCB não tem estado isento de celeumas, como a da escolha pessoal de Aida Tavares para diretora artística sem a sustentação de um concurso. Como responde às críticas? Acho que a sustentação existe, apesar de não ter havido um concurso. A questão é que, iniciando eu um mandato curto de três anos e estando na iminência de ter uma direção artística para o museu, considerei muito urgente que houvesse também uma direção artística para a área das artes performativas e do pensamento, para trabalharem em conjunto e ter a tal excelência de programação que reflita os valores da administração e da casa. Sabendo que alguém com as valências artísticas e o currículo da Aida, reconhecida a nível nacional e internacional, estava disponível, achei que era justificável. À medida que o tempo vai passado, demonstra-se que essa minha urgência tinha razão de ser, e quero acreditar que já se começa a ver o resultado do que queremos fazer. Um CCB de todos para todos, e onde se encontram todas as artes
Com a mudança de governo crê que ficou com um prazo de validade mais curto no cargo? Sinceramente, não. Os ministros dão as suas diretrizes e, naturalmente, eu cá estarei para cumprir a minha obrigação. Mas estando dentro de um leque democrático de valores que considero poder cumprir, acho que essa questão não se coloca do meu lado. Naturalmente que o meu trabalho está sujeito à avaliação da senhora ministra, mas não me parece que seja por causa da mudança política entre quem me nomeou e quem está a gerir neste momento, que possa haver problemas. Poderá o meu trabalho ser avaliado negativamente, e aí eu ter um mandato mais curto, mas isso poderia sempre acontecer; os resultados estão constantemente a ser escrutinados e ainda bem que assim é, faz parte dos princípios da democracia. Se o Estado investe tanto dinheiro, tem de acompanhar o que considera serem bons ou maus resultados.
A Coleção Berardo aguarda uma decisão judicial sobre o seu destino. Se os tribunais decidirem a sua saída do MAC/CCB, há um plano B? Tenho dito que é muito positivo o comendador Berardo ter decidido disponibilizar a coleção para ser vista pelo público português. Compete-me, dentro das possibilidades legais, assegurar um bom relacionamento com o comendador Berardo de forma a tentar manter a fruição pública dessa coleção tão vasta e valiosa, que penso ser do interesse de todos os portugueses, até que os tribunais façam o seu trabalho e decidam para onde vai a coleção ou a quem pertence. Mas não estamos na iminência de os processos terminarem já, e neste momento estamos focados na integração plena do MAC no CCB – que abriu ainda não fez um ano – e nos diálogos entre as coleções que temos. Se essa questão tiver de ser colocada, lá chegaremos.
O foguetão Starship, que a SpaceX tem vindo a desenvolver, realizou este domingo, 13, a sua quinta missão, e pela primeira vez na história um sistema de propulsão regressou ao local de lançamento, no caso o complexo texano de Starbase, nos Estados Unidos da América.
A nave da empresa aeroespacial de Elon Musk, que no momento do lançamento media um total de 121 metros, separou-se do sistema de propulsão Super Heavy Booster como previsto, orbitando parte do planeta e reentrando na atmosfera sobre o Oceano Índico, antes de pousar sem problemas. Mas o grande objetivo do teste de hoje era o regresso à base de lançamento do foguetão em si, uma vez que a ideia é desenvolver um sistema de propulsão reutilizável, de forma a reduzir drasticamente os custos de lançamento de futuras missões espaciais, nomeadamente o regresso do Homem à Lua e, mais tarde, o transporte para Marte.
Como explicaram os responsáveis da SpaceX, neste quinto voo da Starship só após a avaliação no momento do estado do Super Heavy Booster decidiram tentar levar a missão até ao fim. Depois de quase oito minutos (7m44s) de viagem, o gigante propulsor, com 71 metros de extensão, pousou na torre de lançamento de onde havia partido. Nas experiências anteriores, tinha explodido ou aterrado no oceano.
Antes de transportar tripulações ou cargas, a Starship deverá realizar ainda centenas de missões. Recorde-se que o programa Artemis, com o qual a NASA pretende regressar à Lua, assenta neste sistema que está a ser evoluído pela SpaceX, cujo dono estabeleceu como objetivo concretizável a colonização de Marte pelos humanos nas próximas décadas. Para já, até 2026, a empresa fundada na Califórnia tem previsto o envio de cinco naves espaciais sem tripulação para o planeta vermelho.