Listar e dar a conhecer todos os escritores brasileiros a viver atualmente em Portugal seria matéria para outro tema do JL. Se é certo que as relações literárias entre os dois países nem sempre foram intensas, esta presença brasileira em Portugal poderá vir a criar novos alicerces para uma ponte literária que sempre existiu.
E se até há bem pouco tempo se notava uma certa influência da literatura portuguesa no Brasil, sublinhada por críticos brasileiros nas suas colunas de opinião, neste momento parece que se verifica o inverso.
Nas páginas do nosso jornal, no ano passado, Miguel Real destacava justamente a qualidade dos romances que chegavam do outro lado do Atlântico, dando como exemplo o facto de duas das últimas três edições do Prémio Leya terem sido vencidas por autores brasileiros.
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Se esse era o saldo à data da publicação do artigo, ele subiu para três nas últimas quatro edições, com a distinção de Não Há Pássaros Aqui, de Victor Vidal, que se juntou a Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, e A Arte de Driblar Destinos, de Celso José da Costa.
Pela sua natureza subjetiva, os prémios valem o que valem. Além disso, é preciso nomear as vitórias de obras portuguesas no Prémio Oceanos, aberto a toda a lusofonia, mas organizado por uma instituição brasileira: Alexandra Lucas Coelho, em 2022, com Líbano, Labirinto, Ana Teresa Pereira, em 2017, com Karen, e José Luís Peixoto, em 2016, com Galveias, só para referir os últimos dez anos e sem contar com segundos e terceiros lugares previstos no galardão.
A visibilidade da literatura brasileira atual foi recentemente reforçada, num contexto editorial muito difícil de penetrar como o dos EUA, com a atribuição do Nation Book Award para melhor tradução ao romance A Palavra que Resta, de Stênio Gardel.
As editoras
E a publicação? A língua partilhada nem sempre é o melhor amigo dos editores, a avaliar pelas apostas. Há quem fale nos obstáculos semânticos e sintáticos ou nos contextos geográficos e culturais tão distintos, justificações que nem sempre convencem.
Os autores brasileiros têm poucos leitores em Portugal? Há nomes que quebram essa desconfiança. Machado de Assis, como grande clássicos e romancista inventivo, Jorge Amado e Erico Veríssimo, dois dos autores brasileiros mais populares em Portugal ao longo do século XX, Rubem Fonseca, com a sua novela policial (e não só), Chico Buarque, pela literatura e pela música.
E muitos e grandes poetas, como Carlos Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto. Houve tentativas de editoras e coleções brasileiras, algumas de grande impacto, outras sem seguimento.
Alguns exemplos: a editora Livros do Brasil, fundada em 1944 e responsável pela divulgação de grandes autores brasileiros; as coleções da Cotovia, a “Sabiá” e a “Curso Breve de Literatura Brasileira”, esta dirigida por Abel Barros Baptista, professor e ensaísta que, com Clara Rowland, coordena atualmente a coleção da Tinta-da-China “Os Melhores deles”. Em parceria com a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Glaciar lançou uma “Biblioteca da Academia”, tendo a Imprensa Nacional editado também vários poetas brasileiros contemporâneos.
A presença de editoras brasileiras a atuar no mercado português também contribui para uma aproximação entre o Brasil e Portugal. A Editora Gato Bravo, de Paula Cajaty, tem sido distribuída nas livrarias portuguesas e tem publicado autores nacionais no Brasil.
Igual trabalho e com maior impacto tem desenvolvido a editora Urutau, fundada por Waldimir Vaz. Outro exemplo é a editora Kotter, de Marcos Pamplona. Em comum, estas três chancelas têm o facto de serem dirigidas por poetas que vivem ou viveram temporadas em Portugal.
As livrarias
Se falamos em editoras, não podemos deixar de referir a Livraria Travessa de Lisboa, a primeira filial da cadeia fora do Brasil e que desde 2019 se tornou um polo central no circuito literário lisboeta, promovendo lançamentos e outras iniciativas, integrando ainda a programação de alguns festivais literários e não só.
No espaço, na Rua da Escola Politécnica (Príncipe Real), disponibiliza-se um conjunto muito significativo de títulos brasileiros, que complementam a oferta das editoras lusas. Destacam-se os catálogos e as edições cuidadas e originais de clássicos da literatura brasileira e universal.
Os autores
Uma ‘embaixada’ brasileira Além das editoras, dos prémios e das livrarias, é a presença de autores brasileiros que pode contribuir para um maior conhecimento da literatura que se faz do outro lado do Atlântico.
Neste campo, o primeiro nome a referir é o de Tatiana Salem Levy, a mais portuguesa das escritoras brasileiras, e vice-versa, característica nem sempre valorizada pelos dois países.
Filha de pais brasileiros exilados em Portugal durante a Ditadura Militar, nasceu em 1979, em Lisboa (onde vive há mais de 10 anos), e o seu primeiro romance, A Chave da Casa, teve a sua 1ª edição na Cotovia, em 2007, meses antes de sair na Record. Todos as suas narrativas estão publicadas em Portugal, também na Tinta-da-China e na Elsinore. Na próxima rentrée deverá sair o seu novo livro, Melhor não contar.
Outro nome em destaque é o de Rafael Gallo, que se mudou para Portugal após ter sido galardoado, em 2023, com o Prémio José Saramago, pela primeira vez atribuído a um inédito (Dor Fantasma).
Vencedor do Prémio Oceanos (na altura ainda chamado PT de Literatura) com Os Lados do Círculo (editado pela Caminho), Amílcar Bettega também vive atualmente entre nós, depois de ter passado por vários países. Além de tradutor, ministra uma oficina de conto em várias instituições e festivais portugueses.
Outro autor galardoado a viver aqui, neste caso no Porto: Alexandre Marques Rodrigues, que recebeu o Prémio Sesc de Literatura, em 2014, com Parafilias, edição portuguesa da Teodolito.
Há mais de 30 anos a viver em Portugal, o carioca Ozias Filho, poeta e fotógrafo, tem sido responsável por edições, leituras e outras iniciativas a envolver autores nacionais e brasileiros. Versátil é também o perfil de Álvaro Filho, com um percurso no jornalismo e na fotografia: vive aqui desde 2016 e aqui iniciou sua obra literárias.
Ronaldo Cagiano, já distinguido com um Prémio Jabuti (3.º lugar com o volume de contos Eles não moram mais aqui), mudou-se para Lisboa em 2017 e tem obra publicada na Coisas de Ler, Húmus, Gato Bravo e Urutau.
Sem viver em Portugal, mas com casa própria cá, onde passa várias temporadas: José Paulo Cavalcanti Filho, membro da ABL e autor de Fernando Pessoa. Uma quase autobiografia e Somente a verdade, ambos publicados pela Porto Editora.
Numa lista necessariamente vasta, e a explorar em próxima edição, outros nomes teriam de ser incluídos (aqui referidos a título de exemplo): Everton Machado, escritor e docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Eltânia André, um dos muitos nomes divulgados entre nós pela Urutau; Maurício Vieira e Mariana Portela, que se distinguem pelas suas performances poéticas; Luca Argel, que além de músico (ver inquérito) tem publicado poesia; e Celso Japiassu e José Guilherme Vereza, ambos publicitários, lançado pela Glaciar e pela Kotter, respetivamente; e Manuela Bezerra de Melo, poeta, contista e investigadora da Universidade do Minho. Eis novos pilares para uma ponte literária antiga e necessária.
Na semana em que cumpriu 90 anos, no final do ano passado, escreveu 90 haikus, assim, de repente, como quem deita cá para fora o que há muito vinha acumulando num depósito de poesia.
E é mesmo assim que Luísa Freire escreve: sem planeamento, nem projeto, seguindo a intuição. De uma palavra que lê, de uma imagem que vê, de um pássaro que passa, de uma folha que cai, como exemplifica, pode surgir um poema.
E com ele outros até formarem um livro. A rapidez com que escreve um poema só encontra paralelo com a facilidade com que compõe um livro. Pode passar muito tempo sem escrever, meses até, mas quando a escrita a domina tudo flui. Talvez essa sensação explique os muitos inéditos, livros inteiros, que guarda na gaveta.
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”Quando abro livro antigos, leio-me como se estivesse a ler um autor desconhecido”
Alguns, 26, estão a ser agora publicados, nos dois volumes de poesia inédita a que deu o título de Atravessar o Frio, uma edição da Assírio & Alvim. O primeiro volume, já nas livrarias, cobre os anos de 2011 e 2017, abarcando o segundo o período que vai de 2019 a 2023. É uma oportunidade única para conhecer uma poeta discreta, de escassa publicação.
Nascida em Castelo Branco, em 1933, Luísa Freire só publicou o seu primeiro em 1979, Da Raiz à Fronde, recolhendo aí poemas escritos entre 1973 e a data de lançamento da estreia. Antes, formou-se em Filologia Germânica, em Coimbra, e começou a dar aulas no ensino secundário.
Seguiram-se outros livros, até 1985 – Na Pausa da Espera, Estar, Amor e Sempre, Verde-Nunca –, mas o envolvimento com a arca pessoana relegou os seus versos para um pousio forçado. Traduziu os poemas ingleses que Fernando Pessoa escreveu ao longo de toda a vida, dedicou-lhe o mestrado e um longo ensaio (Fernando Pessoa – Entre Vozes. Entre Língua) e só voltou a publicar já este século. Em 2003, saiu Imagens Orientais / Imagens Acidentais, com haikus seus e de Bashô, Buson, Issa e Shiki, e Ciclo da Cal.
Em 2009, O Tempo de Perfil revelava, pela primeira vez, o que ia escrevendo para gaveta (considera-se uma poeta com ‘arca’, mas sem espólio). E antes de Atravessar o Frio, e assinalando também os 50 anos de percurso literário, contados a partir de 1973, lançou os títulos Imagens e Cadernos A4, ambos em 2022, e já este ano o poema dramático Monólogo para uma Janela no Escuro e Folhas Breves, com os tais 90 haikus.
Apaixonada também pela pintura, hoje tenta dizer mais com menos, numa concisão que tanto apela às ideias, como se deixa seduzir pelas imagens.
Não é habitual uma poeta publicar, num único volume, 13 livros de inéditos de uma só vez, anunciando outros tantos para o segundo tomo. Quis assinalar em grande os seus 90 anos e 50 de vida literária?
Sim, de certo modo. Há essa coincidência de datas, o segundo volume desta poesia inédita vai até 2023, quando completei 90 anos. E acho que comecei a escrever “a sério” em 1973, já com 40… Mas não incluí nesta poesia inédita todos os livros que tenho por publicar, pois não condiziam com o conjunto. Um deles foi um volume de tercetos.
Além destes 26 livros inéditos, tem mais? Sabendo do seu passado pessoano, podemos falar de uma pequena arca?
Sim, sim, há mais. Tenho inéditos, mas não tenho espólio. Quando não gosto de um poema (ou de uma versão) deito-o para o lixo. E quando acabo um livro também vai para o lixo tudo o que não teve lugar nele. Não deixarei cá nada além de cada título individual.
É muita poesia inédita…
Tenho 60 livros escritos que considero acabados. Houve uma oportunidade, entre 2017 e 2019, de publicar dois livros de prosa poética e três de terceto, cem para cada um, a que chamei Instantes 1, 2 e 3. Mas essa possibilidade não se concretizou.
Mas por que razão acumulou tantos livros inéditos e não os publicou ao longo do tempo?
Como no caso daqueles três, houve oportunidades que não se concretizaram ou não apareceram. E eu também não fiz muito por isso. Parti do princípio que os livros estavam feitos, cá os deixava. Se tivessem de ser revelados postumamente também não haveria problema. O que eu agora disse ao Vasco David [diretor editorial da Porto Editora e editor da Assírio & Alvim], foi: já que vi o primeiro volume desta poesia inédita, gostava de ver o segundo [risos].
Estou a imaginar o Vasco David a perguntar-lhe se teria um livro inédito para publicar e a responder-lhe: um não, vários…
[risos] Ele sabia que eu tinha muitos para publicar. Quando lançámos O Tempo de Perfil, em 2009, que também já revelava muitos livros inéditos, havia outros na gaveta. Tem sido realmente muita escrita. Foram 50 anos de vida literária bem aproveitados.
Saber se seria publicada nunca foi importante nessa escrita contínua?
Esse é um processo independente. Escrevo para mim. Também, possivelmente, para algum leitor que me queira ler, mas nunca penso em publicar quando escrevo. Vou registando coisinhas pequeninas do dia a dia, pensamentos, ideias ou palavras que depois dão a um poema.
É a sua conta-corrente?
Sim, faz parte do meu dia-a-dia. E houve uma fase, nos anos 80 do século passado, em que escrevi tanto, tanto, tanto que se tornou quase um diário. Mas desse tempo deitei muitos poemas fora, quase 500. Eram muito repetitivos, justamente por essa proximidade entre poesia e diário.
Numa nota de apresentação a esta poesia inédita, diz que este primeiro volume versa mais sobre a ideia de “voz” e de “escrita”…
Há um tema comum que une os vários livros: as diferentes linguagens. Tenho muitos poemas sobre música, pintura e escrita: são várias vozes e linguagens, incluindo a gestual e a dos bebés. Foquei-me nesses anos um pouco nessa temática. A partir de 2019, que aparecerá no segundo volume, a minha poesia surge mais conotada com o mundo, com tudo o que foi acontecendo. Há vários poemas referente à pandemia, às várias guerras em que estamos metidos e também a perdas pessoais, como a morte do meu marido. Mais mundo e realidade.
Alguns pintores usam a ideia de série para explicar por que razão pintam, durante um determinado período, um certo tema. Também se pode aplicar à sua poesia?
Abordar o mesmo tema é uma coincidência. A minha poesia surge de instantes, do que aparece, de uma palavra que depois dá origem a um poema. A atenção às linguagens é fruto dos meus interesses, da muita música que oiço, do meu gosto pela pintura, que também pratico. Tudo isso fez com surgissem livros especiais sobre esses temas, não foi nada planeado. Quando acho que um livro acabou, dou-o por terminado. E depois o próximo pode ter uma temática semelhante ou completamente diferente. A única característica comum que reconheço na minha poesia mais recente é ser cada vez mais sintética, condensada, na procura de dizer em pouco espaço.
Na verdade, a sua poesia nunca foi torrencial.
Sim, nunca foi longa. Mas está cada vez mais curta. Talvez também seja uma influência dos haikus de que gosto muito, estudei bastante e cultivo.
O que gosta nessa concisão?
O haiku baseia-se nos sentidos, são essencialmente visuais ou auditivos. Quando o poeta oriental capta imagens ou sons, tudo fica fora das ideias. Pelo contrário, nós, ocidentais, não nos conseguimos abstrair, apenas ouvir ou ver, temos sempre de associar qualquer coisa. Talvez se deva à omnipresença das quadras, que ouvimos desde pequenos, que são pequenos sonetos, com uma introdução e uma conclusão. Não chamo de haikus aos tercetos que referi há pouco porque neles já há um pensamento, uma ideia, uma reflexão. Tenho tendência para uma poesia sentenciosa, um pouco conclusiva.
Com este primeiro volume de poesia inédita, estamos perante vários livros. Como é que ele se formam? Quando sente que tem um concluído?
É um processo intuitivo. Há sempre um momento em que, com os poemas que tenho, sinto que o livro se fechou. Não tenho um projeto, como se faz nos romances. Por vezes, passo meses sem escrever e, depois, um livro surge numa semana ou duas. Mesmo quando não escreve, o poeta está a escrever.
Vai captando e pensando. Na altura certa, as coisas que surgem já lá estavam. No meu caso, primeiro escrevo à mão e só depois passo para o computador. O que não me parece merecedor de ficar no livro, é destruído. Não existe. O livro vai-se afinando nas impressões e nas revisões que faço. Mas, como disse, é tudo intuitivo, não obedece a um trabalho ou a uma pesquisa, a ver o que fica melhor aqui ou ali. Até porque emendo muito pouco.
Por que razão deu o título de Atravessar o Frio a esta poesia inédita?
Foram 12 anos difíceis a vários níveis, no mundo e na minha vida. Muitas perdas. Os meus amigos morreram praticamente todos. Quando se chega a esta idade, já se tem pouca gente que partilhou connosco uma vida, momentos ou amizades.
“A poesia é sempre em diferido. Nunca por estar triste ou contente. Agarro no papel e escrevo. É sempre o depois, passado a tempestade, o que fica do vivido“
Essas perdas puxam mais pela poesia?
No meu caso, não. Para mim, a poesia é sempre em diferido. Nunca por estar triste ou contente. Agarro no papel e escrevo. É sempre o depois, passado a tempestade, o que fica do vivido.
Também é assim quando escreve sobre o que acontece no mundo?
Interessa-me muito as pessoas na sua relação com o mundo, as reações. Até os noticiários, que impressionam sempre. E sobre tudo isto se escreve, depois, em qualquer altura, não necessariamente logo, em resposta.
Uma vida tão longa também lhe permite conjugar vários tempos.
Sim, sim, e muitas experiências. Atravessei a nossa ditadura e fui contemporânea da II Guerra Mundial, que o meu pai acompanhava através da BBC e das notícias do Fernando Pessa. Um dos livros que sairá no segundo volume é precisamente sobre as mudanças que tenho visto no mundo, incluindo as climáticas e os desafios ecológicos.
Uma das características da sua poesia é a diversidade de registos. Interessa-lhe a experimentação?
Muito. Tenho versos e poemas longos (mas não muito) e curtos. Só não escrevo sonetos.
Não gosta?
Estou vacinada contra eles. Como qualquer adolescente, fiquei fascinada pelos sonetos de Florbela Espanca. E depois li muitos de Camões, Almeida Garrett e Antero de Quental. Quando cheguei à geração de Orpheu, e sobretudo à poesia de Fernando Pessoa, assim como à de outros autores, jurei que nunca escreveria sonetos.
Um espartilho demasiado apertado?
Sim. A poesia, para mim, é liberdade. Escrevo versos sem rima, mas o ritmo está lá. E o ritmo é muito importante, seja na prosa poética, seja na poesia. Infelizmente, é uma dimensão da escrita que se está a perder nos mais novos. Talvez lhes falte o Camões lírico e tudo o que se seguiu. A história da poesia que se lê e estuda fica no ouvido e comanda o ritmo quando se escreve. O verso branco sem ritmo não é nada.
É a diferença entre a simplicidade e o simplismo…
Pois… Eu gosto muito de coisas simples, de uma poesia pobre, que vive da imagem, sem luxos. Porque há um estilo pomposo que me irrita [risos].
Como foram as suas primeiras tentativas poéticas?
Não sei situar bem. Guardo um caderno de 1946, com uns poemas de caligrafia muito bonita… Mas é o único texto antigo que guardo. Sempre gostei de letras, mas não sei dizer o que me levou, aos 12 anos, àquele caderno. Na verdade, nem foi o início de uma dedicação à escrita, apenas de leitura intensa. Passei inclusivamente pela faculdade se ter esse impulso criativo, que só chegou com a meia idade.
Esteve esse tempo todo a a escrever sem escrever, como dizia há pouco?
Referi essa expressão para os anos mais recentes. Mas se calhar nessa altura também escrevia sem o saber. Foi um tempo muito ocupado pela profissão, os filhos para criar, as solicitações do dia-a-dia. Não houve o espaço que a poesia requer.
O que mudou nos anos 70 para que a poesia tenha encontrado esse espaço?
Não sei porquê, nem como, mas resolvi que ia escrever. E comecei. Foi assim tão simples. Hoje já não me identifico com os primeiros quatro livros que publiquei. Mais tarde, encontrei o nome que adotei para a escrita – Luísa Freire – e tudo se tornou mais regular.
Os anos 80 foram anos de grande produção…
Foi o tempo em que mais escrevi. Mas depois comecei a trabalhar com o espólio do Pessoa e a traduzir os seus poemas ingleses. Aí houve uma escrita mais espaçada porque a tradução implica um envolvimento e uma emoção tal que, por vezes, inibe a produção própria.
Qualquer coisa que eu escrevesse parecia Pessoa, tão grande era o seu impacto e influência. Revejo-me numa frase que li num dos livros do Alberto Manguel: a tradução é a mais fecunda leitura da obra de um escritor. Não há outra maneira. Deixamos de ser nós, para sermos outro.
Como se deu o encontro com Pessoa?
Quando vivia em Elvas traduzi alguns poemas ingleses do Fernando Pessoa. Mais tarde a Teresa Rita-Lopes soube disso e convidou-me para continuar esse trabalho, até porque na equipa dela, na altura, não havia ninguém de estudos anglísticos, eram todos de românicas. Ao fazer o meu mestrado sobre a obra pessoana inglesa, abriram-se as portas à minha colaboração, que resultou num primeiro volume de traduções, em 1985, nos três volumes com toda a poesia inglesa e no ensaio Fernando Pessoa – Entre vozes, entre línguas.
O que se pode descobrir nesse Pessoa inglês menos conhecido?
As preocupações e as obsessões do poeta maduro já estão nesta poesia inglesa inicial. Serão tratadas depois primorosamente na língua portuguesa. Mas mesmo numa poesia mal alinhavada como é a do Alexander Search as temáticas principais já lá estão.
As quadras são, para mim, o grande mistério pessoano. O que leva Pessoa, no fim de uma vida e de uma obra tão fabulosa e diversa, a escrever 400 quadras? E à maneira do povo. É realmente inacreditável
O núcleo está criado?
Sim, e mais tarde desdobra-se nos heterónimos, no Pessoa ele mesmo e na prosa poética do Bernardo Soares. É um desdobramento mas sobretudo uma maneira de escrever completamente diferente, numa outra língua e com outras vivências. O Pessoa escreveu em inglês até ao fim da vida, mas há muitas variações, sobretudo porque ele vai perdendo a faceta coloquial do inglês quando volta a Portugal e estuda a fundo a literatura portuguesa.
Também estudou as quadras pessoana, outra área pouco conhecida quando pegou nelas…
Sim, outra área mal amada no corpus pessoano. As quadras são, para mim, o grande mistério pessoano. O que leva Pessoa, no fim de uma vida e de uma obra tão fabulosa e diversa, a escrever 400 quadras? E à maneira do povo, com ele diz. É realmente inacreditável. Já tinha escrito algumas, certamente que estudou o cancioneiro, mas escrever tantas nos últimos anos de vida? É o grande mistério no enorme mistério que Pessoa é. Ainda hoje não sei explicar.
Os contributos pessoanos terão ofuscado a sua poesia?
Talvez. Fica-se sempre marcado por Pessoa. E ele foi, de facto, uma grande influência, sobretudo o Bernardo Soares e o Álvaro de Campos.
É aliás do Álvaro de Campos a epígrafe que abre Atravessar o Frio…
Não podia ser outra. Identifico-me muito com esse poema: “Depois de escrever, leio…/ Porque escrevi isto?/ Onde fui buscar isto? De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu…// Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta/ Com que alguém escrever a valer o que nós aqui traçamos?” Muitas vezes, quando abro livro antigos, leio-me como se estivesse a ler um autor desconhecido. Toda a escrita é um mistério.
“A formação da faculdade da atenção é o verdadeiro fim e quase o único interesse dos estudos”, escrevia Simone Weil, em 1942, numa das suas reflexões publicadas em Espera de Deus.
Oitenta e dois anos mais tarde, a frase ecoa ainda com a força de uma pedra num charco onde a utilidade das coisas é cada vez mais celebrada, em detrimento da sua essência.
Num Mundo pautado pela angústia da pressa, pelo imediatismo e a volatilidade de pensamentos, ideias e relações humanas, dar-nos conta de tal essência implica um esforço acrescido, uma procura consciente ou, como o fotógrafo Daniel Blaufuks (DB) define a sua exposição mais recente, que se inaugurou no MAAT a 17 de julho, “um ato de resistência”.
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Com curadoria de João Pinharanda, Os Dias Estão Numerados apresenta mais de 450 obras, fruto daquela que DB considera ter-se transformado na “tarefa de uma vida”: a criação de um diário visual e textual onde regista e comenta o seu quotidiano, desde 2018.
Há seis anos que, todos os dias, em folhas de papel A4 numeradas, Blaufuks cola polaroids, recortes de jornais, anúncios, bilhetes de avião, e manuscreve ou carimba frases em português, alemão, inglês e francês, dando corpo a uma espécie de arquivo de fragmentos de vida. Ao MAAT chega agora uma seleção dos registos realizados entre 2018 e 2022, todos os de 2023 e alguns de 2024.
Os projetos a longo prazo e a entrega ao que “não é fotografável à partida”, provavelmente desinteressante ao olhar dos que não prestam atenção às pequenas coisas, é já imagem de marca na obra do fotógrafo. Em 2017, na Galeria Vera Cortez, Tentativa de Esgotamento reunia as fotografias que, de forma quase religiosa, Blaufuks havia tirado, entre 2009 e 2016, à mesa e à janela da cozinha da sua casa, em Lisboa.
Em Os Dias Estão Numerados, a mesa e a janela estão de volta, e a elas juntam-se frases, imagens de flores, guerras, viagens, concertos, amigos vivos, amigos mortos, paisagens de mar, divisões de uma casa.
“Há folhas das quais se gosta mais e folhas que se gosta menos, mas isso corresponde também ao que é a vida. Há coisas melhores do que outras”, explica DB, enfatizando que, apesar da periodicidade diária da criação, estamos perante um não-diário.
“É um toca e foge. As pessoas não percebem se o meu dia foi aquilo, ou se foi só aquele minuto, aquele segundo em que pensei naquela frase. São pistas”
“Acaba por saber-se muito pouco da minha vida. Não é íntimo, os retratos são não-retratos, não estamos aqui a falar de grandes fotografias, mas de uma valorização do disparo instantâneo, que é afetivo”. Not a diary but a state of mind, lê-se numa das páginas expostas. Estado de espírito esse que comporta o registo das não efemeridades, de tudo o que normalmente não nos lembramos quando o ano acaba.
“É um toca e foge. As pessoas não percebem se o meu dia foi aquilo, ou se foi só aquele minuto, aquele segundo em que pensei naquela frase. São pistas”. A recolha constante destas pistas dá forma a um arquivo consistente de fragmentos de vida, espelha a paisagem interior da alma do fotógrafo e a forma como esta percecionou o Mundo num determinado dia, a uma determinada hora, num determinado lugar.
Não estamos aqui a falar de grandes fotografias, mas de uma valorização do disparo instantâneo, que é afetivo
daniel blaufuks – fotógrafo
Observando as 365 obras de 2023, não sabemos o que DB fez ao longo do ano, com quem fez, quando fez, mas conseguimos intuir um ser metódico, por vezes melancólico, que se entrega à contemplação com um espírito inquisitivo.
Percebemos, por exemplo, o quão importante é para o artista a ética vir antes da estética, pensamento de tal forma premente que acabou imortalizado em três obras.
Também não há dúvidas de que é feliz em Veneza, apesar do turismo desenfreado, que a 21 de março compara a terrorismo, e do facto de no dia 6 do mesmo mês duvidar se ama mais a cidade ou as memórias que tem dela.
A faculdade da atenção é de facto a arma mais eficaz na construção de um arquivo deste tipo, o qual pressupõe uma entrega ativa ao aborrecimento e à monotonia, a descoberta do espanto tanto na rotina como na quebra dela, a valorização da “vida ordinária em que nada se passa e tudo se passa”, e uma capacidade de, contemplando a luz que bate sempre sobre a mesma mesa, encontrar nela razões para sorrir, chorar, enfurecer-se ou questionar.
Os Dias Estão Numerados poderia ser definida como algo entre um exercício de memória e uma homenagem à beleza dos dias comuns, os que esquecemos por não terem sido abalados pelas quebras de rotina que alimentam a nossa incapacidade de ser e estar, apenas.
“Vivemos num tempo em que temos de assumir o nosso lado”
FOTO: Bruno Lopes
Jornal de Letras (JL): Alguma vez, olhando para trás, para as obras destes seis anos, foi surpreendido pela sua própria vida?
Daniel Blaufuks (DB): Ah sim, há dias que eu não me lembro. E há frases que, às vezes, tenho de pensar porque é que as escrevi, onde é que fui buscá-las, se são frases minhas, o que é que eu estava a pensar na altura. Isto é uma visualização do tempo, também.
Nós não pensamos no tempo como uma coisa que se possa ver, porque é uma coisa que está sempre a passar. Um ano tem este aspeto. Parece imenso, cabe imensa coisa, mas, se pensarmos, também é tudo muito curto.
JL: Tão curto que conseguimos identificar rapidamente pequenas coisas que se repetem. A frase “ethics before aesthetics” está, pelo menos, em duas obras.
DB: Vivemos num tempo em que, de facto, as pessoas olham para a beleza e não pensam quase em mais nada. Também há aqui uma tentativa de crítica e pensamento político. É algo que na fotografia, normalmente, não consigo ter e encontrei finalmente uma forma de poder fazê-lo. É que a fotografia não dá opiniões…
JL: Pois, está uma obra na primeira parede da exposição onde escreveu precisamente isso.
DB: Está? Ainda bem. Penso que encontrei uma forma de também dizer qualquer coisa. Se alguém ouve ou quer saber já é secundário, neste caso. Quis dar à fotografia uma voz, um lado. Vivemos num tempo em que temos de assumir o nosso lado.
Trabalhei muito sobre o Holocausto, no início. Quando fiz o Sob Céus Estranhos, que é um filme sobre os judeus refugiados, as pessoas perguntavam-me porque é que ainda estava a trabalhar sobre o assunto.
Hoje em dia já ninguém me pergunta isso, porque, tragicamente, ficou cada vez mais presente. E eu sinto, cada vez mais que, como artista e como cidadão, quero e devo tomar posições.
JL: Foi o que tentou fazer em Os Dias Estão Numerados?
DB: Apesar de ser difícil com exposições de fotografia, porque uma fotografia tem imensas leituras, mas não necessariamente uma opinião, aqui, com este formato, acho que consegui. Depois as pessoas concordam, não concordam, estão interessadas, não estão interessadas, isso já é outra coisa.
Serralves, 10 de julho de 2024. As viagens no tempo têm muitas formas de acontecer. Milão, Amado Mio – Atti Impuri, 1982. O essencial é manter viva a memória. Lisboa, Poetas de Sodoma, 1923. Riscá-la nos muros, gritá-la nos palcos, celebrá-la e mostrá-la, dando mesmo uma festa em sua honra.
Serralves, 10 de julho de 2024. As portas do salão da casa cor-de-rosa abrem-se de par em par para o jardim, repleto de convidados. Ao centro da sala, num enorme charriot redondo, repousam dezenas de casacos de cabedal nos quais foram bordadas referências a eventos, livros, artistas, pensadores, realizadores e escritores, de Pasolini a António Botto e Derek Jarman, entre muitos outros.
A festa está montada e as memórias convocadas. Sob o olhar atento dos convidados, os do jardim e os dos casacos, João Pedro Vale (JPV) e Nuno Alexandre Ferreira (NAF) trocam alianças, escrevendo mais um capítulo na história da Casa Vale Ferreira, que trazem agora a Serralves, numa mostra antológica de 25 anos de trabalho, com curadoria de Inês Grosso, patente até 17 de novembro.
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Do casamento que acabou de acontecer sobreviverá uma placa comemorativa, eco da “performance” de uma vida, a qual ficará exposta na fachada da capela da Casa de Serralves, nos próximos meses, rebatizada Casa Vale Ferreira. É que, por mais anos que passem e por mais voltas que o Mundo dê, JPV e NAF continuam a usar o “criticismo, algum cinismo e muito humor” para questioná-lo.
A ironia refinada é cunho identitário da dupla, há 25 anos a desenhar-nos sorrisos na cara através de obras mordazes, que, colocando-nos frente a frente com a realidade, têm-nos feito refletir sobre temas tão variados quanto a identidade nacional, a dignidade humana, as relações interpessoais e as ideias preestabelecidas necessárias, ou não, ao funcionamento do sistema social.
The Tearoom, instalação composta por blusões de cabedal personalizados com referências a personagens, eventos ou lugares do imaginário queer com influência direta no trabalho de JPV e NAF FOTO:nvstudio
A viagem através da carreira dos dois artistas tem início precisamente em The Tearoom, a instalação composta pelos blusões de cabedal personalizados com referências a personagens (que já tenham morrido), eventos ou lugares do imaginário queer com influência direta no trabalho de JPV e NAF.
“As pessoas são convidadas a fazer parte da peça, vestindo um casaco à sua escolha enquanto vêm a exposição, acabando por realizar as suas próprias performances, ao circularem pelo espaço, a ver os casacos que os outros têm vestidos, ao mesmo tempo que também são vistas por eles”, explica NAF. “É como se, através do público, a própria obra contaminasse o resto da casa”.
Do salão aos quartos, sala de leitura, biblioteca, cozinha, jardim e capela, a dupla tomou de assalto o espaço e povoou-o com uma fotografia bem tirada daquilo que tem sido a sua prática artística.
Com trabalho realizado em áreas tão distintas quanto a escultura, instalação, vídeo, fotografia e performance, as obras expostas em Serralves, à exceção de The Tearoom, idealizada de raiz para a exposição, são reinterpretações das originais ou vestígios de performances realizadas no passado.
É o caso, por exemplo, da reprodução do interior de um navio, a qual, apesar de à primeira vista parecer, nas palavras dos artistas, “uma reconstrução de um museu etnológico”, foi o cenário utilizado em Hero, Captain and Stranger, simultaneamente um filme pornográfico gay e uma adaptação curta e livre de Moby Dick, resultante de uma residência artística realizada em Nova Iorque, em 2009, cuja estreia ocorreu no mesmo ano, no antigo Cine Paraíso, em Lisboa.
“O espaço é perfeitamente inócuo, a sugestão faz o resto”, comenta JPV. A sugestão está presente um pouco por toda a casa, vibra em cada divisão, dando corpo a uma exposição “eminentemente performativa”.
O convite não é direto, mas está lá palpitante. É praticamente impossível resistir à tentação de pegar num dos balões vazios, onde se lê Get a Voice, que repousam junto de uma botija de hélio, enchê-lo e inspirar o gás que se encontra no seu interior, recriando, inconscientemente, a performance homónima que, em 2002, a dupla realizava em parceria com Ana Pérez Quiroga.
Milagrosas Águas de São Bento (2021) e Vadios (2018) FOTO: nvstudio
Da mesma forma, o conceito de casa não se quer literal. Por vezes, surge de forma mais evidente, na relação das peças com o espaço, como acontece com as reproduções, em pratinha de chocolate, de algumas jóias do Tesouro Nacional, expostas no quarto da condessa, ou a edição de 12 mil garrafas das Milagrosas Águas de São Bento, espalhadas pela cozinha.
Mas também metaforicamente, como em Vadios (palavra utilizada na lei de Julho 1912 que penalizava a homossexualidade), réplica de um urinol de rua, coberto de inscrições manuais de excertos de textos de Raul Leal, António Botto, Almada Negreiros e outros escritores que, ao longo do século XX, fizeram referências explícitas ao tema da homossexualidade, que se encontra instalada na antiga sala de leitura da condessa.
“Estivemos sempre rodeados de pessoas, do Manuel Reis ao Julião Sarmento, que nos ensinaram que as coisas fazem-se coletivamente, […] que sozinhos podemos ser o que quisermos, mas somos só para nós e isso não chega”
Acima de tudo, foge-se da ideia de domesticidade. Casa não são quatro paredes, não é um quarto onde se dorme e uma sala onde se janta. São sim os que dormem no quarto e os que são convidados para jantar na sala.
É sentido de pertença: a uma comunidade, um ideal, um grupo de amigos, uma família, uma mão cheia de memórias.
Casa é vínculo e relação com as obras, o espaço, o público, o passado, o presente, com 25 anos de trabalho e colaboração artística.
“É um espaço seguro, uma comunidade, uma família que não é família de sangue, mas um grupo de pessoas cuja afinidade está relacionada com uma ideia de proteção mútua”, sublinham os artistas que, sobretudo desde 2008, dedicam declaradamente o seu trabalho a temáticas queer, “a uma comunidade que já foi hiper-marginalizada, que era expulsa de casa ou mal tratada pela própria família”.
Casa são ainda os poucos que, ao percorrer as divisões da Casa Vale Ferreira, conhecerão as histórias por detrás de cada obra, pois delas também fizeram parte.
São os que, ao entrarem no escritório e virem Toro, uma cortina de veludo amarela e encarnada, lembrar-se-ão dela à entrada do LUX, bem como da festa “Malícia no País das Maravilhas” durante a qual, vestidos de forcados, com sapatos de salto alto, JPV, NAF e mais seis artistas e amigos apresentaram pela primeira vez Festa Brava, uma “pega” a quem subia a escadaria principal da discoteca lisboeta.
Casa é, sublinha NAF, “uma comunidade que te ajuda, suporta e legitima”, algo que a dupla nunca perdeu de vista ao desenvolver os seus projetos artísticos. “Estivemos sempre rodeados de pessoas, do Manuel Reis ao Julião Sarmento, que nos ensinaram que as coisas fazem-se coletivamente, que é preciso chamar toda a gente, porque não se consegue fazer nada sozinho, que é preciso um coro que te empurre, que te meta à frente, que sozinhos podemos ser o que quisermos, mas somos só para nós e isso não chega”, acrescenta JPV.
Na Casa Vale Ferreira as portas estão abertas a todos os que quiserem entrar, ser mais do que convidados, assumirem-se como agentes ativadores das obras, capazes de fazer reverberar as ideias e histórias invisíveis nelas contidas, renovando a sua leitura até que, junto delas, se sintam em casa.
[casa] é um espaço seguro, uma comunidade, uma família que não é família de sangue, mas um grupo de pessoas cuja afinidade está relacionada com uma ideia de proteção mútua
joão pedro vale + nuno alexandre ferreira
Recordar o passado em Serralves
Jornal de Letras – Ao fim de 25 anos, tiveram de olhar para trás e reler o vosso trabalho. Houve surpresas?
Nuno Alexandre Ferreira (NAF) – Acho que não. Apesar de sermos peritos em fazer desvios, somos um bocadinho obsessivos, é como se houvesse sempre uma linha de pensamento continua, com as mesmas preocupações, talvez um pouco mais densas, porque os contextos vão mudando, bem como a situação política e social. As coisas hoje não são vistas como eram há 20 anos.
João Pedro Vale (JPV) – O nosso trabalho é muito colaborativo, tanto nas nossas obras como nos momentos em que chamamos pessoas para mostrarem o seu trabalho no nosso atelier, por exemplo. Eu pensava que isto tinha começado a acontecer mais a partir de 2009, quando estivemos em Nova Iorque e depois quando começamos a colaborar com o Teatro Praga, mas ao olhar retrospetivamente percebemos que não, que tinha estado sempre lá.
E relativamente aos temas que levantam? As obras continuam a ter a mesma capacidade de agarrar as pessoas que tinham há 25 anos?
NAF + JPV – Hoje em dia, as pessoas já estão mais habituadas e têm mais ferramentas para falar sobre determinadas temáticas, mas gostámos de perceber, olhando retrospetivamente para o nosso trabalho, que estas questões foram pertinentes na altura e continuam a ser pertinentes hoje. É que temos quase 50 anos e, ainda que de uma forma diferente do que acontecia aos 20, continuamos a ter de justificar a nossa própria homossexualidade
Fazer esta leitura foi uma experiência emotiva?
JPV – Sim, porque faz-te pensar em memórias e em todas as pessoas que já fomos. Um bocadinho como As Horas, em que a Mrs Dalloway é sempre a mesma personagem, mas com várias vidas, tudo isto que se repete. Nós os dois, a Casa Vale Ferreira, já fomos muitas coisas.
E o facto de misturarmos a vida com o trabalho é algo que queremos que continue, que seja sempre possível, independentemente do formato em que as coisas possam ser apresentadas. Fazer arte não é quando o objeto está feito, mas sim quando está em vias de acontecer.
Como é que decidiram quais as obras mais adequadas para ilustrarem estas vossas vidas na exposição?
NAF – É sempre uma conversa, uma negociação com a curadora. Já tínhamos feito uma exposição grande com a Inês Grosso em 2019, no maat, além de a conhecermos desde 2009. No processo da escolha de obras a dificuldade maior é a questão da criação de um discurso, de ir vendo umas a seguir às outras e de que forma é que isto interfere no resultado final.
Porque não há um percurso especifico neste caso?
JPV – Acaba por haver. É o da arquitetura da casa. Não há uma sequência de salas obrigatoriamente específica, mas começa-se cá em baixo, com os blusões, e depois segue-se o percurso da casa, vai-se avançando ao longo das divisões, podendo-se escolher se se vai logo ao primeiro andar e depois à cave ou vice-versa.
A página de facebook de músicos brasileiros em Portugal tem 5600 elementos. Claro que a quase totalidade deste grupo é feita de músicos sem obra gravada, que acompanham outros cantores, que tocam em bares e afins ou procuram um espaço para o fazer.
Contudo, o número não deixa de ser impressionante e rima com os mais de 400 mil brasileiros residentes em Portugal (segundo dados de setembro de 2023 havia 393 mil “legais”) de longe a maior comunidade de imigrantes em Portugal (cerca de 35%).
A história musical de Portugal com o Brasil é longa. Dizem mesmo alguns historiadores, como José Ramos Tinhorão, que o tão lisboeta fado teve a sua remota origem numa dança do Brasil.
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Amália Rodrigues também passou uma temporada no Rio de Janeiro, ainda numa fase inicial da carreira, para não falar de Carmen Miranda, um dos esplendores da música brasileira, que nasceu em Marco de Canavezes. E diga-se que os grandes escritores de canções brasileiros sempre encontraram portas abertas no nosso mercado.
Aliás, a par das telenovelas, a música foi o que sempre obteve maior adesão popular, não se deparando com a dificuldade encontrada noutras áreas, como a literatura e o cinema.
Fale-se da transversalidade de Roberto Leal, português emigrado no Brasil, com sucesso aquém e além mar, da popular figura de Badaró, que encheu as televisões portuguesas nos anos 80, ou das sucessivas incursões de Eugénia Melo e Castro, que chegou a ter um programa de televisão de intercâmbios musicais, chamado “Atlântico”.
Portugal recebeu bem Vinícius de Moraes, que escreveu para Amália “Saudades do Brasil em Portugal”, mas também Chico Buarque, cujo tema Tanto Mar se tornou um dos hits da revolução
Também nomes como Fafá de Belém (que vive de forma intermitente em Portugal) ou, mais recentemente, Yvete Sangalo, mostram que a música brasileira é um fenómeno de grande aceitação popular.
Os grandes músicos da bossa nova, tropicalismo e outros movimentos fizeram de Portugal uma segunda casa, sobretudo depois do 25 de Abril. Portugal recebeu bem Vinícius de Moraes, que escreveu para Amália “Saudades do Brasil em Portugal”, mas também Chico Buarque, cujo tema Tanto Mar se tornou um dos hits da revolução.
Isto além de Caetano, Bethânia, Gilberto Gil, Edu Lobo, Milton Nascimento, Djavan, Ivan Lins (que vive entre Portugal e o Brasil), Adriana Calcanhotto (que viveu em Coimbra e deu aulas na universidade) ou Arnaldo Antunes, que será o poeta homenageado do próximo Escritaria, de Penafiel.
Para não falar em Gilda Oswaldo Cruz, notável pianista clássica brasileira, há muito radicada em Portugal, com um reportório que muitas vezes inclui compositores portugueses.
Zé Renato, nome importante da música brasileira, fez um disco de fusão entre samba e fado, nos anos 90, e atualmente passa metade do ano em Portugal. Há outros que por cá vivem, como Duda, o guitarrista da lendária banda de rock Legião Urbana, ou Marcelo Camelo, de Los Hermanos, que juntamente com a sua mulher, Mallu Magalhães, criou, já em Portugal, a Banda do Mar.
Nelson Mota, escritor e um dos críticos musicais mais considerados no Brasil, também vive atualmente por aqui. Assim como Antônio Villeroy, compositor muito gravado, autor de uma parte considerável da obra de Ana Carolina.
Entre os músicos brasileiros em Portugal, é importante falar do Couple Coffee, de Luanda Cozetti e Norton Daiello, que há muito vivem em Portugal. Luanda é filha de Alípio de Freitas, destacado militante antifascista em Portugal e no Brasil, e na discografia da sua banda encontra-se, por exemplo, um disco de tributo a Fausto Bordallo Dias.
Também vários elementos agregadores importantes, como o festival de música brasileira Koala ou o Mimo, que tem o Brasil como prato forte, para não falar do Rock in Rio, festival sediado no Rio de Janeiro, com edições com enchentes sucessivas em Lisboa. Isto além das rodas de samba e dos blocos de carnaval que animam a capital e outras cidades.
A ideia mais profunda e agregadora de fusão entre Portugal, Brasil e outras culturas lusófonas é a “Rua das Pretas”. Criada por Pierre Aderne, músico brasileiro residente em Lisboa há 15 anos, junta à mesma mesa samba, fado e mornas, numa espécie de tertúlias musicais, à moda de Vinicius Moraes ou de Amália Rodrigues.
Música brasileira em Portugal (da esq.ª para a dt.ª) Adriana Calcanhotto, Gilda Oswaldo Cruz e Marcelo Camelo
Da equipa da “Rua das Pretas” fazem ou fizeram parte um sem número de brasileiros radicados em Portugal, como Nilson Dourado, Walter Areia, Fred Martins, Diogo Duque, Maria Schaunel, Canequinha, Barbara Rodrix… e por ali passaram tantos outros como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Moacyr Luz. Fernanda Abreu, Paulinho Moska ou Luca Argel. É um espaço que afirma Lisboa como capital da música lusófona.
Dentro os músicos brasileiros em Portugal, há dois tipos diferentes de fenómenos. Alguns já eram músicos reconhecidos no Brasil, quando viajaram para cá. Outros, e isso também os torna interessantes, lançaram-se em Portugal e agora procuram um espaço no extenso e concorrido território brasileiro. São casos como Tainá, Nilson Dourado ou Carlos Cavallini. E há outros que em Portugal consolidaram o seu percurso, como Mallu Magalhães, Leo Middea, Isabella Bretz ou Luca Argel.
Dificilmente os músicos não se deixam influenciar pelo sítio onde vivem. E é por isso que, efetivamente, cidades como Lisboa e o Porto se tornam novos polos de criação transversal. Já houve fenómenos importantes como os Buraka Som Sistema, que sintetizaram a vivência cosmopolita e suburbana da cultura da África lusófona na grande Lisboa.
A imigração massiva de brasileiros, com toda a sua criatividade musical, é obviamente um fator de enriquecimento cultural e de transformação, que torna Portugal e, particularmente Lisboa, um dos mais interessantes portos musicais do mundo.
Neste tema falámos com alguns desses músicos, mas haveria muitos outros com quem falar. Um panorama completo da música brasileira no nosso país já não cabe em meia dúzia de página de jornal.
Dei comigo a pensar na expressão “Há governo? Sou contra!” atribuída a um anarquista mexicano, mas muito corrente durante a nossa I República, e que parece ter fartos seguidores entre nós, a propósito do que li nas redes sociais sobre uma cena da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. Que necessidade é esta de uma pessoa ter que se afirmar sempre contra alguém ou alguma coisa?
De todos quantos criticaram a suposta paródia à Última Ceia, apenas a Conferência dos Bispos de França (católica) se lembrou de afirmar que, apesar de tudo, a cerimónia ofereceu “momentos maravilhosos de beleza e alegria”. Todos os outros críticos nem sequer tiveram uma palavra para as cerca de quatro horas de cerimónia, – incluindo a fantástica performance da reaparecida Celine Dion, na superação duma doença complicada – focando atenção (e indignação) apenas na dita cena.
Honestamente achei o quadro da polémica de muito mau gosto e compreendo o desagrado de sectores cristãos, mas achei ainda muito pior algumas reacções. De facto, o cerne da questão está aqui: aquilo era mesmo uma paródia à Última Ceia ou não? Parece que não. E no entanto ouviram-se as maiores vociferações como se tivesse sido.
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Os criadores do espectáculo desmentiram que a intenção fosse replicar a obra de Da Vinci. Pelo contrário, pretendeu-se representar um festival pagão com os deuses do Olimpo na Grécia Antiga, onde os Jogos nasceram. Na realidade a cena parece mais inspirada na obra “O Festim dos Deuses”, do mestre holandês Jan Van Bijlert (1597-1671), que está exposto no Museu Magnin, em Dijon, França.
Mas admitamos que se tivesse tratado mesmo duma representação parodiada do quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci (1452-1519). Nesse caso pergunta-se: a obra de Da Vinci é sagrada? Claro que não. E aquela última ceia de Cristo decorreu mesmo assim como o quadro retrata? Certamente que não. Desde logo não se sabe se estariam presentes apenas Jesus e aqueles doze discípulos. E muito provavelmente estariam sentados no chão, como habitualmente. E mesmo que estivessem sentados a uma mesa, decerto não estariam todos do mesmo lado como num palco de teatro em que os actores não devem ficar de costas para o público. Além do mais Da Vinci pintou as figuras como se fossem europeus e não indivíduos do Médio Oriente.
O mais curioso é que muitos dos líderes religiosos que vociferaram contra a pretensa blasfémia são os mesmos que exortam firmemente os seus fiéis a destruir reproduções do quadro de Da Vinci que tenham em casa, por considerar que se trata de “idolatria”. Mas afinal atribuem-lhe sacralidade.
Estamos perante a velha ideia religiosa de “defender a fé”, se necessário pela violência verbal, psicológica ou física. Segundo o Expresso “A DJ e ativista Barbara Butch revelou ter recebido ameaças de morte após ter participado na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, na passada sexta-feira.”
A questão é que um Deus que precisa de ser defendido pelos humanos não pode ser Deus, assim como o Deus verdadeiro não pode ser ofendido pessoalmente por eles: “Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (Epístola de Tiago 1:13). Está noutra dimensão. As ofensas feitas a Deus são outras e sucedem sempre que um ser humano diminui, prejudica ou destrói outro pela violência, a guerra, a fome e toda a sorte de abusos e exploração. Aí, sim.
Esse deus (sim, com inicial minúscula!) que se ofende pessoalmente por tudo e por nada não passa de um conceito do divino criado à imagem e semelhança do ser humano, à maneira da mitologia greco-romana. No fundo, o que se está a fazer é puxar essa projecção idealizada e frequentemente antropomórfica da divindade para baixo, para o lamaçal da pequenez e imoralidade em que nos movemos. A dimensão do sagrado não se defende, vive-se. A fé não se discute, pratica-se.
Como se não bastasse, ainda houve o bónus das interpretações alucinadas do corte de electricidade em parte de Paris (o tal deus pequenino zangou-se e vá de castigar uns milhões de cidadãos sem culpa nenhuma!), e a interpretação escatológica do homem da tocha a correr pelos telhados, feita a martelo como de costume.
Humberto Eco dizia que os povos precisam sempre de um inimigo – que é sempre feio, porco e mau – para, no confronto com ele, se considerarem superiores. Mas os cristãos devem saber quem são e não precisam de inventar inimigos, sempre os tiveram em abundância. E aos que vociferaram com a tal “blasfémia” que afinal de contas não o foi, deixo para reflexão o diálogo de Jesus com os seus discípulos quando os samaritanos lhes recusaram alimento: “E os seus discípulos, Tiago e João, vendo isto, disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez? Voltando-se, porém, repreendeu-os, e disse: Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las. E foram para outra aldeia” (Evangelho de Lucas 9:54-56).
Infelizmente, na religião há muitos que não sabem de que espírito são.
“Civil war is inevitable” [A guerra civil é inevitável]. Entre outubro de 2023 e o passado dia 4 de agosto, o excêntrico Elon Musk sugeriu diretamente, pelo menos em cinco ocasiões, a possibilidade de haver (ou ser necessário) uma guerra civil na Europa. Fê-lo a partir da sua “casa”, a rede social que batizou de X (antigo Twitter), adquirida por este multimilionário sul-africano, em outubro de 2022, por uma quantia a rondar os 44 mil milhões de euros. Musk é seguido por mais de 193 milhões de pessoas – o equivalente a quase 20 vezes a população de Portugal. E será lido por mais…
A última declaração de guerra surgiu na sequência dos motins no Reino Unido, que surgiram depois de um homem de 17 anos ter invadido um centro comunitário, em Southport, localidade no noroeste de Inglaterra, e atacado com uma faca oito crianças, matando três meninas (uma das quais com nacionalidade portuguesa). Grupos de extrema-direita – que as autoridades associam à Liga de Defesa Inglesa de Tommy Robinson (nome de guerra adotado pelo inglês Stephen Christopher Yaxley-Lennon) – viram nesta tragédia uma oportunidade para espalharem o seu discurso anti-imigração e anti-islão, não tardando a saírem às ruas, fazendo de alvo as comunidades imigrantes naquele país.
O rastilho para os ataques acendeu-se nas redes sociais, que, sem quaisquer provas ou confirmação, se propuseram a identificar o autor dos crimes de Southport como um refugiado muçulmano, acabado de chegar ao Reino Unido, após atravessar de barco o Canal da Mancha, e requerente de asilo no país. Não é verdade. Axel Rudakubana nasceu no País de Gales, no seio de uma família com raízes no Ruanda.
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A mentira, porém, já corria (e continua a correr), livre, pelas redes sociais, partilhada por milhares de pessoas e movimentos de extrema-direita. E, ainda hoje, há quem insista nesta versão de realidade alternativa.
O dono do X é um dos grandes (ir)responsáveis pelo que se está a passar. Próximo da agenda da direita radical populista, Elon Musk, um imigrante sul-africano nos Estados Unidos da América, tem utilizado a sua rede social, ao longo dos últimos dois anos, para partilhar mensagens racistas, xenófobas, homofóbicas e transfóbicas (a que nem escapa a sua filha transgénero).
Fernando Pimenta já garantiu a passagem direta para as meias-finais de K1 1.000. O canoísta foi o primeiro na sua série, com um tempo total de 3 minutos, 29 segundos e 76 centésimas de segundo, que teve lugar esta manhã no Estádio Náutico Vaires-sur-Marne. Pimenta volta agora a competir nas meias-finais da competição, marcadas para este sábado, dia 10 de agosto, pelas 9h10.
Depois da prata em K2 1.000 em Londres2012, ao lado de Emanuel Silva, e do bronze em K1 1.000 em Tóquio2020, o atleta limiano pode ser o primeiro português a conquistar três medalhas olímpicas.
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Já em K1 500, a canoísta portuguesa Teresa Portela qualificou-se para as meias-finais da prova feminina dos Jogos Olímpicos, ao ser quarta classificada da segunda série dos quartos de final. As meias-finais estão marcadas para sábado, pelas 10h30 (09h30 em Lisboa), tal como a final principal, que se realiza pelas 13h (12h)
Com um salto de 18,04 metros, recorde nacional, Pedro Pichardo perdeu a final dos Europeus de Roma para o espanhol Jordan Díaz mas nem por isso deixa de ser um dos grandes candidatos à medalha de ouro em Paris, que hoje assiste à qualificação do triplo salto. É a partir das 19h15 locais (18h15 em Lisboa) que o atleta português começa a defender o título de campeão olímpico. A qualificação direta para a final exige um mínimo de 17,10 metros que, espera-se, não represente um grande desafio para Pichardo.
Na qualificação, Portugal estará também representado por Tiago Pereira, medalha de bronze nos Mundiais de pista coberta e quarto nos Europeus, que tem 17,08 metros como melhor marca.
Também os velejadores portugueses Carolina João e Diogo Costa vão estar na água, com a ‘medal race’ de 470 agendada para as 15h45, em Marselha, onde chegam na quinta posição e de onde podem sair com um diploma.
Mafalda Pires de Lima disputa as últimas regatas de qualificação para as meias-finais do kite. Está em 14º lugar e a 14 pontos do 10º, que lhe valeria também um diploma.
No skate, foi dia de olhar para a estreia de Thomas Augusto, acabou por falhar o acesso à final de park dos Jogos Olímpicos Paris2024, ao ficar fora dos oito primeiros após a sua série de qualificação.
O destino era a ilha do Rato, um pequeno banco de areia em pleno mar da Palha, junto ao Barreiro, e foi na falua Esperança, embarcação tradicional do rio Tejo, com Eduardo Lopes como mestre, que zarpámos da Doca de Santo Amaro, em Lisboa, para participar nesta aventura que abriu o programa Ciência Viva no Verão deste ano.
Também conhecida como Mouchão das Ostras, por ter sido berçário da ostra-portuguesa, consumida entre nós e exportada sobretudo para França, até aos anos 1970, este oásis fica no estuário do Tejo, um dos maiores da Europa com cerca de 320 quilómetros quadrados.
No dia 29 de agosto, há novo passeio até à ilha do Rato. Foto: DR
A Caminho da Ilha do Rato, assim se chama a atividade com a duração de 4h30, enquadra-se no âmbito dos Alertas da Natureza, e aconselha-se levar calçado adequado para caminhar na areia e sobre pedras e conchas. “Fazemos uma recolha de resíduos, enquanto exploramos um pouco da ilha e damos conta do impacto que o lixo tem sobre este estuário, riquíssimo em biodiversidade. Depois há um piquenique partilhado”, diz Gentil Rocha, guia de serviço e funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, uma das entidades parceiras deste passeio, a que se junta o Mare – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Lisboa.
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Em terra e no ar
O programa Ciência Viva no Verão surgiu em 1996, há 28 anos, uma ideia lançada pelo antigo ministro da Ciência Mariano Gago, dirigida a pessoas de todas as idades. “Começámos com a Astronomia na Praia e fomos alargando a áreas geográficas e temáticas”, explica Rosalia Vargas, diretora do Pavilhão do Conhecimento e presidente da Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, entidade organizadora.
As atividades do programa Ciência Viva no Verão, de norte a sul do País, incluindo ilhas, são dirigidas a pessoas de todas as idades. Foto: DR
Neste ano, estão agendadas mais de 400 ações, até 15 de setembro, que se multiplicam em várias sessões por todo o País. A maior parte é gratuita e esgota rapidamente, mas pode ficar-se em lista de espera. “Ao primeiro minuto já tínhamos 430 participantes”, congratula-se Rosalia Vargas. O número espelha o interesse e entusiasmo do público para explorar e experimentar as mais variadas áreas do conhecimento científico, da Astronomia à Biologia, passando pela Física, Botânica, Química ou Engenharia.
Nesta edição, os aventureiros vão poder descer por cabos à gruta da Varjota, no concelho de Loulé, uma lição de geologia que requer destreza física, ou caminhar à descoberta da impressionante garganta escavada pelo rio Ocreza no vale Mourão, em Sobral Fernando, Proença-a-Nova.
Foto: DR
Aos amantes da fauna, convida-se à observação noturna de camaleões, no Parque Natural da Ria Formosa (28 ago e 4 set), enquanto na Herdade do Vale Gonçalinho, na Reserva da Biosfera de Castro Verde, se explica a evolução dos dinossauros às aves (8 ago), guiados por Simão Mateus, paleontólogo e diretor científico do Dino Parque Lourinhã.
Também se vai andar de olhos postos no céu. Em Tavira, há observação da Lua ao telescópio, colocado sobre a ponte romana (16, 21 ago, 13 set), e, em Borba, um jantar petisqueiro revela a relação entre o vinho e os corpos celestes, atividade para maiores de 18 anos a demonstrar que o Ciência Viva no Verão é pensado e dirigido a todos os públicos.
“No início, tínhamos um número verde para informações. Uma vez, um menino ligou a perguntar se podia levar os pais; respondemos ‘claro que sim’”, conta Rosalia Vargas. “É preciso começar cedo na Ciência, e bem, mas vamos sempre a tempo.” Esta é uma boa oportunidade.